Login do usuário

Aramis

Artigo em 27.12.1981

Mais do que um músico, Getúlio Braga é um exemplo de força de vontade. Chega a lembrar a Helen Keller, que cega-surda-muda, se tornou (graças a sua professora Anne Sullivam) uma notável escritora. Getúlio Braga estudava música desde os 7 anos, participou de bandas e conjuntos e tocava vários instrumentos (violão, sax, trombone etc.). Em 1963 sofreu um sério acidente que o deixou aleijado. Após várias cirurgias, conseguiu salvar seu braço - apesar de atrofiado - e sem o principal tendão da mão esquerda. Pegou no violão, adaptando as duas deficiências físicas. Após longos estudos, Getúlio criou novas escalas e dois métodos para violão, [um] para acompanhamento e outro para solo - os quais, devido a sua importância, foram publicados pela Editra Bethânia, firma norte-americana e lançados em mais de 20 países. Agora, num sensível lp ("Paz, Violão e Meditação", Chantecler/Continental, 1-04-405-303, dezembro/81) sente-se o quanto pode a força de vontade e o talento. Com temas clássicos - "Concerto de Aranjuez" (Rodrigo Vitre) ou "Greenleves", em arranjos próprios, ou nas suas composições - "Dança Hungara nº 1", "Alma e Coração", "Saudade", "Flores Silvestres", "Caravana Oriental" etc., sente-se um violonista dos mais interessantes, justificando atenção a este lançamento. Entre "Assim Tão Moço" (Continental, 001-404-001, 1980) e o seu segundo lp ("Vicente Barreto", Continental, 1-01-404-248, dezembro/81, pode-se observar reflexos de um dos fatos que caracterizaram o ano musical: a preocupação de muitos compositores e intérpretes em se voltarem a uma linha de brasilidade com raízes rurais. Em 1980 Vicente Barreto realizava um disco urbano, com arranjos e regência dos tecladistas Jotinha Moraes e Gilson Peranzzetta e tendo como parceiros Luiz Gonzaga Jr. ("Abençoado e Santo") e até Vinicius de Moraes ("Eterno Retorno"), por sinal com quem fez muitos trabalhos, mas que nunca são lembrados. Sentia-se naquele disco - que passou praticamente desapercebido na época, um compositor forte, que mesmo limitado como cantor, apresentava músicas bem construídas - duas delas com letras de Carlos Pita ("Como Caça" e "Assim Tão Moço") uma ("Aos Olhos do Mundo") de Jorge Mello. Tanto Pita como Mello são também compositores-intérpretes, já com vários discos gravados. Com João Garcia, Vicente mostrava em "Poeira nos Olhos", um caminho rural, com uma viola caipira e uma letra um tanto irônica. E é este o caminho que Vicente assumiu agora, em seu segundo lp: um disco de raízes brasileiras, excelentemente bem produzido e com músicas brasileiríssimas, com gosto de verde-amarelo. Nordestino, com influências de cantadores mas também uma formação urbana - dos Beatles a João Gilberto, Vicente Barreto tem uma argamassa sonora interessante, que agora recebeu arranjos esmerados do maestro Eduardo Assad. Com Alceu Valença - com quem compôs "Cabelo no Pente", conhecida em todo o Brasil na voz do próprio Alceu - Vicente Barreto traz agora "Vou Prá Campinas" e "Dia de Cão". De João Garcia, seu parceiro em "Poeira nos Olhos" e "Boca com Boca", no lp anterior Vicente interpreta agora "Pontos Cardeais", uma música que reflete a sede de saber do homem e que diz: "Olha quanta gente se alucina/Prá ver o que há por cima/ das portas, dos muros/Prá lá desses quintais"; Com um novo parceiro, Paulinho Pedra Azul, compositor mineiro, compôs "Trem Bom", uma música que, além de usar termos de Minas Gerais, como "trem bom" e "ta danado de bom", o ritmo tem muito haver com a música rural daquele Estado, mas entremeado de influências baianas - já que é filho da Boa Terra. Um ritmo alegre, vibrante, mesmo ao cantar lamentos e infelicidades, faz de Vicente Barreto um nome a merecer atenção. Já registramos há algumas semanas o disco de John Denver ("Some Days Are Diamonds / Some Days Are Stone"), lançado pela RCA, mas a importância deste álbum, onde o jovem e consciente compositor-cantor americano mostra uma coleção de belas músicas, justifica que se dê nova atenção. Denver tem-se destacado nos EUA por suas campanhas em favor da Natureza e, pessoalmente, tem evitado as lantejoulas da glória, preferindo viver numa fazenda. Sua visão de um mundo não contaminado, pastoral, embora um pouco abstrato, sente-se em "Gravel On The Ground", "Country Love" e "Wild Flowers In A Mason Jar", três das mais belas músicas deste elepê. Um trabalho mais antigo de Denver, a belíssima trilha sonora que criou há anos para o filme "Um Dia de Sol" (Sunshine, 73, de Joseph Sargent), pode ser novamente apreciado com a reedição desta sound track, agora em selo MCA/Ariola. "Shunshine" foi um dos grandes sucessos de bilheteria dos anos 70, contando a história de Jacquelyn M. Helton, que morreu vítima de câncer, jovem ainda, deixando uma filha criança, para quem gravou muitas fitas. A música de John Denver tem belos momentos, justificando a compra do disco - não só pelos colecionadores das trilhas de cinema, mas também pelos admiradores da obra de John Denver. Para vários estudiosos de MPB, como o professor Alceu Schwaab, o novo lp de Rolando Boldrim (RGE) está entre os melhores do ano, especialmente por representar o reconhecimento ao gênero rural. Há muitos anos, antes de chegar ao comando "Som Brasil", atração dominical, pela manhã, da Rede Globo, Boldrim merecia nossa admiração pelas suas músicas marcantes, de raízes rurais, numa linha que teve Renato Teixeira como um bom seguidor - e agora sente-se também em Vicente Barreto (ver comentário nesta mesma página). Agora, após fazer 3 lps na Chantecler, Boldrim está na RGE, com um lp onde se destaca várias de suas músicas. A mesma RGE está também lançando uma nova cantora - Sônia Marya, que estréia com um compacto onde interpreta "Rendas e Rendeiras" - uma homenagem [às] artesãs que se dedicam a este trabalho e "Festa da Conceição", referência a uma tradicional festa do Maranhão, terra natal do compositor destas duas músicas - Mário Maranhão, autor de "Voa Liberdade" e "Campo Minado", anteriormente registrado por Jesse. Uma proposta interessante para ser desenvolvida pelos pesquisadores de nossa MPB é um levantamento da musicografia automobilística. O que, minha senhora? Isto mesmo, um estudo sobre as inúmeras músicas que falam de veículos - pois desde os anos 20, quando apareceram os primeiros carros, a citação de automóveis em músicas populares tem ocorrido e tanto é que os irmãos Valle, há alguns anos ganharam uma nota preta da Ford com seu "Mustang Cor de Sangue". Uma nova contribuição ao gênero é fornecida a agora pelo garotão Almir Rogério em "Fuscão Preto" (Atilio Versutti/Jeca Mineiro), um dramático bolerão: "O nono da Vossa Lei" (Célio Roberto/Carlos Santarelli/J. Oliveira). Na mesma linha de interpretações - boleros rurbanos, Angelo Máximo também tem um compacto simples lançado pela Copacabana, com "Bonequinha Linda" (Chico Valente/ Neil Bernardes Moskemberg) e "Alvorada" (Geraldo Nunes/Devanir/Nenê).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Caderno
Jornal da Música
15
27/12/1981

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br