Clima de tristeza pela morte de nosso cinema
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de setembro de 1988
Salvador - No sábado, terceiro dia da XVII Jornada Internacional de Cinema da Bahia, o dia começou triste: a notícia da morte de Joaquim Pedro de Andrade, morto na madrugada, no Rio de Janeiro, aos 56 anos, vítima de câncer. Realizador de filmes importantíssimos a partir de "Couro de Gato", que foi o curta base de "Cinco Vezes Favela" (1961) a "Macunaíma", baseado em Mário de Andrade - sua obra mais conhecida - Joaquim Pedro de Andrade trabalhava há 3 anos na pré-produção de "Casa Grande e Senzala", da obra de Gilberto Freyre. Por ocasião do último FestRio, chegou a montar um estande, detalhando este superprojeto, na base de US$ 3 milhões. A morte de Joaquim Pedro como a de Leon Hirszman, por coincidência, há um ano (16 de setembro de 1987) trouxe consternação entre os cineastas aqui presentes, já amargurados com a crise do cinema brasileiro. O novo ministro da cultura, José Aparecido, ainda não assumiu, e em conseqüência a interinidade é sinônimo de marasmo e indefinições em qualquer projeto junto à Embrafilme (cujo o presidente interino é o desconhecido Moacir de Oliveira) e na Fundação Brasileira de Cinema, cujo presidente Afonso Beato, aceitou [recebeu] na semana passada o convite para fotografar um filme nos Estados Unidos e preocupado em manter seu conceito de mestre de câmera, aceitou a proposta. Licencia-se agora, e interinamente, será substituído por Homero de Carvalho, gaúcho mas de ligações curitibanas, que trabalhou na Fundação Teatro Guaíra, no Museu da Imagem e do Som e, há 2 anos no Rio de Janeiro, assessorou a Embrafilme na administração (infeliz) de Fernando Ghignone, e acabou ficando como um dos diretores da Fundação Brasileira de Cinema.
Agora, Homero de Carvalho responderá interinamente pela presidência da Fundação do Cinema Brasileiro. Homero esteve na abertura da Jornada mas voltou ao Rio. Aqui estão três jovens assessores da FCC, integrando-se a um ambiente de realizadores cinematográficos que enfrentam as maiores dificuldades - portanto não poupam críticas ao desmonte da Embrafilme, praticamente feito já na infeliz administração anterior.
Renato Newtman, curtametragista (entre bons filmes, tem um sobre Vinícius de Moraes) não poupa críticas à burocracia dos órgãos federais e vê com maior pessimismo o futuro. Atualmente há um único longa-metragem de qualidade em [produção] - "Kuarup", que baseado no romance de Antonio Callado, Ruy Guerra está rodando no Parque do Xingu. João Batista de Andrade, cinesta do maior respeito, líder da categoria, que depois de "O País dos Tenentes", trabalha na pré-produção de "Vlado", é cético:
- Houve anos em que a produção chegou a 110 filmes. Este ano, talvez nem dez sejam realizados.
Vladimir Carvalho, professor da Universidade de Brasília, realizador de documentários notáveis sobre José Américo de Almeida, "O Homem de Areia", e [sobre o] senador Teotônio Vilela, "O Evangelho Segundo Teotônio", além de "O País de São Saruê", e que há 14 anos documenta Brasília para o longa "Conterrâneos Velhos de Guerra" (tem 30 horas filmadas, que começa agora a montar). Comenta, com amarga ironia:
- Os membros da Academia Brasileira de Letras morrem aos 80, 90 anos. Os cinestas nem chegam aos 50 - veja o caso de Olney São Paulo, morto aos 41 anos.
Cosme Alves, também com amargo humor, acrescenta:
- É. No Brasil, fazer cinema é profissão de alto risco.
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