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Valêncio documenta em vídeo as pinturas pré-colombianas

Numa prova de competência, agilidade e talento, Valêncio Xavier, idealizador e coordenador do projeto Americanicidade ,realizou em menos de 60 dias úteis - e com um custo inferior a Cr$ 3 milhões - um documentário em vídeo que poderá ter grande impacto na programação audiovisual paralela da eco 92, em junho próximo no Rio de Janeiro, além de, com legendas em português, espanhol e inglês merecer projeções internacionais. Na edição de 4 de janeiro último, aqui noticiávamos, em primeira mão, as filmagens que Valêncio e o cineasta Ozualdo Candeias haviam feito no Vale do Iapó, município de Piraí do Sul, documentando imagens rupestres ali existentes. Num projeto idealizado por Valêncio e que se concretizou também com apoio do arquiteto Braulio Carolo, diretor regional do Instituto Brasileiro do Patrimônio Artístico e a ajuda das videastas Fernanda Morini e Jussara Locatelli, Valêncio, em três viagens que fez àquela região rodou mais de duas horas de material documentando tanto imagens já conhecidas do antropólogo Oldemar Blasi, como outras, que ainda não haviam sido catalogadas. Um material precioso, que ao mesmo tempo que documenta inscrições feitas pelo homem pré-colombiano há cerca de 2.000 anos passados, em cavernas e lapas de várias regiões do Vale do Igapó, também trazem um alerta: caçadores e mesmo moradores da região, que ali chegam, fazendo queimadas, vêm destruindo estas [inscrições] rupestres, produzidas em ocre (óxido de carvão) e que se resistiram há 2 milênios sem a presença do bicho-homem, agora, em poucos anos, começam a [desaparecer]. xxx Na última sexta-feira, 20, nos estúdios da Documenta, Valêncio finalizou o vídeo, que terá sua primeira projeção pública nesta quarta-feira, 25, dentro do Seminário História do Cinema Paranaense (Cinemateca do Museu Guido Viaro, 20h30), também por ele idealizado. Aos 59 anos - completados no último sábado, 21, mais de 30 ligados às atividades de cinema, fotografia, televisão e vídeo, Valêncio realizou um documentário exemplar: eliminando o texto discursivo, utilizando apenas informações escritas - com um único depoimento, juntamente do fazendeiro Sidnei dos Santos, proprietário de uma das áreas nas quais se encontram parte destas [ilustrações] rupestres - o vídeo foi valorizado por uma explêndida trilha sonora dirigida pelo padre José Penalva, compositor, pesquisador e musicólogo da maior importância. Um dos discípulos do padre Penalva, Idioney Rodrigues, é a revelação como compositor, tendo criado a música de grande impacto, desenvolvida com instrumental eletro-acústico, que sem cair no minimalismo de Philipe Glasse tem, entretanto, a força de que o compositor americano produziu para os documentários "Koyaanisqatsi" (1938), abrindo praticamente uma nova linha de envolvimento na relação som-imagem-ecologia. Azualdo Candeias, 69 anos, cineasta que tem obras das mais sólidas (a partir de "A Margem", 1967), fraternalmente identificado a Xavier, fez não só a fotografia - câmara de vídeo - como ainda documentou em mais de 120 fotografias detalhes das inscrições para uma exposição que deverá acompanhar o [circuito] das exibições destinadas a público especial. Apenas em três momentos - na abertura, com a rápida introdução do fazendeiro Sidnei Santos, que adverte da destruição dos sítios arqueológicos; numa seqüência em que aparece o arquiteto José De La Pastina, da delegacia do IPAC, no Paraná, e o próprio Candeias, numa cena fotografando as ilustrações, o documentário prescinde da presença humana. Com tomadas da flora que caracteriza os Campos Gerais, destacando algumas formações areníticas que se identificam a imagens do homem e dos animais - no que o trabalho de computador desenvolvido admiravelmente por Fernanda Morini cria uma animação perfeita, Valêncio Xavier conseguiu organizar o material rodado, ao longo dos 25 minutos deste vídeo integrado a série de produção do projeto Americanicidade. (*) Assim como fez na roteirização e animação do vídeo com a gravação do "Evangelho Segundo São Mateus", de