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Aramis

Albino Pinheiro, um carioca 100%

Para muitos, ele não é apenas a imagem do carioca perfeito. É a própria griffe do Carnaval, da alegria, da animação e das festas populares. Sobrinho de um dos grandes compositores brasileiros - Custódio Mesquita, advogado, ator bissexto (apareceu, entre outros filmes em "Lucia McCartney" e agora será produtor-ator de um filme sobre Natal da Portela, que Paulo César Sarraceni começa a rodar nesta semana), a classificação que melhor se ajusta a Albino Pinheiro é a de "Agitador Cultural". Seu nome está identificado às melhores manifestações culturais e populares do Rio de Janeiro. Foi quem sugeriu ao seu amigo Hermínio Bello de Carvalho o aproveitamento do horário das 18h30min nos teatros para shows de MPB - do que resultou o "Seis E Meia". Reviveu as festas populares do Rio de Janeiro. Dirigiu inúmeros projetos culturais - em teatro, rádio e televisão. Solteirão dos mais viajados, aos 53 anos tem uma aparência de quarentão com força total. Elegante, culto, educadíssimo, é incapaz de uma grosseria, embora seja bom de briga - e corajoso como um malandro da Lapa. Aliás, é um pouco síntese da malandragem (no bom sentido) do Rio dos anos 30 com a (in)formação dos tempos modernos. Entre suas tantas bolações está a Banda de Ipanema, que há 22 anos abre, 15 dias antes do Carnaval, a festa maior do Brasil. General da Banda, Albino consegue organizar a festa que, admite, "não pode ser organizada". Apaixonado por música brasileira, foi eleito em março do ano passado, durante o IV Encontro de Pesquisadores da MPB, para a presidência da Associação. Sua cabeça não para, sempre com muitos projetos. Pode ser definido de muitas maneiras - mas uma delas é a de ser um dos cariocas mais estimados por todo o Brasil. Seria Vereador, Deputado ou até Prefeito do Rio de Janeiro - mas prefere apoiar seu amigo Sérgio Cabral, outro carioca perfeito (e quase prefeito), agora Secretário de Esportes do Rio de Janeiro. Em Tramandaí, Rio Grande do Sul, durante o Acorde Brasileiro - que foi transformado num V Encontro dos Pesquisadores da MPB - Albino Pinheiro falou sobre música, Carnaval, a Banda de Ipanema, e denunciou a descaracterização da maior festa do Brasil. Uma síntese deste bate-papo está aqui, para leitura neste Domingo de Carnaval. ARAMIS MILLARCH - Albino, vamos começar tocando o dedo na ferida: o comercialismo que transformou o Carnaval brasileiro, especialmente o carioca, numa indústria. Qual a tua opinião a respeito? ALBINO PINHEIRO - Na verdade, este aspecto econômico tem raízes longínquas. Há de se admitir que o Carnaval sempre teve ligações comerciais. Desde o século XIX, da época das chamadas "Grandes Sociedades", já existiam interesses comerciais muito grandes. Afinal, atrás de um grande desfile - que, também foram copiados de modelos europeus - sempre houve necessidade de uma estrutura: o pessoal que fazia os carros alegóricos, a decoração das ruas, a confecção das fantasias, etc. Enfim, sempre existiu uma relação de negócios, de mercado de trabalho... ARAMIS - Tubo bem! Mas hoje a situação é bem mais ampla. CORTE mudanças que levaram, em várias ocasiões, a se pensar na morte do Carnaval. ARAMIS - Então vamos a estes exemplos! ALBINO - Eis alguns exemplos históricos e fáceis de serem percebidos. Toda uma visão aristocrática, que participava do "Corso", ou que o assistia pelas ruas centrais, também viu, de repente esta forma se exaurir. O Corso era o desfile de carros, especialmente de conversíveis, nos quais as famílias - privilegiadas, naturalmente (pois há 40 ou 50 anos, possuir um carro era um privilégio de poucos) saíam a brincar o seu Carnaval. Cantando, jogando confetes e serpentinas, participando CORTE ALBINO - Ah! Era um crime cultural. Para a realização do Baile do Municipal o teatro era fechado por