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Aramis

A "Alma" internacional do brasileiro Gismonti

Já é natural que aconteça anualmente. Assim como o álbum de Roberto Carlos satisfaz a faixa mais condicionada a um repetitivo esquema musical que parece sair de uma linha de montagem - e que este ano deve ultrapassar os 2.500.000 de cópias (afinal, a Xuxa já vendeu 2.100 mil), há também ao menos um produto para quem exige um pouco mais. E este álbum é o de Egberto Gismonti, cada vez mais um multinstrumentalista criador em processo universal sem deixar de ser um dos mais brasileiros de nossos artistas. Uma admiração que nos faz acompanhar o trabalho de Egberto Gismonti (Carmo, RJ, 5/12/1944), desde quando ele apareceu no III Fetival Internacional da Canção, da TV Globo, com a composição "O Sonho", interpretada por os Três Morais (e para a qual fez um revolucionário arranjo para a época, usando 100 integrantes), torna natural toda sua evolução nestes últimos 19 anos. Raros criadores têm uma carga de voltagem e renovação tão forte como Gismonti - e entre eles, no campo (dito) popular só me ocorrem Hermeto Paschoal e Airto Moreira, com os quais, não por simples coincidência, ele já desenvolveu alguns trabalhos. A biografia de Gismonti confunde-se hoje internacionalmente em gravações espalhadas por inúmeros países, realização de álbuns com as mais diferentes formações - desde trabalhos solo e grandes orquestras e que podem variar do Talent Studio, em Oslo - considerado um dos melhores do mundo (e onde Manfred Eicher busca gravar grande parte dos álbuns para sua sofisticada ECM) até o estúdio Porão, que com menos de 20 metros quadrados, no subsolo de um pequeno prédio de apartamentos no Jardim Botânico, Rio, viu ali nascerem discos incríveis - não apenas de Gismonti, mas de uma dezena de outros instrumentistas brasileiros, por ele lançados através do selo Carmo, que a partir de 1982 tem estimulado talentos autênticos que, de outra forma, ficariam sem gravar. INQUIETO GÊNIO Pelo seu próprio temperamento, Gismonti é um homem em constante processo de modificação. Quando se pensa que está se ouvindo o seu último trabalho na realidade já está dois discos adiante. Anos atrás, foi um dos primeiros brasileiros a explorar as possibilidades da computação sonora. No ano passado, pela primeira vez deixando de gravar apenas temas próprios, mergulhava profundamente na obra de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), antecipando-se quase dois anos ao revival que o centenário de nascimento do autor das "Bachianas Brasileiras" provoca agora. Por ocasião do lançamento do álbum em que fez a sua pessoal revisão da obra de Villa-Lobos, Egberto passou pela última vez por Curitiba. Acessível como os talentos de verdade costumam ser, o bom amigo Gismonti falou demoradamente - e sempre com humildade - de sua proposta de rever, a sua maneira, a obra do mais internacional de nossos autores - ele que, nestas duas décadas, também construiu uma carreira mundial, com 34 elepês (22 gravados no Brasil), a maioria hoje à disposição também em laser e que, há 10 anos, já tinha seu "Dança das Cabeças" distinguindo como o melhor lp de jazz-fusion lançado internacionalmente. Egberto tem um novo disco nas lojas. Como todos os que ele fez até hoje, extremamente pessoal, desenvolvido da forma mais brilhante e que fica como um trabalho-inteligência. Com razão, a imprensa nacional começa a dar destaque especial a "Alma" (EMI/Odeon, novembro/86), como fez a "Isto É", nesta semana em reportagem de três páginas assinada por José Castello e Thimóteo Lopes. E que abre com uma esclarecedora declaração de Gismonti: - "Alma" é um disco explícito, que não tem truques de gravação, efeitos siderais ou pirotecnia. Antes desse disco, eu só tocava assim em casa. Agora a casa está no disco". É um disco íntimo, com nove faixas - e todas conhecidas de gravações anteriores: "Baião Malandro", "Palhaço", "Loro", "Maracatu", "Karatê", "Frevo", "Água & Vinho", "Infância" e "Cigana". Crise de inspiração? Repetitivo? Absolutamente. Embora acusado, erradamente, de repetir-se em seus discos, Gismonti, ao contrário, leva as últimas conseqüências um perfeccionismo, uma busca assumida - que o faz inclusive se voltar tanto a música dos índios Xingu, como aconteceu há mais de dez anos, como a viver na Índia uma experiência fantástica, quando, durante um ritual esotérico a céu aberto, viu um homem levitar 2 metros acima do chão. Gismonti reduziu para 6 meses um calendário internacional de compromissos, após o nascimento de seu primeiro filho, Alexandre (o Branquinho), cujo choro está "Em Família", seu elepê de 1981 - um dos dois filhos que tem com a atriz Rejane Medeiros. Mas durante o tempo que passa fora do Brasil, Gismonti já percorreu - e várias vezes - todo o mundo, levando sua musica altamente sofisticada, inteligente e inquietante. Contratado na Europa da ECM, de Manfred Eicher - produtor apenas de artistas de alta voltagem criativa - e nos Estados Unidos tendo seus discos editados pela Warner, no Brasil continua fiel a EMI-Odeon, que, sabendo de sua importância lhe dá um tratamento especial. Tanto é que apesar de toda a crise de matéria-prima, "Alma" teve seu lançamento normal, com o cuidadoso acabamento que Gismonti sempre exigiu. Desta vez, o disco vem acompanhado de uma publicação trazendo as partituras das nove faixas - o que dá ao lançamento uma atração especial aos instrumentistas. Aliás, o Som da Gente, etiqueta de Walter Santos/Tereza Souza, foi a primeira a introduzir esta atenção com as cifras do som gravado. Gismonti exibe, em cada novo disco, em cada nova proposta, não um simples review - mas todo um ensaio, capaz de melhor dimensionar a sua música e suas propostas. Este "Alma", no qual ele em trabalho solo, piano acústico, mostra mais uma vez sua genialidade. E, por enquanto, é o que basta aqui registrar. LEGENDA FOTO - Gismonti: renovando sempre.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
21/12/1986

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