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Aramis

A viagem dos operadores aos tempos da manivela

O título poderia ser "a mais emocionante das sessões". Como direito a estas lágrimas de saudades. E não foram poucos os senhores reunidos na manhã de quarta-feira, 7, que tiveram olhos umedecidos e sentiram um nó na garganta. Também não era para menos! Durante 130 minutos, viam na tela imagens de um pouco daquilo que viveram, sentiram e (mais) amaram: o cinema. A mágica usina de sonhos iluminados que, numa aldeia no interior da Sicília ou na Curitiba dos anos 30, como em qualquer outra cidade do mundo, tinha o mesmo encanto e fascínio. Daí a sua universalidade. E dentre todos os velhos operadores reunidos para uma sessão especial de "Cinema Paradiso" (agora em exibição no Cinema I, sessões às 14, 16;15, 19:45 e 22 horas), um merecendo a especial homenagem: Paquito Morilha, 87 anos, 75 de cinematografia - o mais velho dos homens do cinema no Paraná e, sem dúvida, um dos pioneiros no Brasil. A Emoção de Paquito - Ao lado de suas duas filhas, Sras. Norma e [Héa?], e de um de seus 6 netos, Athos, Paquito Morilha foi o último a deixar o Cine Bristol, após a sessão especial em sua homenagem. Não só pelo pedido dos fotógrafos e do videomaker Tiomkim (Osval Siqueira Dias Filho), em colher as imagens de sua emoção após ver o filme de Giuseppe Tornatore, mas porque ele mesmo sentia ser necessário parar e voltar a realidade. Sem freqüentar uma sala de exibição há quase 30 anos - embora não chegue a precisar, acha que desde o fechamento do Cine Curitiba, na Rua Voluntários da Pátria - e do qual era um dos sócios, o seu irmão Antônio [?] Morilha - Paquito nunca mais havia ido a um cinema especialmente para ver um filme. Nestas quase três décadas que separam o fechamento do mais simpático "poeira" que a nossa cidade teve (e que foi demolido para dar lugar ao edifício Maison Blanche, incorporado por Nelson Galvão) - Paquito Morilha, mesmo mantendo seus vínculos com a cinematografia, desinteressou-se em assistir filmes. Sua filha, dona Norma Morilha Pedroso, 60 anos, comenta: - "Foi um golpe muito duro para papai e o titio Antônio, falecido há dois anos, o fechamento do Cine Curitiba, no qual eles passaram tantos anos. Por isto é que ele nunca se interessou em freqüentar as salas de exibição". Mas na manhã de quarta-feira, o estimado Paquito Morilha foi ao Cine Bristol, levado por um de seus melhores amigos, o também veterano homem da cinematografia, Zito Alves Cavalcanti, para uma sessão na qual o público seria aqueles homens que, ao longo dos anos, foram sempre os que ficaram cuidando das máquinas de projeção: os operadores. Assim, ali estavam Jorge Souza, 61 anos, 46 de cinematografia, que desde [...?] cinema, onde, seu irmão mais moço, Erasmo, 54 anos, aos 8 anos já o auxiliava na projeção: - "Como o Totó do filme "Cinema Paradiso", Erasmo também tinha que subir num banquinho para alcançar a máquina" - relembra Jorge, que continua em atividade, explorando o Cine Morgenau (terminal da Praça Rui Barbosa) e presidindo o Cineclube Aníbal Requião, que fundou especialmente para que velhos "cinemeros" como eu e tantos que aprenderam a amar esta arte possam assistir os filmes que não mais chegam aos circuitos". O cirurgião-dentista Harry Luhn, 59 anos, lembrava seus tempos de garoto, "quando ia à cabine do antigo Cine Luz, na Praça Zacarias, fascinado para entender como é que as imagens chegavam à tela". Uma paixão que Harry conservou por toda a vida e o levou a restaurar um paleolítico projetor em 35mm e montar em sua casa uma central de cinema que o permitiu se tornar o único especialista em fazer gravações e transcrições de filmes num 8mm, super-8 e 35mm para vídeo, num trabalho profissional