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Afinal, a percussão ganhou seu destaque

Graças ao dinamismo de Maria Amélia, nova presidente, a Pró-Música, reiniciou suas atividades em julho com o pé-direito em termos de bons espetáculos: o concerto "Carmina Burano", para dois pianos, da obra de Carl Orff, com a participação do Grupo de Percussão do Instituto de Artes do Planalto, formado por 6 percussionistas e do Coral da Cidade de São Paulo - sob a regência de John Boudler. Percussionista americano doutorado pelo American Conservatory of Music, em Chicago, e que chegou ao Brasil há nove anos, para integrar a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo como timpatinista e para dirigir o curso de percussão do Instituto de Artes do Planalto, John Boudler começa a ser reconhecido nacionalmente com um trabalho diferente e, mesmo, visto com restrições por alguns círculos. Quem imaginaria que um grupo de percussão poderia vencer o respeitado II Prêmio Eldorado de Música, promoção da Rádio Eldorado / O Estado de São Paulo, no ano passado? Como, lucidamente, registrou a jornalista Laura Greenhalg, não há notícia de outro conjunto nestes moldes que tenha vencido instrumentos tão mais consagrados como o piano e o violino, só para citar dois exemplos - um concurso de música de alto nível. Mas o grupo venceu a competição, depois de uma apresentação exemplar no Teatro Cultura Artística, na noite de primeiro de dezembro de 1986. E esta vitória, ainda lembrando as palavras de Laura Greenhalg, possui pelo menos três dimensões: 1. "Ajuda a dissolver o preconceito existente em torno de uma numerosa família de instrumentos (quase duas centenas), alguns deles bastante antigos e quase todos ainda subtilizados por muitos compositores contemporâneos"; 2. "Divulga uma literatura musical estreita mas significativa, e que hoje vive uma expansão animadora"; 3. "Mostra a eficácia de uma experiência pedagógica". xxx Quem desejar conhecer, em disco, o trabalho pioneiro do Grupo de Percussão do Instituto de Artes do Planalto - UNESP, tem a oportunidade através de um belo disco lançado há pouco pelo Estúdio Eldorado. Formado por 11 instrumentistas, o Grupo de Percussão foi criado há dez anos como meio de aperfeiçoamento acadêmico artístico dos alunos de John Boudler. Nestes dez anos o grupo evoluiu profissionalmente, chegando agora a um estágio dos mais importantes para a divulgação de uma nova música - da qual muito se fala, mas pouco se ouve. Já em sua primeira apresentação pública, em setembro de 1979, o grupo era nome maior da música de vanguarda, mas com raríssimas gravações entre nós (e mesmo em registros importantes, difícil de ser conhecido). Desde 1980, o grupo de percussão tem apresentado dezenas de concertos divulgando novas propostas musicais e acabando, no ano passado, por vencer o Prêmio Eldorado - o mais importante evento competitivo da música erudita no Brasil. Agora, com este álbum gravado no final de 1986, temos não só a oportunidade de conhecer melhor o trabalho de PIAP, mas travar contato com um repertório especial - que vai de "ragtime" de George Hamilton Green (1893, Omaha, Nebras - 1970, Nova Iorque), com "Log Cabin Blues", mostrando a harmoniosa convivência da percussão com o jazz até a música de John Cage, através das peças "Second e Third Construction", obras escritas em 1940/41, época em que Cage iniciava uma nova fase da sua concepção composicional, caracterizada pela organização estrutural em padrões rítmicos. A segunda peça do lado A do disco é "Variações Rítmicas", para piano e percussão, escrita por Marlos Nobre (Recife, 1939), em 1963, quando estudante em Buenos Aires. Apesar de ser uma obra de juventude, ela demonstra maturidade musical em toda a sua extensão: tema, oito variações e coda e coda. Nesta peça, Marlos Nobre, ex-presidente do Instituto Nacional de Música e hoje o nome mais importante da música contemporânea brasileira, reconhecido internacionalmente, utilizou exclusivamente instrumentos tradicionais da percussão brasileira. Outra peça interessantíssima é o "Estudo para Instrumentos de Percussão", escrito por M. Camargo Guarnieri (Tietê, São Paulo, 1907), há 34 anos. Foi a primeira peça composta unicamente para instrumentos de percussão no Brasil, incorporando ritmos brasileiros típicos (somente uma década depois, nas "Variações Rítmicas" de Nobre, surgiu outra vez a utilização proeminente dos instrumentos de percussão numa composição brasileira). A última peça do disco é "Ionization", de Edgard Varese (Paris, 1883 - Nova Iorque, 1965), obra que marcou o nascimento de música para orquestra de percussão. A estréia aconteceu em Paris, a 13 de novembro de 1931, precedida por mais de 75 ensaios. A idéia básica de Varese para a organização da estrutura da obra foi a utilização de massas e blocos sonoros. A palavra "ionização" representa um processo no qual a atividade molecular está envolvida na troca de cargas positivas e negativas. xxx O vencedor do Prêmio Eldorado de Música/85, o trompista Roberto Miczuk, 20 anos, também teve seu disco editado pelo Estúdio Eldorado. Um disco histórico, revelando um jovem virtuoso de um instrumento também pouco convencional como solo: a trompa. Como disse o crítico J. Jota de Moraes, "as legendárias dificuldades desse instrumento não devem tê-lo assustado". Pois é justamente com a trompa que Miczuk "enreda-nos e nos faz participar de suas arriscadas e imaginativas aventuras sonoras, dominando-as com maestria". Aos 14 anos, Roberto Miczuk já era primeiro trompa da Sinfônica Municipal de São Paulo. Especializou-se na Julliar School of Music, em Nova Iorque, onde ganhou vários prêmios a partir de 1985. Em 1985, de volta ao Brasil, venceu o I Prêmio Eldorado de Música. Agora, seu virtuosismo pode ser apreciado num bonito elepê, produção de Paulo Herculano, com a participação da Orquestra de Câmara, regida pelos maestros Fábio Mechetti - o concerto de Hayden, em Mi Bemol Maior e Diogo Pacheco - o concerto para trompa e orquestra, em Ré Maior. Os álbuns do grupo de percussão de John Boudler e de Robert Miczuk confirmam a importância e a seriedade do Prêmio Eldorado de Música. Vamos aguardar, agora, a edição de 1987 e ver quem será o grande vencedor neste ano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
44
02/08/1987

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