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Aramis

Um festival só para quem conhece inglês

"O Mahabharata", filme com quase três horas de projeção, que abrirá o segmento de Curitiba da XIV Mostra Internacional de Cinema - promoção que custará oficialmente Cr$ 2 milhões aos contribuintes curitibanos (embora, extra-oficialmente, já fale-se que o valor poderá chegar ao dobro) é uma adaptação cinematográfica de um poema épico hindu calcado num roteiro teatral de nove horas que Jean-Claude Carrière escreveu há seis anos para Peter Brook, 65 anos, um dos mais intelectualizadores diretores de teatro e cinema da Inglaterra, de quem, recentemente, aqui foi visto, com atraso de 11 anos, seu "Encontros com Homens Notáveis" (projetado apenas uma semana no Groff, graças exclusivamente ao Instituto Gurdjieff). Obra dificílima, baseada no maior poema conhecido (são mais de cem mil versos, excedendo em volume "A Ilíada" e "A Odisséia"), "O Mahabharata" (que em sânscrito significa "grande épico da dinastia Bharata") é obra simbólica, que para seu entendimento exige profundos conhecimentos da cultura indiana - e assumidamente realizada para platéias especialíssimas, capazes de acompanhar sua longuíssima metragem (171 minutos). Sua escolha para abrir em Curitiba uma mostra que mesmo destinada a um público reduzido - acredita-se que apenas 800 espectadores, no máximo acompanharão as projeções até o dia 21 de novembro - já é um desafio. Não será surpresa se mesmo na sessão de abertura, a partir dos primeiros 60 minutos de projeção, o cine Ritz começar a se esvaziar - ou a se ouvir roncos de espectadores que, aparentemente intelectualizados, não terão cacife cultural para acompanhar obra de tal nível de hermetismo. A seleção que a assistente social Celise Niero fez dos filmes que vieram para a mostra paulista privilegiou apenas os que dominam o inglês, valendo mais como marketing promocional de escolas de línguas. Da quase meia centena de títulos - até agora, constam 30 longas, 14 curtas e um média-metragem ("A Semente da Árvore/The Seed of the Tree", México, 1990, 34 minutos, de John Urich-Saass, falado em inglês), há menos de dez filmes com legendas. Em compensação, o exotismo vai ao ponto de ter sido programado uma co-produção França/Alemanha/Itália, "E a Luz se Fez" (Et la Lumière Fut, de Otar Losseliani), com diálogos em dialetos africanos. Se sobram produções totalmente desconhecidas (a não ser pelo Sr. Leon Cakoff, que passou o ano viajando pelo mundo, frequentando festivais internacionais de cinema), títulos mais interessantes, que poderiam motivar faixas específicas de público, mesmo trazidos a São Paulo, não serão vistos em Curitiba - possivelmente pela limitação cultural da diretoria da Fucucu, no momento de fazer as escolhas. É o caso de dois longas estrelados por uma personalidade histórica do show business, Josephine Baker (1905-1975) - "Zou Zou", 1934, de Marc Allégrer (1900-1973) e "Princesa Tam Tam", 1935, de Edmond T. Greville (1910-1966), ambos rodados na França (onde a cantriz viveu a maior parte de sua vida), em cópias restauradas no ano passado pela Kino Internacional, que desde 1975 vem se dedicando a recuperar clássicos do cinema. Um executivo da Film Forum 2, cinema de arte de Nova York, está em São Paulo, acompanhando a exibição destes dois filmes e, em mais uma falha da precaríssima Fucucu, não foi sequer negociada a sua vinda - quando aqui poderia apresentar os filmes e falar a respeito.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
23/10/1990

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