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Aramis

Almir e Renato, como é bom ser bem brasileiro

Assim como há muito tempo que desapareceu, naturalmente, sem traumas, o hábito de classificar-se o gênero de cada música gravada, imprimindo-se ao lado do título também a sua categoria - valsa, samba, balada, tango, marcha, etc. - já que houve uma interação rítmica natural, também há certos artistas difíceis de adjetivar e classificar em categorias estanques. São talentos que independem de origens e estilos e que se projetam nacionalmente por aquilo que melhor possuem: o talento. Dois exemplos são o paulista Renato Teixeira e o mato-grossense Almir Sater, por coincidência ambos na mesma faixa etária, origens rurais e com novos discos na praça, pela 3M - que mostra assim sensibilidade de seu diretor, Moacyr Machado, em contratar grandes valores. Renato Teixeira (de Oliveira, Santos, 20/05/1945) sempre nos lembrou o hoje curitibano (de adoção) Marinho (Gallera, 37 anos, paulista de nascimento, de Araraquara). Até o tom de voz de Renato e Marinho se parecem. Pena que até hoje Marinho, excelente talento e grande amigo, não tenha encontrado o reconhecimento nacional de suas músicas, muitas em parceria com Paulo Vítola. Talvez, se não fosse o impulso que Elis Regina (1945-1982) deu a sua carreira, talvez tivesse tido maiores dificuldades para fazer o seu primeiro lp ("Paisagem", Polygram, 1973). Entretanto, há 20 anos Renato Teixeira que aos 14 anos deixou Santos e foi morar em Taubaté - já vinha participando de festivais ("Dada Maria", uma das classificadas do III FMPB-Record, gravada por Silvio César, Clara Nunes e Gal Costa). Em 1968, "Madrasta" (parceria com Beto Ruschell) concorreu novamente no Festival da Record, defendida por Roberto Carlos e, em 1972, no VII FIC (Rede Globo), classificou sua composição "Marinheiro". Conservando a pureza e espontaneidade de compositor de raízes interioranas, Renato Teixeira construiu uma obra sólida, vigorosa e gostosa - como a sua própria voz. Passou pela RCA e Estúdio Eldorado - após deixar a Polygram, e agora na 3M, fez um esplêndido elepê mostrando toda sua versatilidade e harmonia. É impressionante como Renato Teixeira faz conviver estilos diversos dentro deste álbum extremamente bem desenvolvido, no qual recria desde um clássico do repertório rural ("De Papo Pro Ar", Joubert de Carvalho/Olegário Mariano), chegando ao romantismo de "Naturalmente Falando", com um arranjo jazzístico de Maurício Novaes enriquecido pela participação do grupo Pau Brasil, com Nelson Ayres no piano, Rodolfo Strotter no baixo acústico, Paulo Belinati no violão, Papete na percussão e, esplêndido solo de Roberto Sion no sax alto. Renato Teixeira entusiasma a partir da primeira faixa - "Madame Satã", com uma estrutura maravilhosa, aliás o que se nota em todas as suas composições, sempre com aquele tom de "new romantismo", com a tranqüilidade que existia numa bucólica vida rural: "Temporal", "Terumi", "O Turco do Mercado", "Margarida", e "Dez Anos Depois". Ampliando cada vez mais o seu trabalho, Renato Teixeira tem feito belíssimos trabalhos em parceria com Luís Coronel, um dos mais inspirados poetas gaúchos, letrista de belíssimas canções que tem vencido festivais da maior importância nestes últimos anos. Um exemplo desta (feliz) parceria é "Natalício". Afora "De Papo Pro Ar", apenas uma outra canção ("Garoto", de Geraldo Roca) não é de sua autoria. Arranjos caprichados, músicos harmoniosos integrados as várias faixas, fazem do elepê de Renato Teixeira um dos melhores discos da temporada. Almir Sater, 32 anos, mato-grossense de Cuiabá, como Renato Teixeira é também um compositor eclético, excelente cantor e instrumentista, com obra das mais sólidas. Sem nunca esconder suas raízes rurais, tem, entretanto, uma obra para ser absorvida pelo mais refinado ouvinte, desde que despido de preconceitos. Amigo de Renato Teixeira é seu parceiro em "Trem de Lata" e "Missões Naturais", duas bonitas canções de seu novo álbum ("Cria", 3M) que abre com "Razões", cuja letra de Paulo Simões (seu parceiro habitual) remete a uma temática que Milton Nascimento tanto valoriza: a força da amizade. Tendo começado sua carreira junto aos irmãos Espíndola, no grupo Tetê e Lírio Selvagem, Almir se mantém fiel àquela identidade que hoje é mais conhecida após o êxito de Tetê com "Escrito nas Estrelas". De Geraldo Espíndola gravou "Kikiô", que abre o lado A do disco, e a belíssima voz de Alzira Espíndola - irmã caçula de Tetê - está em "Mais um Verão", uma das cinco parceria com Paulo Simões ("Razões", "Água Que Correu", "Moda Apaixonada" e "Capim de Ribanceira"). Assim como Renato Teixeira buscou a integração certa de bons músicos nas diferentes faixas de seu elepê (por exemplo, o acordeonista Dominguinhos valorizando "Margarida", "De Papo Pro Ar" e "Madame Satã"; o grupo Pau Brasil presente além de "Naturalmente Falando" também em "Temporal"), Almir Sater foi buscar as vozes e ritmos mais integrados a cada momento deste seu álbum. Por exemplo, "Rio de Lágrimas" um pequeno coral de seis vozes. Zé Gomes, ótimo violinista gaúcho, que anteriormente já havia participado do belíssimo álbum instrumental de Almir (Som da Gente, 1986), está em "Moda Apaixonada". O acordeonista Osvaldinho valoriza "Moda Apaixonada" e "Rio de Lágrimas", enquanto que o sax tenor de Proveta encaixa-se perfeitamente na faixa Kikiô. Carlão de Souza, ótimo violinista - (inclusive no de 12 cordas) cuidou da produção executiva deste álbum. Almir, que para muitos é ainda melhor instrumentista do que cantor (prova disto foi seu "Doma"), executa viola em todas as faixas. Ouvindo-se discos como os de Renato Teixeira e Almir Sater, a gente lava a alma de brasilidade. Compositores, músicos e intérpretes da maior beleza e sinceridade, orgulhosos de suas raízes rurais, com um som realmente universal em termos de sensibilidade. Ou seja, uma música que compensa tanta bobagem e lixo descartável que os diretores de marketing das multinacionais do disco insistem em impor goela abaixo no mercado musical. Viva Almir e Renato, pela brasilidade de seu trabalho. P.S. - Almir é agora também ator de cinema. Estreou com o pé direito em "As Belas do Billings", de Ozualdo Candeias, que teve estréia nacional em Curitiba, há um mês. Mas no filme ele não canta. Apenas atua (e muito bem).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
08/03/1987

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