Bach, na interpretação de orquestra e coral regido por Roberto de Regina (**) - no qual intercalou textos em uma língua moderna, quase concretista (que, por certo, entusiasmaria a Paulo Leminski), também neste documentário, Valêncio soube buscar numa curta estrofe de um poema do escocês William Black (Glasgow, 1841 - Brighton, 1898), "The Tiger", o equilíbrio imaginário que quebra a rigidez de imagens duras como as próprias pedras em que as pinturas foram feitas pelos homens que há mais de 2 mil anos habitaram o Segundo Planalto naquilo que hoje é o Paraná. Há 36 anos, um casal de antropólogos franceses, Joseph Emperire e Anette Laming, juntos com Oldemar Blasi, foram os primeiros a percorrerem a região e localizarem as inscrições rupestres - nos sítios em que puderam ter acesso. Passados quase quatro décadas, as pesquisas pouco evoluíram e a equipe que Valêncio levou à região encontrou novos locais com inscrições. Assim como em profundos grotões e pontos ainda inacessíveis a chegada do homem sem equipamentos especiais "por certo devem existirem outras ilustrações, felizmente estas preservadas da destruição", diz Xavier, alarmado com a falta de atenção das autoridades para o patrimônio histórico-natural-artístico do estado (o que o levou inclusive a publicar um corajoso texto-denúncia em O Estado do Paraná, há algumas semanas). Há citações dos antropólogos Jean Paul Molin e F. Millingham, este segundo sobre as relações das pinturas rupestres com o cinema (e, por analogia, aos quadrinhos), já que na linguagem gráfica, as imagens de animais e mesmo símbolos que podem, para alguns serem interpretados como OVNIs, representavam aquilo que era, para eles, uma visão de uma época. Interessante, também, a proposta que Valêncio procurou colocar no vídeo - que mereceria ser exibido inclusive na televisão, se aqui existisse um canal educativo-cultural com geração própria (e não apenas a repetidora, do Canal 9) - uma relação de que "se estivessem na contemporaneidade, os ilustradores da Idade da Pedra trabalhariam hoje com os recursos gráficos do computador" - diz Valêncio. Justifica assim a intervenção da animação sobre as imagens, para criar contornos de um rosto humano (que se parece como uma auto-caricatura do próprio cineasta) e de uma espécie de urso, justamente emoldurado sonoramente com um dos momentos mais ternos da trilha sonora de Indioney Rodrigues. Com um custo reduzidíssimo, este (e outros vídeos produzidos na mesma série) mostram que quando há gente competente e honesta com vontade de realizar um trabalho objetivo pode-se ter bons resultados em pouco tempo. Pela importância da temática que aborda - numa verdadeira revelação aos próprios paranaenses (quantos sabiam sequer da existência destas inscrições rupestres há menos de 200 km de Curitiba?), este vídeo fará, sem dúvida, carreira internacional. A série de produções da Americanicidade, já tem garantida sua apresentação, na parte informativa, do próximo Festival de Cinema Livre de Havana, e através dos contatos dos consultores do projeto, Sílvia Oroz e Cosme Alves Neto, já se abriram oportunidades para convênios com o Chile e Venezuela, entre outros países do continente que permutarão trabalhos. Notas (*) Nesta série de vídeos, Valêncio já fez trabalhos sobre os cineastas Eduardo Coutinho ("O Fio da Memória"), roteirista José Louzeiro, documentarista Sílvio Tendler, pesquisadora Sílvia Oroz (sobre o dramalhão mexicano0, Libertad Lamarque (focando sua presença no cinema argentino e mexicano), cinema paraguaio (através de Hugo Gamarra, diretor da Cinemateca de Assunção), entre outros, cujas cópias estão sendo generosamente cedidas aos interessados. (**) Apresentado na Sexta-Feira da Paixão, no ano passado, no auditório do Palácio Avenida, o espetáculo foi documentado em vídeo, que, montado pela videasta Valéria Burgos e com roteiro de Valêncio, se constitui num brinde do grupo Bamerindus, através da agência Umuarama, que embora pronto há 80 dias, ainda não foi distribuído.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24/03/1992

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