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Aramis

Aqui Jazz (III) - A orquestra de Lewis & Jones, Chico, Barbieri e o múltiplo som de Roland

Há 7anos passados, quando residia em Genebra, como cientista da OMS, o professor Newton Freire Maia, que não é apenas um dos mais notáveis geneticistas brasileiros, mas também um inteligente apreciador de jazz, em carta a um amigo curitibano, exclamava: "Mas como é que pode V. ainda não conhecer o som de Thad Jones & Mel Lewis?". Na época, no Brasil, apenas um modesto elepê desta influente dupla instrumental, líder de uma das mais famosas bandas jazzísticas dos anos 60, havia aparecido. Há 4 anos, em setembro/73, em Londres, foi a nossa vez de nos deslumbrarmos com o som de Jones & Lewis, numa noite memorável no Ronnie's, um dos mais musicais endereços do Soho - um dos raros bairros onde Londres dorme depois das 23 horas. Mas não é preciso mais viajar à Europa (ou EUA) para ouvir Jones&Lewis, pois graças à Horizon, dois dos mais recentes álbuns desta orquestra de jazz que comemora precisamente dez anos de atividades ininterruptas, aparecem no Brasil. Pois foi em 1967 que Thad Jones (Thaddeus Joseph Jones, Pontiac, Michigan, 28-03-1923), pistonista, irmão do baterista Elvin Jones (09-09-1927), ex-integrante da orquestra de Count Bassie (1954) e após ter participado do sexteto de George Russell no Paris Jazz Festival (1964), uniu-se ao baterista Mel (Melvin Sockloff) Lewis (Buffalo, Nova Iorque, 10-05-1929) para formarem uma banda pela qual, neste período, já passaram músicos como Jimmy Cleveland, Gene Ammons, Fred Hubbard, Don Dyas e outras grandes expressões do jazz contemporâneo e que mereceu temas especiais de compositores como George Shearing, Oscar Peterson, Ray Charles, Jimmy Smith e que, ao lado das bandas de Benny Goodman e a de Duke Ellington, foi a terceira orquestra de jazz dos EUA a visitar a Rússia, em 1972, além de colecionar troféus e distinções das mais importantes publicações de jazz dos Estados Unidos, França. Pela Horizon Records, no Brasil representada pela Odeon, dois álbuns-homenagens gravados entre 1972-75, em homenagem a grandes amigos dos músicos: "Suite For Pops" (Horizon/SXHOL 39001) e "New Life" (Horizon/XHOL 39009) dedicado a Max Gordon. Se Armstrong (1900-1970) dispensa qualquer informação adicional, tão identificado está na história do jazz, Max Gordon é daquelas pessoas que só aos iniciados pode ser conhecido: americano do Oregon, em Nova Iorque desde 1929, é desde 1935 proprietário da mais famosa casa noturna, em termos de jazz, dos EUA, o Village Vanguard, onde tem ocorrido as melhores jamesessions da história musical. Nestes dois álbuns, o ouvinte tem oportunidade de conhecer temas inspiradíssimos, executados livremente não só por Jones (pistão, Flugelhorn) e Lewis (bateria, percussão), mas mais de 30 outros instrumentistas notáveis, que participam desta orquestra, nascida de um encontro não propriamente casual de Lewis e Jones, quando atuavam ambos num concerto da então orquestra de Gerry Mulligan, no início dos anos 60. "Suite For Pops", gravadas em janeiro e setembro/72 (com exceção de "The Farewell", registrada a 22-07-75), tiveram sua execução original há 6 semanas passadas, em apenas três movimentos ("Meetin Place", "The Summary" e "Farewell"), aos quais acrescentaram-se posteriormente mais quatro movimentos ("The Great One", "Only For Now", "And a Good Time" e "Was Had By All"), além de um quinto acrescimento ("Toledo By Canleight", de Gary McFarland). O resultado é uma das mais belas homenagens que se poderia prestar ao nome mais brilhante do jazz. Já "New Life" traz registros feitos em janeiro de 76, composições de Jones ("Greetings And Salutations", Little Rascal On a Rock", "Forever Lasting", "Love To One Is One To Love" e "Cherry Juice"), afora Cecil Bridgwater ("Love And Harmony") e Jerry Dodgion ("Thank You"). Os dois álbuns trazem informações detalhadíssimas, não só descrevendo cada peça gravada mas, principalmente, sobre todos - e importantes - membros da banda de Lewis & Jones. Na década de 50, o baterista Chico (Florestorn), Hamilton (Los Angeles, Califórnia, 21-09-1921), projetou-se como um dos mais criativos instrumentistas do chamado estilo West-Coast. Na verdade, Hamilton começou estudando clarinete, trabalhando já em 1940 com os grupos de Gloyd Ray e Lionel Hampton, passando depois, antes ainda de fazer seu serviço militar, ao grupo de Lester Young. Posteriormente, por sete longos anos (1948-55), acompanhou a cantora Lena Horne em excursões pela Europa. Passou uma temporada na orquestra de Charlie Barnett e, finalmente, de 1952-53, iniciou um trabalho no primeiro quarteto de Gerry Mulligan, adquirindo um novo estilo, que desenvolveria com o seu próprio grupo, um dos mais importantes da segunda metade dos anos 50, e no qual trabalharam instrumentistas como Buddy Collette, Eric Dolphy, Jim Hall, Charles Lloyd etc. Em 1957, no auge de seu sucesso, o cineasta inglês Alexandre Mackendrick o convidou a fazer a trilha sonora do filme "A Embriaguez do Sucesso" (Sweet Smell of Sucess), uma