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Aramis

Uma "Rua 24 Horas" para a noite vazia da cidade

Na usina de idéias e criatividade, o arquiteto Jaime Lerner começa agora a viabilizar novos projetos que havia imaginado durante os últimos anos que passou afastado do poder. desde obras que apresentem aspectos mais amplos (e dispendiosos) até idéias simples, possíveis de serem executadas a curto prazo. Entre as propostas que Jaime estuda com sua assessoria direta - e naturalmente com ligação à Secretaria de Desenvolvimento Urbano (antigo Departamento de Urbanismo) e IPPUC, está a implantação de uma "Rua 24 Horas". A idéia é simples: criar condições para que se forme uma (ou mesmo mais) rua(s) que, em determinados quarteirões se estabeleçam atividades que a façam funcionar ininterruptamente, através de serviços, lazer, restaurantes, farmácias, ponto de vendas de revistas, jornais, cigarros, etc. Enfim, aquele espaço em que, com certeza, se encontre após meia noite o que se precisa - da comida à aplicação de uma injeção. xxx Hoje (pequeno) comércio da madrugada de Curitiba é espalhado por alguns trechos centrais, sem uma unidade que concentre maior número de atividades. Por exemplo, na Cruz Machado, entre as ruas Voluntários da Pátria/Visconde de Nacar, existem muitas casas noturnas, classe "B" - além de O Trumpete's, que apesar de sua simplicidade e falta de conforto, tem uma platéia das mais diversificadas - atraídas pelo talento do pistonista Saul e dos outros (ótimos) instrumentistas que ali se apresentam. Ainda no último sábado, um grupo de turistas franceses ali foi levado por um amigo curitibano vibraram com as improvisações feitas por Saul e o baixista Boldrini. xxx A existência de estabelecimentos noturnos naquela área central - a começar pelo Metrô - trouxe uma fauna noturna, valendo o apelido de Baixo Leblon curitibano - mas com um comércio paralelo que se limita a lanchonetes e os churrasquinhos, a maioria deixam muito a desejar no que diz respeito à higiene e atendimento. A idéia da "Rua 24 Horas" é, se não o oposto, ao menos o estímulo de um comércio que atraia melhor público. Para tanto, seriam importantes restaurantes classe "a", boas lanchonetes, farmácias de plantão e, principalmente, uma grande revistaria, que por si só, atrairia uma clientela especial. Em São Paulo e Rio de Janeiro existem grandes bancas de jornais e revistas, quase supermercados de publicações, que oferecendo edições nacionais e estrangeiras atraem público durante 24 horas por dia. Em Curitiba, na madrugada é praticamente impossível adquirir um jornal ou revista, pois com o esvaziamento do centro da cidade as bancas fecham suas portas a partir das 21 horas. Nos bairros, então, a falta de segurança, faz com que já ao escurecer os pequenos comerciantes coloquem traves e cadeados nas suas bancas, temendo assaltos - que, aliás, continuam a acontecer. xxx Curiosamente, nos anos 60 - quando a população era menos de um milhão de habitantes - existia uma banca 24 horas. Funcionava na galeria de acesso do Palácio Avenida, com entrada na Travessa Oliveira Belo e pertencia ao velho João Pedro Guimarães (1915-1971). Após ter sido um dos mais prósperos empresários da noite curitibana - dono da Moulin Rouge, boate que teve vários endereços ao longo de quase 30 anos de funcionamento - concorrente maior de Paulo Wendt (1917-1966), o velho Guimarães acabou, modestamente, sobrevivendo como dono de uma banca de jornais e revistas na entrada do Palácio Avenida - hoje em obras, para sediar o Centro Administrativo Bamerindus - edifício Avelino Vieira. Era chamada "banca do Guimarães" que nas frias madrugadas dos anos 60 que jornalistas, artistas, intelectuais de plantão e outros integrantes de uma fauna boêmia que se reunia - buscando publicações que chegavam do Rio e São Paulo. Em 1968, com a venda do Palácio Avenida pelos herdeiros do construtor Félix Mehry ao grupo Bamerindus - e o início do processo de desalojamento dos inquilinos que ali ocuparam apartamentos e lojas por mais de 40 anos, a banca do velho Guimarães também foi atingida. Embora tivesse resistido bravamente - enquanto apartamento a apartamento do prédio era desocupado, acabou também sendo fechada. Alguns meses depois o Guimarães de tantas histórias da madrugada curitibana morria, sem deixar gravado seu depoimento - ou ao menos ser fixado em fotografias que ajudariam, hoje, a mostrar um pouco de uma época da noite curitibana. xxx A implantação de uma "Rua 24 Horas" é, por enquanto, um projeto na cabeça do prefeito Jaime Lerner. Estuda-se qual o melhor local para que através de estímulos diversos, sejam animados os pequenos empresários a ocuparem um espaço que, em pouco tempo, poderá ter grande movimentação. A Prefeitura garante que haverá segurança, boas condições de circulação de veículos, facilidade na obtenção de alvarás e mesmo condições especiais na cobrança de impostos municipais. Só existe um problema: A "Rua 24 Horas" não poderá ser numa área de prédios residenciais. A não ser que existam edifícios com moradores tão boêmios como o comércio que a via da madrugada abrigará.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
31/01/1989

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