três meses. O piso para a realização do baile era feito sobre as poltronas. Um piso que naturalmente trazia problemas para a estrutura do teatro, um trabalho imenso e uma interdição ao espaço como casa de espetáculos. E após cada baile, a decoração do teatro, suas filigranas, seus objetos de arte, era destruída. Um crime contra o patrimônio. Quando o baile do Teatro Municipal acabou, todos os que viam o Carnaval como este baile, também alegaram: O Carnaval morreu... Então, tem que se entender que o vigor do Carnaval é de tal natureza que é necessário entender as suas transformações, a mudança do comportamento dos foliões, as novas formas encontradas para haver esta explosão coletiva de alegria e mesmo irresponsabilidade autorizada. ARAMIS - E quais as transformações mais importantes? ALBINO - Observando-se as mudanças nestes últimos 20 anos, conclui-se que ainda existem várias formas de fazer o Carnaval, ao menos no Rio de Janeiro. Entretanto, para o grande público, aquele que não participa diretamente, fica com a sensação de que só existe a Escola de Samba. ARAMIS- E o que significa isto? ALBINO - Significa que não há mais qualquer outro apoio - nem oficial, ou privado - a não ser para as Escolas de Samba. E assim mesmo somente as escolas do Primeiro Grupo, aquelas que representam o Carnaval absolutamente visual, o espetáculo colorido. As escolas que atingiram um estágio econômico de tal natureza, tal riqueza, que é preciso muita - mas muita mesmo - grana para fazer este Carnaval. Infelizmente, no julgamento do Carnaval - que pode não ser correto culturalmente - o que favorece é o visual. Assim, o julgamento das Escolas de Samba é feito dentro de um parâmetro que cresceu, nos últimos anos, com a predominância do visual. ARAMIS - E o que é este visual tão decantado? ALBINO - O visual é o que favorece os quesitos de julgamento que representavam a linha mais tradicional da Escola. Até a própria música, que de uma forma violenta vem sendo aviltada nos últimos anos. Em 1986 foi possível detectar isto até por quem não é especialista em samba. Há um excesso, uma preocupação excessiva, pela beleza visual do Carnaval sufocando todas as manifestações individuais de canto e dança a tal ponto que hoje a soma de interesses que existem num desfile de Escolas de Samba é exatamente proporcional no mundo capitalista, a realização da maior festa popular do mundo. Os interesses que cercam hoje o Carnaval do Rio de Janeiro - o "Carnaval" entendido como a "maior" e "única" manifestação da cidade. O que não é verdade: há inúmeras outras manifestações populares, embora sem a mesma promoção. Mas este "progresso" (e insisto no "entre aspas") desta forma de desfile é que obrigou a deturpação e a diferenciação indiscriminada dos pesos, dos valores integrantes das Escolas de Samba - especialmente o Som e o Ritmo, que estão cada vez mais prejudicados. Assim, tudo aquilo que era fundamental no Carnaval fica prejudicado porque esta visão do aspecto "Carnavalesco", ou "Pictórico", ou "Espetacular" se sobrepõe a tudo. Entretanto, a canção do Carnaval continua a ser praticada de uma forma verdadeira. Por exemplo, o fenômeno do Pagode não é novidade: sempre existiu na Escola de Samba, ou melhor, na vizinhança da Escola, durante o Ensaio. ARAMIS - Você poderia explicar isto melhor? ALBINO - Havia uma forma durante o ensaio que era de de exercitar a dança e para isto se usa(va) o chamado samba de quadra. Aos poucos, o samba de quadra foi sendo substituído nos ensaios pelo samba-de-enredo que passou a ocupar todos os espaços da Escola de Samba. Eu não discuto, aliás, o critério estético do Samba-de-enredo, só vejo como forma. Ele foi ocupando espaços e expulsando uma parte, muito grande, aliás, da ala dos compositores da Escola. Como a escolha dos sambas-de-enredo é feita com muita antecipação, a medida em que vão sendo feitas