dos mais competentes. Zanoni Gomes, 47 anos, trabalhando em cinema desde os 14 anos, era outro espectador emocionado. Além de ter sido um fac-totum nas várias empresas em que trabalhou, foi, muitas vezes, o encarregado do importante serviço de fazer a "baldeação" - ou seja, conduzir parte dos filme quando uma única cópia está em projeção em mais de um cinema numa mesma cidade. - "Aquilo que é mostrado num certo momento do "Cinema Paradiso", quando o sucesso do filme "Catende" - que no Brasil se chamou "A Mulher Tentação", o faz ser exibido em duas salas de aldeias vizinhas, eu vi acontecer em Curitiba, com filmes que tinham uma única cópia e que eram projetados simultaneamente no Cine Santa Maria e no Cine Santa Maria [?]. Na Semana Santa, com "Paixão de Cristo" era comum acontecer isto. Armando Kolber, 60 anos, que durante os anos 50 foi sócio do Cine Mercês, em imóvel de ordem religiosa, recordava que a censura que o padre Adelfio traz nas cenas de beijo da programação do "Cinema Paradiso" repetia-se, com maior ou menor intensidade, em todas as salas de projeção em que havia controle religioso. - "O Frei Salvador - que Deus o tenha, pois já morreu - que era meu sócio no Cine Mercês, sempre exigia que quando fossem exibidas seqüências de sexo ou mesmo beijos mais demorados eu deveria colocar a mão defronte o projeto. E eu obedecia, pois senão ele ficava furioso. Mas o que o público reclamava...". O filho mais novo do Sr. Kolber, Edson - também operador cinematográfico há anos, já viveu tempos mais liberais, assim como Valdemiro Pereira da Silva e João Maria Silva, dois dos operadores ainda em atividade, que aproveitaram a folga da manhã para assistirem ao filme que enaltece esta profissão tão dura - com trabalho insalubre, horários rigorosos e salários baixos. Dos operadores reunidos na sessão especial de "Cinema Paradiso", muitos foram verdadeiros fac-totum da cinematografia - a começar pelo próprio Paquito Morilha (ver entrevista nesta mesma edição). Leo Teixeira de Oliveira, 66 anos, 33 de cinematografia, passou por várias empresas - entre exibidoras e distribuidoras. Até Levi Possato, 54 anos, 40 de cinematografia - hoje supervisor regional da Vitória Cinematográfica, foi operador: - "Ainda em Castro, em cabine de 16mm, quando não havia chegado a máquina de 35mm". Zito Alves Cavalcanti, que por quase 40 anos trabalhou na organização Z. Oliva e foi gerente do Cine Lido desde sua inauguração, em julho de 1959, com "Paz e Guerra", de Henry King, também tem seu passado de operador. Experiência que hoje o faz o principal assessor técnico e de manutenção de todas as cabines de exibição de Curitiba, além de já ter instalado mais de 100 cinemas no Paraná através de sua Paranacine. Calejado por milhares de horas de projeções, com uma memória fantástica e bom gosto cinematográfico que o faz ser rigoroso em suas apreciações, Zito já assistiu por 5 vezes ao "Cinema Paradiso", que vem recomendando a todos os seus amigos. E na sessão de quarta-feira, comentando o fato de que a primeira versão de "Cinema Paradiso" chegou a circular com 155 minutos - depois reduzida pelo próprio diretor Tornatore em 23 minutos - lembrou de que, assim como o personagem central, o operador Alfredo, guardou as cenas cortadas para deixá-las como herança ao seu amigo Totó, o mesmo poderia ser feito em relação a este filme. - "Cinema Paradiso" é tão perfeito e emocionante, que seria um presente aos cinéfilos se um dia Tornatore liberasse os 22[?] minutos que agora não estão sendo vistos. LEGENDA FOTO 1 - Phillipe Noiret (Alfredo) e Salvatore Cascio (Totó) em "Cinema Paradiso". LEGENDA FOTO 2 - [...?]
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
5
11/03/1990

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