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Aramis

A Volta dos Filhos Prodígios

Em termos artísticos e de organização, o Rio-Monterrey Jazz Festival foi inferior aos dois festivais que o mesmo grupo organizou em São Paulo (agosto-78/abril-80). Houve rock, pop e muito barulho, mas para compensar alguns poucos momentos do bom e tradicional jazz. Mas também houve a presença magnífica de Victor Assis Brasil, saxofonista, destaque maior dos All Star's, na noite de sábado e a reaparição de três brasileiros que fizeram carreira no Exterior: o catarinense (quase curitibano) Airto Guimorvan Moreira, o pernanbucano Naná Vasconcelos e o Paulista Guilherme Franco. Apresentando-se com o tecladista George Duke, Egberto Gismonti e pianista McCody Tyner, respectivamente, mostraram a pujança desta arte tão brasileira e que hoje o mundo todo conhece: a percussão. Junto com Airto, outro músico brasileiro e com raízes curitibanas: Raulzinho, trombonista de vara e que durante muitos anos tocou na Banda da antiga EOEIG, orquestra de Osval Siqueira e, nos fins das frias noites curitibanas, fazia jazz na Praça Osório, aplaudido por alguns poucos entusiastas. LEGENDA FOTO 1 - Airto Moreira. Xxx SE fosse possível sintetizar os aspectos positivos do Rio Monterrey Jazz Festival, (Maracanãzinho, 14 a 17 de agosto), uma das fórmulas seria dizer que valeu pela volta dos filhos prodígios e não pródigos, que tiveram que abandonar o Brasil para, a custa de muito esforço pessoal, se firmarem internacionalmente, e agora, consagrados na Europa ou Estados Unidos, dar a volta por cima. Três percussionistas o catarinense Airto Guimorvan Moreira, o pernambucano Nana Vasconcelos e o paulista Guilherme Franco - foram destaques neste festival, indiscutivelmente inferior aos dois outros realizados em São Paulo (agosto/78, abril/80), embora organizados pelos mesmos responsáveis. Junto aos três percussionistas, a presença também vibrante de Raulzinho, trombonista de vara, e que a exemplo de Airto, tem profundas ligações com Curitiba, onde morou por muitos anos, integrando a banda da antiga EOEIG - e aqui está vivendo sua ex-esposa e três de seus filhos. Airto tem pais e uma irmã morando no bairro do Boqueirão. Razão para que ambos passem agora alguns dias entre nós, longe dos instrumentos musicais, mas revendo os muitos amigos que aqui tem xxx O MARKETING DO FESTIVAL - Na sexta-feira, em entrevista ao "Jornal do Brasil", tanto Roberto Murlahert como Walter Longo, responsáveis diretos pelo Rio Monterrey Jazz Festival, se declaravam como "homens de Marketing". Ex-diretor da revista "Visão", jornalista de larga quilometragem, engenheiro civil, Murlahert, 44 anos, associou-se a Walter Longo, 29 anos, para, juntos a Zuza Homem de Mello, crítico de jazz e MPB d'"O ESTADO de São Paulo" e produtor de um programa de grande audiência na Jovem Pan, organizarem, há 2 anos, o I Festival Internacional de Jazz. Com apoio total da Secretaria da Cultura e Fundação Padre Anchieta/TV Educativa (na época. Max Feiffer era o secretário, e ele é um entusiasta de jazz), o I Festival se prolongou por 5 dias, com um programa amplo, incluindo concertos paralelos, palestras, exibição de filmes etc. O II Festival, realizado há quatro meses, já foi mais sintético - apenas 3 noites, sem eventos paralelos. Apesar disto, as boas instalações do Anhembi e uma programação eclética, valeram elogios à programação. Agora, tendo que trocar o Rio Centro pelo Maracanãzinho, improvisar soluções de acústica e fazer de modestos vestiários os camarins para os artistas, o Rio Monterrey Jazz Festival não poderia, mesmo, se comparar ao de São Paulo. No amplo noticiário que a imprensa nacional dedicou ao festival, não faltaram críticas a organização do festival, que não ofereceu condições mínimas de trabalho aos jornalistas, sofreu substituições artísticas de última hora e teve um programa bastante discutível. Mas, apesar disto, mais de 50 mil pessoas, especialmente jovens, compareceram nos seis espetáculos, onde se ouviu desde o estilo consagrado de McCoy Tynner, ex-pianista de Coltrane, até a batucada da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel. No I Festival, em 1978, o encerramento foi com a banda de frevo de Zé Menezes, de Recife; em abril último, o Trio Elétrico fez o carnaval se prolongar até o amanhecer e, no Rio, a ala da bateria da Padre Miguel, com as fantasias que saíram no último Carnaval, entraram no palco do Maracanãzinho, fazendo uma batucada vibrante, na madrugada de segunda-feira, após