as seleções, há cortes do trabalho de outros (bons) autores, que, naturalmente, procuram também seus espaços para fazerem e mostrarem seus sambas. Até alguns anos, eles, mesmos cortados, continuavam cantando os sambas de quadras. Hoje, eles estão marginalizados das escolas e assim procuram outros espaços - surgindo então o chamado fenômeno do Pagode. ARAMIS - Então os pagodeiros são os sambistas expulsos da Escola? ALBINO - É por aí. Realmente, os compositores que foram alijados das alas de autores de samba-de-enredo fazem, aliás, o que sempre fizeram: uma forma descompromissada de samba, com grande comunicabilidade e a prova está no boom do pagode. ARAMIS - Então... ALBINO - Uma prova disto está no Fundo de Quintal, o primeiro grupo de pagode a estourar nacionalmente. Esta rapaziada de talento fazia a música dentro da Escola Cacique de Ramos. Alijados, passaram ao "Fundo de Quintal" e seguiram novos caminhos. É preciso entender que o "crescimento" das Escolas de Samba, para os "grandes" desfiles provocou o esvaziamento da cultura carnavalesca tradicional. Entrou, assim, uma nova forma de cultura, uma nova forma de fazer Carnaval. ARAMIS - Ou seja, uma forma industrializada... ALBINO - Também. Mas não se pode dizer que não é Carnaval. Mas é uma forma industrializada, embora continue Carnaval. Dá para entender! O Carnaval é um liqüidificador de momentos: recebe estímulos e formas de todos os lados. Transforma-se mas não morre. ARAMIS - E a questão da televisão, transformando-se no grande veículo de divulgação das Escolas de Samba: quais as conseqüências trazidas? ALBINO - Bem, é uma questão de vendas. A partir do movimento em que se vê quanto mais bunda de fora no vídeo, mais isto vende - em termos de audiência e patrocínio, trouxe uma grande mentira: o visual sobrepondo-se ao áudio, ao samba. É a grande mentira da televisão, da qual eu faço parte (Albino Pinheiro é um dos comentaristas da Globo nos desfiles de Carnaval), se tem o exercício do "ditador" da imagem", contra toda a tradição fundamental do desfile, que é a sua música. O sujeito que fica em casa vendo o desfile, não tem consciência do mesmo, de sua criação geral, porque quem está comandando o desfile, para a televisão, é um técnico, geralmente ignorante em termos de Carnaval, que maneja os botões e passa as imagens que ele considera mais "bonitas" e "atraentes". Assim, prefere as mulheres de bunda de fora do que um destaque importante, a uma ala historicamente marcante dentro da estrutura da Escola, de seu enredo... Nós, que transmitimos e comentamos o desfile e que, aguardamos uma figura marcante dentro da estrutura do enredo, ficamos sem poder comentar, porque esta imagem acaba não indo ao ar. ARAMIS - Então o Carnaval na televisão é um Carnaval de bundas de mulatas? ALBINO - Sim. Mas na verdade o Carnaval continua sendo um milagre. Aliás, a sua infra-estrutura será modificada a partir do Carnaval de 1987. Ele continua com as medidas tradicionais de desfile: um enredo, uma bateria, um samba-de-enredo, porta-bandeira, fantasias, mestre-sala. Estes quesitos ainda existem e são fundamentais para a Escola. São milhares de pessoas que desfilam porque querem, sem nada ganhar, gastando do próprio bolso, sair na Escola. Agora, na medida em que vai se preocupando apenas com o visual - e que não se dê atenção ao samba-de-enredo e a bateria - acabaremos tendo um belo espetáculo pictórico mas que não vai ter mais samba. E o Samba só continuará existindo de outra forma ou então nos escalões inferiores. É importante lembrar que são quatro desfiles embora a televisão só se preocupe em mostrar o do grupo A. Assim, nas escolas mais pobres é ainda possível encontrar o Carnaval mais autêntico, com gente cantando e dançando. ARAMIS - Hoje, quantas escolas desfilam no Rio de Janeiro? ALBINO - São 46 nos quatro grupos. Já blocos, registrados, chegam