das mais corajosas denúncias contra o colunismo na imprensa americana. Com uma discografia respeitável, Chico Hamilton há anos estava distante do catálogo jazzístico da Copacabana (Blue Note), temos o seu retorno com o recente "Chico Hamilton and the Players" (BNLP 120097, fevereiro/77), gravando em Nova Iorque, em março do ano passado, com um novo grupo de instrumentistas: Abudallah, um percussionista de alta voltagem, que encontrou em Cleveland; o baixista Steve Turre; guitarrista Rodney Jones Arthur Blyth, no sax soprano. Com este quinteto, Hamilton mostra sua nova fase de compositor e intérprete, desenvolvendo oito temas - incluindo homenagens ao seu amigo Miles Davis ("Olé To Miles") e a música latino-americana, através de "La Noche De Bolero". A Argentina tem, hoje, ao menos dois de seus filhos Lalo Schiffrin, definitivamente incorporado entre os maiores compositores de trilhas sonoras nos EUA, e o saxofonista Gato Barbieri, 44 anos, nascido em Rosário, e que após seu início profissional em Buenos Aires, na Europa trabalhou ao lado de seu conterrâneo Lalo Schiffrin, de Ted Curson e do guitarrista Jim Hall. Em 1966 iniciou um trabalho com o Don Cherry Quintet, mas, logo passaria a destacar-se como solista. Consagrado internacionalmente com a romântica trilha sonora de "O Último Tango em Paris", de Bernardo Bertolucci, Barbieri é um instrumentista que não perdeu suas origens latino-americanas, indo constantemente à Argentina e mesmo ao Brasil, para aqui gravar seus novos discos. Por exemplo, "Chapter Two: Hasta Siempre" (ABC Impulse - Phonodisc - Continental, 6-27-404-007, 1976), reúne temas gravados nos estúdios da Odeon, em abril de 1973 ("Encontros", "Marisses"), com a participação de músicos brasileiros, como o guitarrista Hélio Delmiro, Daudeth de Azevedo (Neco) no cavaquinho, Novelli no baixo, Paulo Antônio Braga (Paulinho) na bateria, entre outros instrumentistas, aos quais foram acrescentados sons de Jim Haughart (baixo) e Mayuto Corrêa (congas e triângulo), em trabalho desenvolvido já nos EUA. "Latino América" e "Para Nosostros", gravado no Village Recorder, Los Angeles, em 16-10-73, mais "Uana Azurduy", registrado em 18-04-73, no estúdio da Music Hall, em Buenos Aires, completam este álbum realmente internacional. Há alguns anos, a Odeon promoveu no Rio de Janeiro o lançamento de um dos mais recentes LPs de Gato ("Caliente", A&M Records, AS&M 2148, janeiro/77), gravado em Nova Iorque, com a participação de instrumentistas com os quais Barbieri desenvolve atualmente um sólido trabalho: Lenny White (bateria), Gary King (baixo), Eric Gale, David Spinozza e Joe Beck (guitarras), Eddy Martinez (teclados), Don Groinick (teclados e sintetizador), Ralph MacDonald, Cachete Maldonado e Mtume (percussão). As novas músicas de Barbieri chamam-se "Firesflies", "Fiesta", "Europa", "Don't Cry Rochelle", "Adios" (em duas partes), "I Want You", "Behind the Rain" e "Los Desperados". Ouvindo-se o múltiplo som de Rahsaan Roland Kirk (sax tenor, strichphone, harmônica ec.) em seu último (e excelente) LP "The Return of the 500 lb, Man" (WEA Discos, 56.000, março/77), lembramos de um velho ditado popular de que "Deus dá o frio conforme o cobertor". Pois Kirk, como George Shearing, Ray Charles e Stevie Wonder, é um músico cego (desde os 2 anos), nascido em 1936, em Columbus, Ohio, e que revelou, desde cedo, prodigiosa capacidade de tocar vários instrumentos, em geral 3 ou 4 ao mesmo tempo. Domina quase todos os sopros, especialmente os saxofones (alto, tenor, barítono e soprano) e as flautas, os teclados, a harmônica e ainda faz os arranjos, compõe e canta. E, como lembrou o bem informado Tarik de Souza ("Jornal do Brasil", 16-04-77), ultimamente seus concertos têm sido também exemplo de obstinação física, como a do inesquecível guitarrista Django Reinhardt (1910-1953) que prosseguia dominando seu instrumento mesmo após ter perdido dois dedos: Kirk teve sua mão direita acidentada e inutilizada, mas continua, apenas com a mão esquerda, manejando simultaneamente os saxes tenor e soprano. Em "The Return of the 500 lb. Man", um dos mais belos LPs lançados pela WEA Discos este ano, Kirk consegue, ainda citando Tarik, "obter os mais variados convincentes climas, de faixa para faixa". Utilizando apropriadamente os vocais, Kirk renova clássicos como "Sweet Georgia Brown" (Ben Bernie/Kenny Casey/Macco Pinkard e "I'll Be Seeing You" (Irving Kahal/Sammy Fain), "Loving You" (Minnie Riperton/Richard Rudolph) e "Three Will Never Be Another You" (Harry Warren/Mac Gordon), dois difíceis temas de mestres do jazz - "Giant Steps" (John Coltrane) e "Goodbye Pork Pie Hat" (Charles Mingus, ao qual Kirk acrescentou uma letra), afora a sua própria composição "The For Eulipions", com a letra de Betty Neals, declamada por Macretha Stewart. Jovens instrumentistas - Charles Persip, Rome Penque (barítono), "Buster Williams" (Baixo), Hilton Rui (piano) etc. complementam a felicidade deste ótimo LP.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal da Música
29
24/04/1977

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