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A Unidos do Botão vai levar alegoria crítica ao Carnaval

Graças à criatividade de uma pessoa que, por sua originalidade e presença, se torna cada vez mais uma espécie de símbolo afetivo (e vivo) desta Cidade sem Portas, o tradicionalmente desanimado Carnaval local terá ao menos uma pausa para justificar algum flash na abertura nacional das cadeias de televisão. Hélio Leites, 40 anos, o permanentemente bem humorado, sensível, múltiplo, animador e artista minimalista, que se identifica como "secretário geral da Associação Internacional dos Colecionadores de Botões", decidiu pedir licença "para abotoar a Avenida neste carnaval de 91 com a Ex-Cola de Samba Unidos do Botão". Sua explicação é objetiva: - "A Unidos do Botão é uma escola pequena, talvez a menor da América Latina, mas o que lhe falta em tamanho, sobra em pretensão, já que o seu objetivo é esquentar o carnaval curitibano. Por isso mesmo, vai sair com seus integrantes usando cachecol". O bom humor é uma das características maiores de Hélio Leites (ou Lates, segundo algumas grafias), que nestes últimos cinco anos tem sido uma presença terna e amiga em inúmeros eventos culturais (vernissages, noites de autógrafos, estréias teatrais, etc.), sempre distribuindo mini-bottons, adesivos, que ele - e alguns abnegados companheiros de ideal - executam artesanalmente - e que, formam o acervo de seu "museu ambulante" - por ele próprio mostrado cada vez que "veste" seus jeans recobertos de botões e adesivos. xxx Agora, com um grupo de adeptos de suas idéias criativas e bem humoradas - "somos 21, mas o número tem até diminuído para o Carnaval - o que não importa" - Hélio explica porque decidiu assumir o lado carnavalesco: - "Acreditamos que apesar de pequeno pode ser interessante". O enredo da Ex-Cola de Samba Unidos do Botão será "Gran Circus Bacaxi" (para os perfeccionistas, o Grande Circo Abacaxi), uma crônica bem humorada, contando "no que se transformou nosso país collorido". Resgata, assim, Hélio Leites, a tradição maior do Carnaval - ou seja, a sátira política. Como pode um grupo de 21 carnavalescos pretender desfilar na Escola? Antes que a diretoria da Associação das Escolas de Samba e Blocos Carnavalescos de Curitiba bronqueie, é bom explicar: - "Nossa Ex-Cola é minimalista" - diz Hélio - "mas teremos carros alegóricos, luxo que outras escolas não se podem dar nestes tempos de crise zeliana". É bem verdade que serão sete mini-carros alegóricos, "todos movimentados à perplexidade, um combustível pouco explorado e de grandes possibilidades, que desenvolverão e enredo", explica Hélio, convidando os interessados a assistir ao desfile, programado para iniciar às 19 horas de segunda-feira. Além do roteiro oficial - na Marechal Deodoro - a escola vai se apresentar também na Rua Voluntários da Pátria, por uma afetiva razão: a nossa maior poeta, Helena Kolody, amiga e admiradora das criatividades de Hélio, não pode se deslocar até o palanque oficial, mas descerá de seu apartamento que fica naquela rua para aplaudir os 21 figurantes e os sete mini-carros alegóricos. Os carros, em fase de confecção, prometem muito. O primeiro é o "Carro da Paz", e traz a pombinha do Bracatinga, ameaçada por um barril de petróleo. A ala é de Alah e traz figurantes em roupas árabes. O segundo carro é "Comida de Carnaval" e o destaque é uma "perua assada" na personificação da modelo Luma. "É dedicado ao maior problema desse nosso país agrícola: a fome", diz Hélio. O terceiro carro - o da "Memória" - é outro protesto político - lembrando Sarney - simbolizado por um ratão de gestos eróticos - e um box democrático entre Lula e Collor. O presidente Collor é o tema do quarto mini-carro alegórico, que terá como destaque o "Grande Abacaxi da Dívida Externa". Naturalmente sobra para a ministra Zélia, tentando equilibrar-se na corda bamba. Um momento de ternura: o "Carro da Saudade" - dedicado aos que já morreram - a começar por Paulo Leminski (1944-1989), que foi o primeiro intelectual a valorizar os "minigames" de Hélio, por ele chamados de "O significador de insignificantes", Cazuza, Raul Seixas, Zacarias, Glauber e Chaplin também são rememorados. O sexto é o carro "Grande Barato" do carnaval. Justamente o destaque é um "Grande Baratão", uma peça esculpida por Santiago Nóbrega, paulista de Registro, curitibano por adoção. Por último, outro mini-carro revelando a habilidade do artista popular: Efigênia Ramos Rolim, 57 anos, que trabalha apenas com papel de balas e chocolate - dentro da proposta de "sukata de papel" ("ela mostra que lixo não é bicho") fez um carro que encerra o desfile da menor - mas por certo a mais original - agremiação (sic) que já surgiu em nosso carnaval.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
07/02/1991

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