a mais de trezentos. ARAMIS - E as bandas? ALBINO - Ah! Banda é um negócio aleatório. Banda é caro. Banda não é para pobre. O que faz a Banda é o músico profissional que é contratado. Banda é para quem não sabe fazer samba... O cara que não tem competência para fazer música, contrata músicos... ARAMIS - Mas não foi você que criou a primeira banda? ALBINO - Sim. Mas eu não sei fazer música, porra. Eu tive que chamar gente competente para tocar. ARAMIS - Quando nasceu a Banda de Ipanema? ALBINO - Foi em 1965. ARAMIS - E a Banda de Ipanema fez escola. Só no Rio tem mais de 40... ALBINO - Teve. Teve... Dificilmente tem bandas com mais de quinze anos. Eu tive o prazer de ser o padrinho de mais de 20 bandas. Pouquíssimas conseguiram sobreviver. É que algumas pessoas se entusiasmam, numa determinada comunidade e decidem fazer uma banda. O que é um erro, já que muitas vezes existe no bairro um bloco. Existe quem faz música, quem é bom de percussão. Neste caso por que fazer uma Banda? Banda é para quem não sabe fazer samba. ARAMIS - Você se consideraria um Carnavalesco frustrado? ALBINO - Ao contrário. Se eu não tivesse a minha tradição e o meu conhecimento de Carnaval, jamais teria feito a Banda da maneira como nós fizemos. A forma da Banda surgiu, aliás, de uma visita que fiz a alguns amigos a Ubá, uma cidade do Interior de Minas Gerais e onde uma família amiga, os Carneiros, chefiavam uma Banda, completamente maluca, que saía no Carnaval. Cada um com um instrumento diferente e nenhum tocava nada. Era uma barulheira impossível de entender. Uma brincadeira. Carnavalesca. Nós adaptamos a fórmula deles, para Ipanema, com uma variante: Colocamos músicos que sabem tocar. Sempre tinha músicos suficientes e competentes para dar uma linha melódica para o povo poder cantar de verdade. Então nós somos o Abre-Alas. Saíamos na frente e o povo ia cantando no meio dos músicos. ARAMIS - Você imaginava que a Banda de Ipanema iria se transformar em instituição carioca a exemplo nacional? ALBINO - Não. Se eu soubesse disso seria advinho. Estas coisas acontecem por intuição. ARAMIS - E quem banca a Banda? ALBINO - Eu e alguns amigos. Nós nunca tivemos patrocínio. Nem pedimos, nem aceitamos. De vez em quando aparece alguma ajuda. Participação num filme publicitário. Mas o que entra é gasto. ARAMIS - E quanto custa a saída da Banda de Ipanema? ALBINO - Bem, ela sai, oficialmente, 15 dias antes do Carnaval. Depois, extra-oficialmente, sai no sábado e na terça-feira. E o custo, este ano, ficará em torno de Cz$ 400 mil. ARAMIS - E quantas pessoas saem na Banda? ALBINO - É difícil calcular. Isto porque, a 3 quarteirões de onde ela vai sair já existe uma expectativa. As famílias estão na calçada. Os vendedores ambulantes vendem cerveja. Aparecem os caras fantasiados, vestidos de travestis, brincando. A Banda passa, mas a criação do ambiente carnavalesco envolve milhares de pessoas numa área muito grande. ARAMIS - E quantas bandas restaram no Rio? ALBINO - Bem, ficaram mesmo a de Ipanema, do Leme. Em Copacabana, interessante, há três ou quatro: Sá Ferreira, Prado Júnior, Lido... Há também a Banda do Leblon. Só na Zona Sul há seis. Na Barra da Tijuca há uma sétima. Em Jacarepaguá uma outra. Campo Grande tinha uma. Não sei se sairá este ano. ARAMIS - E quem a Banda atrai? ALBINO - Bem, a Banda é uma das novas formas de fazer o Carnaval, atraindo pessoas que não vinham brincar no Carnaval. Gente da classe média que tinha um certo pudor. Descontraída. Banda não pode ser comparada a Escola de Samba porque não tem nenhum parâmetro, não tem disciplina - musical, desfile. Ela não tem nada. ARAMIS - E como você definiria uma Banda Carnavalesca? ALBINO - Banda é uma forma de desfile indisciplinado. ARAMIS - Dê uma dica para quem pretende formar uma Banda: qual o tipo de música para animar uma Banda? ALBINO - Bem, o metal é