Zezé Motta (que substituiu, na última hora, Jorge Bem, como mestre-de-cerimônias) ter tentado fazer o público cantar "Cidade Maravilhosa", sem sucesso. O marketing - no que Murlahert e Longo são especialistas - justificou nos festivais anteriores a junção de nomes de grande apelo junto ao público jovem (mesmo que não sejam basicamente jazzistas) ao lado de músicos consagrados. Assim, em abril último, para compensar a "reggae" de PeterTosh (ou "toshico", como dizem alguns), houve as presenças das esplêndidas Betty Carter e Mary Lou Willians, veteranas damas do jazz, ainda inéditas em discos no Brasil ou do gigante saxofonista Dexter Gordon. No final, entre mortos e feridos, jazzisticamente, os resultados do festival paulista foram positivos. Do Rio, é necessário boa vontade para apontar o que de melhor sobrou: afora o retorno dos percussionistas Airto, Nana e Guilherme, o Rio-Monterrey All Stars (com o justo destaque a Victor Assis Brasil, o mais dedicado jazzman no Brasil), o McCoy Tynner sexteto, o cantor Al Jarreau - afora a sempre iluminada presença de Egberto Gismonti, Hermeto Paschoal, a grande estrela nacional em São Paulo, desta vez foi uma voluntária frustração... xxx O SOM E A FÚRIA - Hermeto Paschoal, 45 anos, multiinstrumentista (teclados, flauta, percussào), que com seus longos cabelos brancos, albino, é uma figura mágica (ou bruxelenta) nos festivais jazzísticos, acabou sendo a principal notícia do festival, merecendo inclusive cobertura via televisão (o festival não teve transmissão ao vivo, sendo seus direitos negociados à Globo e Rádio Manchete para transmissões posteriores). Na sexta-feira, quando se imaginava que Hermeto, no encerramento da noite iria repetir o que já fizera, em 1978/80, em Sào Paulo colocar fogo no público, entusiasmar outros músicos para ele se unirem numa "forró session", capaz de atravessar a noite (em abril último, no Anhembi, Hermeto manteve o público até às 5 horas da manhã), aconteceu o contrário. Hermeto falou muito, experimentou vários instrumentos e fez alguns trocadilhos. Depois reclamou do barulho. Deu um aviso prévio. Começou a fazer um belíssimo solo de flauta, com o tema que apresentou em Montreaux (gravado no lp da WEA, nas lojas), mas parou ao ouvir o barulho entre o público que se acotovelava a sua frente. E, irritado, saiu do palco, sob vaias. Tumultos, confusão. Voltou minutos depois, mas recebido com vaias, jogou a flauta no chão e se foi. Mais tarde, nos bastidores, disse que gostaria de "tocar para a imprensa". A noite mais longa do festival acabou mais cedo. As opiniões dividiram-se. Armando Aflalo, do "Jornal da Tarde", um dos mais respeitados críticos de jazz da América do Sul, apoiou a atitude de Hermeto: "Ele já tocou em muitos festivais, sem problemas. Se tomou esta atitude, neste desorganizado festival, não foi sem razão. Exigiu e merecia respeito, silêncio". Já Luiz Carlos Antunes, da Rádio Fluminense e "Trivador, crítico ferino deste festival e que se irrita com a presença de correntes vanguardistas, condenou a atitude de Hermeto: - O que ele pretendia? Um silêncio de catedral? Afinal, quando assinou o contrato, sabia das condições em que iria se apresentar. Xxx O JAZZ E O RUÍDO - O Rio Monterrey Jazz Festival a aproximação com o festival que há 23 anos é organizado na Califórnia, visou trazer a esta promoção uma identificação com aquela importante mostra musical (como o de São Paulo está ligado ao de Montreaux, Suíça) - foi aberto na quinta-feira, com a Rio Jazz Orchestra. Um excelente big-band, formada por músicos - entre profissionais e amadores, dos mais competentes, e que teve em Leny Andrade, a melhor cantora de jazz do Brasil, uma convidada especial, cantando sua música-prefixo, "Estamos Ai" (Durval Ferreira/Maurício Einhorn/Regina Wernwck) e "Flor de Liz" (Djavan). A apresentação da Rio Jazz Orchestra só não se completou porque, de forma estúpida, a apresentadora Zezé Motta impediu que tocassem as duas últimas músicas. O que fez os integrantes da orquestra saírem furiosos do palco, alguns até chorando. Em seguida, houve a apresentação de Baby Consuelo, em trajes sumários um biquini azul, bastante generoso interpretando um repertório dos mais variados, chegando até a "Eu e a Brisa"(Johnny Alf), ao contraponto da guitarra estridente de seu marido. Pepeu. Da platéia, quem mais aplaudia era André Midani, presidente da WEA no Brasil, e que vê Baby como a nova garota-de-ouro de sua constelação. O Weather Reporter, com um som ensurdecedor, amplificado em toneladas de