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Aramis

Adriana, estrela do Sul no universo brasileiro

Nasceu uma nova estrela: Adriana Calcanhoto. Estarão desatentos os que a colocarem como revelação-90, embora só há três semanas o seu primeiro elepê esteja nas lojas. Na verdade, no ano passado, sua voz já se fez ouvir em várias gravações, em participações especiais, enquanto sua imagem de loira "Blade Runner" enfeitou programas de televisão, inclusive um especial na Manchete. Já viajou ao Exterior - foi elogiadíssima em Montreaux - tornou-se notícia das mais influentes revistas e colunas e desde que sua fada madrinha, a atriz Maria Lúcia Dahl a ouviu numa churrascaria em Porto Alegre, há três anos, e sob sua proteção a levou para o Rio de Janeiro, os elogios somente têm se repetido para mais esta gauchinha bem-querer de nossa nova MPB. Como a carioca Marisa Monte, não teve pressa em fazer o elepê. Só que ao contrário da sofisticada Marisa - filha de família rica, viagens internacionais desde a infância, ultra-informação e a proteção do Ziegfield Nelson Motta - Adriana Calcanhoto é bem mais simples a partir do próprio nome real - que conservou. Sem ser linda, é engraçadinha. Sem pretender imagem de sexy, é tesuda. E sobretudo, é talentosa. Como Marisa - com quem se farão comparações (dispensáveis) - ela traça sonoramente o que vier: MPB tradicional, rock, standards internacionais. Mas à sua maneira. Já na primeira temporada no People, uma espécie de templo musical que é um abre-te-sézamo a novos talentos, elogios não lhe faltaram. Agora, só tendem a crescer, ouvindo-a na calma das dez faixas deste seu elepê (CBS, abril/90), no qual viaja em vários caminhos - sempre com talento. O midas fonográfico Mazzola, com suas experiências de "sucessmaker", teve um (excelente) material para trabalhar: a incrível vocalidade de Adriana, capaz de scats jazzísticos dignos de uma Elis Regina - e, como diz o gaúcho Luiz Fernando Veríssimo no encarte, "durante muito tempo toda a cantora gaúcha que vencer no Norte será comparada a Elis Regina e esse é um doce sinal da qual a Adriana não escapou". Só que Adriana embora até cite (e homenageie) explicitamente Elis em "Mortaes", uma de suas duas composições que colocou no álbum, tem a sua própria voltagem criativa. Adriana vem de um estado rico em talentos vocais, embora quando se fale em termos nacionais só ocorra o de Elis Regina, cuja morte, há 8 anos (exatamente 19/01/82, aos 43 anos) ainda não foi absorvida, talvez justamente pela ausência de outra(s) intérprete(s) de tanta sensibilidade (e de maticidade) como a Pimentinha. Entretanto, para quem tem ouvidos abertos e procura acompanhar a nova música gaúcha sabe que há cantoras jovens, algumas também compositoras, que saindo dos caminhos nativistas ou mesmo da noite de Porto Alegre, mostram um talento imenso: a jazzística Flora Almeida (cujo LP independente "Acordei Bemol / Estava Tudo Sustenido", mereceria, como aqui já escrevemos, ser lançado nacionalmente), Maria Rita Stumpf ("Brasileira", dividido com Luiz Eça, Uakti e Ricardo Bordini, selo Acorde, que comentamos na semana passada) e, ainda sem elepês, mas com participações espalhadas em vários discos coletivos (especialmente de festivais), Marlene Pastro, Lomma, Fátima Gimenez, Maria Luiza Banitez, Angela Jobim (prima de Tom), Oristela Alves e Denise Raiton - esta conhecida pelos que acompanham o Fercapo, em Cascavel, onde já faturou vários prêmios como compositores e intérpretes. Evidentemente que Adriana Calcanhoto teve algo mais do que a sorte de cair na simpatia de quem pode catipultar uma carreira - ventura que tantas outras cantoras, sejam gaúchas, paranaenses (Gisele, Selma de Castro, etc.) ou de outros estados sonham que aconteça. Adriana acompanhando-se ao violão, explorando os recursos vocais e como diz Veríssimo (também um conhecedor de música, é saxofonista, conhecedor profundo de jazz), quando sobe num palco, sabe dosar o drama, o humor e a emoção, "como se envolver e manter a distância crítica ao mesmo tempo". Se estas virtudes entusiasmam ao vivo, no disco que tão carinhosamente Mazolla produziu, foi possível passar ao menos um pouco deste clima. Inteligentemente, dispensando parafernálias eletrônicas - e recorrendo aos melhores instrumentistas - Adriana consegue fazer releituras de músicas extremamente desgastadas, mas que soam de uma forma nova, moderna e com um "new feeling" nas concepções apresentadas. Exemplo disto é "Caminhoneiro" (John Hartford / Roberto / Erasmo Carlos), no qual a partir de uma concepção, arranjo e acompanhamento de Raphael Rabello ao violão faz a melhor interpretação deste antigo sucesso, somente tendo a percussão de Mingo e, no final, um efeito do técnico Foguete. A mesma criatividade observa-se em outras regravações - como "Orgulho de um Sambista" (Gilson de Souza), no qual há o casamento do violão de Celso Fonseca, teclados de Jorjão e sax de Nivaldo Ornellas, à secção rítmica com um resultado excelente. Já "Nunca", de Lupicinio Rodrigues, ganhou uma leitura em blues, no qual as cordas complementam um clima belíssimo. Para "Disseram que Eu Voltei Americanizado" que Luiz Peixoto (1889-1973) e Vicente Paiva (1908-1964) compuseram em 1940, especialmente para Carmen Miranda (1909-1955) responder musicalmente aos que a acusavam de ter "americanizado" seu estilo, ganha agora uma concepção de Adriana, lenta, com arranjo e piano de Wagner Tiso e um discreto pandeiro de Paulinho da Aba. Se em cada reinterpretação de um sucesso do passado, Adriana mostrou imaginação, sua dose de inventividade transparece ainda mais nas novas músicas: "Mortaes" e "Enguiço", de sua autoria; na minimalista "Naquela Estação", no bem humoradíssimo rock de Eduardo Dusek "Injuriado" (gravado ao vivo, no People) ou nas incríveis "Naquela Estação" (João Donato / Caetano / Ronaldo Bastos) e "Sonífera Ilha" (Branco Mello / Marcelo Fromer / Toni Belloto / C. Basnarko). Entretanto, é em "Pão Doce", de Carlos Sandroni - novamente com o violão e arranjo de Raphael e a participação de Renatinho Borghetti na gaita ponto, que Adriana coloca todo seu charme e encantamento, numa letra deliciosamente irônica. É importante ouvir Adriana atento e sem qualquer preconceito. Uma cantora-performer que chega ao seu primeiro elepê amadurecida por um aprendizado de uma integração a MPB sem preconceitos - de gêneros ou espaços - de churrascarias a teatros, é uma confirmação melhor dos elogios e prognósticos dos que apostavam em seu talento.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
24
29/04/1990

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