fundamental. É bom contratar músico militar, que é disciplinado, tem pulmão, força para conduzir harmonicamente a Banda. Eles tocam com partitura até sucessos tradicionais... ARAMIS - E você não tem sido convocado para orientar a criação de outras bandas, mesmo fora do Rio de Janeiro? ALBINO - Sim. E até é gozado, pois quando eles me chamam pensando que eu possa resolver até problemas de ordem burocrática, em relação a estatutos, imaginando encontrar em mim o grande administrador, surpreendem-se quando eu digo que a Banda de Ipanema nunca teve diretoria, estatuto, porra nenhuma. É uma decepção, pois eles já fizeram sua diretoria, seus estatutos... Aliás, eu tenho até que ser diplomata, para não tirar a tesão do pessoal. ARAMIS - A Banda de Ipanema é você? ALBINO - Não. É que embora desde o início tivesse sempre gente famosa participando dela, havia necessidade prática, de quem tivesse tradição no Carnaval, exigia alguém que fosse tirar licença, contratasse músico, escolhesse o repertório básico. E se tivesse porrada, briga com a polícia, com bêbados, quem iria resolver? A Banda de Ipanema a cada ano aumenta. As pessoas desfilam no meio dela, mas de repente saem, vão num bar. Outras aproximam-se. ARAMIS - Fora a Leila Diniz, quais os nomes mais famosos que já saíram pela Banda de Ipanema? ALBINO - Bem, isto foi uma orientação minha. Sempre homenagear figuras da música popular. O primeiro padrinho foi Lúcio Rangel (Nota: grande jornalista, primeiro crítico de MPB e pesquisador), a primeira madrinha foi Eneida (também carnavalesca histórica, organizadora do Baile dos Pierrôs e autora de "História do Carnaval Carioca", que a Record reeditará agora). A Leila Diniz nem chegou a ser uma madrinha: era a rainha. Madrinha era sempre ligada a MPB. Vou tentar lembrar os homenageados: Cartola, Nelson Cavaquinho, Jorge Veiga, Elizeth Cardoso, João Bosco, Marília Pêra, Beth Carvalho, Carmen Costa, Paulinho da Viola, Braguinha... ARAMIS - Você chegou a levar o seu know-how de carnavalesco para alguma outra cidade fora do Rio de Janeiro? ALBINO - Não, porque não existe know-how carnavalesco. A disposição que existe para cantar música de Carnaval é muito particular. A gente não pode criar isto. Ipanema foi um fenômeno. Ipanema era um bairro superburguês e em 1965, quando saímos pela primeira vez, éramos muito conhecidos e isto atraía gente para ver a gente, fantasiado, amalucado. ARAMIS - Era a época de ouro do "Pasquim". Eles ajudaram a dar o tom folclórico a Banda? ALBINO - Bem, o pessoal do "Pasquim" achava que era contingência ou melhor, consequência da Banda. Aquela coisa aparentemente indisciplinada - digo aparentemente porque durante a Ditadura a barra pesou. Minha roupa era de general. E a gente recebia advertência. ARAMIS - Assim, a Banda teve um sentido político? ALBINO - Sim. Muitas vezes a gente sabia que amigos estavam sendo torturados, mas a gente saía como protesto. Havia telefonemas anônimos. Eu recebia ameaças. Chegavam a dizer: a Banda não vai sair. Mas eram 2 mil pessoas na rua. E eu dizia a quem tentava impedir: não vai sair como? Ninguém assumia. Havia tiras, secretas, dedos-duros, tudo - que se misturava a Banda. E caía na folia esquecendo. Deve haver fotos de gente em tudo que é serviço de informação... ARAMIS - Você, pessoalmente, coloca muito dinheiro na Banda? ALBINO - Sim. Nunca houve caixa organizado. Aliás, o dia em que houver qualquer coisa organizada, deixa de ser a Banda. Eu sempre acabei bancando as despesas - junto com 3 ou 4 amigos, que formam uma diretoria improvisada. Mas sempre são poucos os que seguram a barra. Por exemplo, precisamos de Cz$ 80 mil para bancar chope, comida, pagamento dos músicos, etc. Para 1987, espero uma ajuda de algum patrocinador - a Brahma, por exemplo - de Cz$ 40 mil. E se tiver 10 amigos, cada um disposto a dar Cz$ 4 mil, a gente equilibra as