equipamento, apresentaria entretanto momentos de boa criação, especialmente do baixista Joe Pastorius, tecladista Joe Zawinul e do saxofonista Wayne Shorter. Na primeira noite, uma agradável surpresa: John McLaughlin, abandonando a guitarra elétrica, em duo com o francês Christian Escoud (até agora um desconhecido no Brasil), mostrou seu virtuosismo no violão acústico. Se o Weather Reporter mereceu atenção tanto do público jovem como dos jazzistas mais rigorosos (que não negaram méritos ao grupo), Paul Metheny e grupo e o argentino Charly Garcia e seu Seru Giran foram decepções totais. No sábado, à noite, houve dois momentos especiais: a tarde, o sexteto do pianista McCoy Tynner, com Joe Ford (saxes alto e soprano), John Blake (violino), Avery Sharpe (baixo), George Johnson (bateria) e o brasileiro Guilherme Franco (percussão) apresentaram um belo trabalho, que se repetiria com outro programa, no domingo à noite. E no sábado, para alegria dos críticos mais conservadores, como Luis Carlos Antunes, o Monterrey All Stars ultrapassou as espectativas, como disse o crítico José Domingos Raffaelli, Clarck Terry (fluegelhorn), Slid Hampton (trombone), Victor Assis Brasil e Richie Cole (sax alto), Jeff Gardner (piano). Paulo Russo (baixo) e Cláudio Caribé (bateria) mostraram um jazz excelente, começando por "S traight No Chaser" e encerrando com "The Theme", que deu lugar a todos para solos. Sem bairrismo, Victor Assis Brasil foi o grande destaque da apresentação. Xxx A VOLTA DE AIRTO- Aos 38 anos, há 12 fora do Brasil, Airto Guimorvan Moreira, catarinense de Itaiópolis, infância vivida em Ponta Grossa e juventude em Curitiba, relutava muito em voltar ao Brasil, em termos profissionais. Em 1978, recusou a proposta para atuar no I Festival Internacional de Jazz, em São Paulo. Mas agora necessitando chegar ao Brasil para visitar seus pais que moram no bairro do Boqueirão, e estão enfermos, Airto considerou a proposta. Além do mais, viria tocar junto com alguns grandes amigos: o tecladista George Duke (que esteve em São Paulo, em 78, e, entusiasmado pelo Brasil, no ano passado, fez o lp "Brazilian Love Affair", CBS), o baixista Stanley Clark e otrombonista Raulzinho (que também esteve em São Paulo, em 78, junto com Franco Rossolino, trombonista que no final daquele ano se suicidaria, após ter matado um filho e ferido outro). Airto e Raulzinho chegaram na quinta-feira e se apresentaram no domingo, a tarde e a noite. Na primeira apresentação, problemas técnicos impediram que Raulzinho, hoje um dos melhores trombonistas de vara do mundo, pudesse fazer os solos que pretendia. Mas Airto, após os primeiros 20 minutos, em que Duke e Clarke brilharam, desceu do stand onde estava sua parafernália de percussão e fez uma esplêndida demonstração de criatividade sonora. A exemplo de Hermeto (seu grande amigo e ex-colega do Quarteto Novo), Airto usa sons guturais, quase scats terroríficos, como efeitos para algumas músicas (apesar de ter uma bela voz, como revelava ainda criança, cantando em programas infantis). Com "Misturada", uma de suas composições já gravadas, em um improviso, Airto viu o público aplaudi-lo em pé, por mais de 2 minutos. Uma consagração a um músico que saiu anônimo do Brasil, em 1968, com US$ 50 dólares emprestados por Chico Buarque e passagem comprada por Lennie Dalle. Foi para a América, encontrar sua esposa Flora Purim e lá ficou. Hoje, independente financeiramente, há 7 anos em primeiro lugar na categoria "percussão" da "Down Beat", Airto é, assim como Nana (Juvenal) Vasconcelos, um dos instrumentistas mais respeitados internacionalmente. E assim como Nana, na noite de s''abado, junto com seu amigo Egberto Gismonti (com quem fez o premiadíssimo lp "Dança das Cabeças", ECM/Odeon, 1977), teve um momento de glória, após 7 anos fora do Brasil, Airto também brilhou no domingo. O que me fez lembrar aquilo que, em 1977, ele dizia numa entrevista muito informal: - Eu só voltarei ao Brasil para tocar num estádio, onde milhares de pessoas possam estar presentes. Foi o que aconteceu. E isso, ao menos, já valeu pelo Rio Monterrey Jazz Festival. LEGENDA FOTO 1 - Victor Assis Brasil. LEGENDA FGOTO 2 - Stanley Clark LEGENDA FOTO 3 - Raul de Souza. LEGENDA FOTO 4 - Slide Hampton. LEGENDA FOTO 5 - Hermeto Pascoal. LEGENDA FOTO 6 - Egberto Gismonti. LEGENDA FOTO 7 - Al Jarreau. LEGENDA FOTO 8 - Raulzinho LEGENDA FOTO 9 - Naná Vasconcelos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
10
21/08/1980

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