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Aramis

Uma revisão dos anos duros, com bom humor

Desde que os ventos liberalizantes soprados no final do governo Geisel permitiram peças proibidas por tocarem em assuntos incômodos aos donos do poder nos anos da ditadura, uma sucessão de textos significativos inundou os palcos: da "Patética" de João Ribeiro Chaves Neto à obra-prima "Rasga Coração!" de Oduvaldo Vianna Filho, passando por Dias Gomes (Amor em Campo Minado) e Mário Prata (A Fábrica de Chocolate), entre outros autores que, com seriedade se debruçaram sobre aspectos diversos da violência e intolerância da ditadura que se implantou no Brasil em 1º de abril de 1964. E mostrando que é possível revisitar esta temática tão atual quanto desagradável a muitos, Lauro César Muniz, mais identificado ao humor e às telenovelas, produziu uma peça que há mais de um ano faz sucesso em São Paulo e que agora, na marca das 400 representações, encerrará sua temporada em Curitiba: "Direita, Volver!" (auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, de amanhã a domingo, 21 horas, ingressos entre Cz$ 50,00 e Cz$ 30,00). xxx Uma comédia que faz pensar. Partindo da ironia e do humor - elementos que tão bem domina em sua longa obra, Lauro César Muniz construiu uma peça instigante, atual - e que oferecendo reflexões a partir do outono de um velho senador da Direita, doente e vendo a chegada de novos tempos, traz elementos para discussão. É possível que "Direita, Volver!" represente uma visão bem humorada, da realidade política, mais bem sucedida do que "Negócios de Estado", do francês Verneuil, visto no mesmo auditório, na semana passada. Afinal, ao invés da Democracia consolidada e inalterada americana, o texto de Muniz toca o dedo no Brasil político de hoje. Num esclarecedor miniensaio a propósito de "Direita, Volver!", Antônio Mercado, diretor teatral e professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, lembrou que Muniz abandonou as metáforas tão comuns no teatro político para "invadir o espaço interior com toda a sua crueza". Assim "Direita, Volver!" apanharia o espectador "desprevenido, aguilhoando a fundo e implacavelmente nossa confortável passividade de leitores/espectadores". O teatro político - especialmente o que se propõe a analisar fatos contemporâneos - é extremamente perigoso, podendo cair com facilidade no panfletarismo, no lugar comum. Partindo de um espaço contemporâneo - no dia 31 de março de 1985, quinze dias após a posse do presidente Sarney - a ação de "Direita, Volver!" se concentra em torno do universo de João Carioba (Dionízio Azevedo), um senador biônico, cujo aniversário se comemora, para sua glória e vaidade, no dia 31 de março. Mas este ano, alijado do poder, vitimado por um derrame o senador se isola numa casa de campo - e, ao longo de encontros com familiares e outros personagens, há uma espécie de julgamento do velho político, sua vida, posições pessoais, políticas, familiares. Enfim, todo um clima que faz de João Carioba um personagem-imagem de tantos velhos coronéis da política que há décadas se perpetuam no poder - e que, não se tenha ilusão, continuam a sobreviver nesta Nova República (que em termos político, de Nova tem muito pouco). Dirigida por Emílio Di Biase, profissional dos mais competentes - cujo talento já muito contribuiu com o nosso teatro ("O Contestado", "O Grande Circo Místico"), "Direita, Volver!" traz um elenco de bons intérpretes: o veterano Dionízio Azevedo, a sensível Cleyde Yáconis, a bela Aldine Muller (ex-estrela de pornoproduções, hoje uma atriz em recuperação), mais o jovem Flávio Guarnieri, Dulce Muniz, Cláudio Curi e J. França. LEGENDA FOTO - Dionísio Azevedo e Cleyde Yaconnis em "Direita, Volver!": os anos de repressão vistos com humor. Estréia amanhã no Guaíra.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
15/05/1986

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