coisas, sem ter que pedir para mais ninguém. É chato ficar pedindo e recebendo "ajudas" de Cz$ 500 ou Cz$ 1 mil cruzado. Ora, vá se f... ARAMIS - Vamos voltar aos desfiles de Carnaval. Por exemplo, até que ponto as transmissões dos desfiles do primeiro grupo influenciam os carnavais nas pequenas comunidades, levando as escolas autênticas a imitar o que se faz no Rio? Sem ter condições, é claro! ALBINO - A força da divulgação pela televisão chega a ser violenta na medida em que ela está fazendo a cabeça errada dos carnavalescos - ou pretensos carnavalescos de cidades do Brasil. Já conheci cidades pequenas, em que se não houver uma escola de samba, "ao estilo carioca", os responsáveis pela administração da comunidade cultural ficam frustrados. Então, manifestações regionais, autênticas, que tem sua própria vitalidade, em favor da cópia de uma Escola de Samba, que é uma cópia, um pastiche de que é Escola de Samba. Assim, eles inventam um samba-de-enredo, uma bateria, que não conseguem ter a melhor estrutura, ficando num espetáculo triste. Prefiro nem citar os nomes de cidades em que isto vem acontecendo, num colonialismo cultural interno. E no Sul do Brasil tem várias. Há desfiles em que o camarada fica dando pulinhos, como se estivesse pisando sobre algo que estivesse incomodando, ao invés de dançar... Isto porque há um ritmo tão maluco que é impossível defini-lo. Samba não é! Marcha também não. E o cara em cima dos pulinhos pensa que está fazendo escola de samba. E nestes desfiles há fantasias caras, carros alegóricos e até alas que se vestem de forma exuberante, mas só que isto não representa porra nenhuma para a cidade, porra nenhuma para a cultura deles - mas é algo imposto com tanta força que eles pensam estar fazendo um desfile carioca. Eles estão transformando a realidade deles naquele negócio, num equívoco total. No Rio de Janeiro mesmo, há mudanças de estilo em cada grupo. Inclusive o samba que é do grupo Um - o mais rico - difere-se das do grupo Quatro. E há mais autenticidade, mais pureza... ARAMIS - E as Grandes Sociedades, os desfiles de carros alegóricos no Rio? Os ranchos? ALBINO - Morreram e não sabem. O poder público - que tem a hora certa de entrar numa manifestação popular - não entrou na hora necessária de apoiar as grandes sociedades em seus desfiles. As sociedades representavam, com seus desfiles luxuosos, de carros, uma forma válida. LEGENDA 1 - Muita gente diz que o Carnaval morreu. Não morreu. O Carnaval se transforma. LEGENDA 2 - O Pagode surgiu porque os sambistas foram expulsos pelos Sambas-de-Enredo. LEGENDA 3 - A bunda que se vê na televisão, durante os desfiles, trouxe uma grande mentira: hoje há o ditador da imagem contra o fundamental do desfile, que é a sua música. LEGENDA 4 - Carnaval é samba e ritmo. E na medida em que o pictórico predomina, a festa é prejudicada. LEGENDA 5 - Foi em Ubá, Interior de Minas Gerais, que tive a idéia de criar a Banda de Ipanema. LEGENDA 6 - Banda é uma forma de desfile indisciplinado. LEGENDA 7 - Leila Diniz não era madrinha da Banda de Ipanema. Era a Rainha. Os primeiros homenageados, em 1965, foram Lúcio Rangel e Eneida. LEGENDA 8 - Não existe know-how carnavalesco. A disposição de cantar e dançar é muito particular. LEGENDA 9 - Durante a ditadura a barra pesou. Eu me vestia de general da Banda de Ipanema. E recebia ameaças por telefone. Mas dizia: - quem vai segurar a banda? - Havia 2 mil pessoas na rua. LEGENDA 10 - A indústria fonográfica nunca foi aliada do Carnaval. Hoje só gravam sambas-de-enredo, em elepês que vendam 1,5 milhão de cópias. LEGENDA 11 - A partir do momento em que a mulher foi à praia de biquíni o baile de Carnaval perdeu sua sensualidade.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
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01/03/1987

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