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Aramis

Artigo em 31.08.1981

Até agora, passados cinco meses deste magro (em termos fonográficos) 1981, poucos dos lançamentos feitos pelas fábricas, mereciam, numa análise mais rigorosa, a categoria de "discos do ano" - capazes de serem selecionados para a escolha dos melhores, em dezembro próximo. Felizmente agora começam a aparecer discos da melhor música brasileira, produzidos com esmero, cuidado e que, tranquilamente, justificam a nossa adjetivação. Basta ouvir a extensa sensibilidade de Joyce ("Água e Luz", a bossa de Dona Yvonne Lara ("Sorriso Negro") e a homenagem a Geraldo Pereira ("Evocação V") para se justificar que, apesar dos tempos bicudos, se reserve uma parte do orçamento para adquirir estes discos realmente indispensáveis a quem sabe apreciar a nossa música. Joyce, uma cantora que num festival de MPB, em 1967, já surpreendia com uma música corajosa para a época ("já me disseram que meu homem não me ama"), passou mais de 10 anos praticamente esquecida: fez dois históricos lps na Philips, gravou 2 outros na Itália (um deles aqui editado pela Continental) e um outro nos EUA. Entretanto, a não ser para um pequeno grupo de pessoas que sabem reconhecer os grandes valores, Joyce permanecia longe do grande público. Felizmente, nas vozes de outros intérpretes, seu talento de compositora maior começou a chegar a uma faixa mais ampla: Milton Nascimento ("Mistérios"), Elis Regina ("Essa Mulher"), Bethania ("Da Cor Brasileira") e Ney Matogrosso ("Ardente"), entre outros superstars, gravaram (bem) suas músicas. Mas foi preciso sua participação no MPB-80, com mais bela das músicas daquele festival ("Clareana"), para que milhões de telespectadores sentissem a beleza da voz de Joyce. E o disco que fez em 80 para Odeon mostrou um punhado de músicas maravilhosas, densas, profundas. Agora, com "Água e Luz" (Odeon), Joyce não só reafirma tudo que dela já pensava, como transpõe fronteiras, com composições das mais inspiradas, mostrando-se também uma excelente violonista, como na faixa instrumental "Samba de Gago". O disco de Joyce, se espaço houvesse, mereceria um longo ensaio, tão rico é o seu talento, a sua visão do mundo, a sua sinceridade, em todas as faixas: da homenagem a Vitor Binot, monge budista brasileiro, falecido há poucas semanas Monsieur Binot") ao canto de amor ao seu marido, o percussionista Tuti Moreno, Joyce acumulando letra e música ("Muito Prazer", "Meio a Meio", "Eternamente Grávida", "Água e Luz") ou com parceiros muito especiais - Casaco ("Beira Rio"), Ana Terra ("Banho Maria"), oferece um dos mais belos discos do ano. Sérgio Cabral, o bom amigo que trocou a crítica (por ele exercida com tanta dignidade) pela produção fonográfica nos falava, em fevereiro último, com entusiasmo do novo disco de Dona Yvonne Lara, 60 anos, legítima sucessora da octagenária Clementina de Jesus. "Sorriso Negro" (WEA, maio/81) está naquela categoria de álbuns que mostram o quanto se pode fazer com uma artista popular, vindo das camadas mais humildes da população, sem interferir em sua autenticidade. Os arranjos de Rosinha de Valença e Helvius Vilela ("Me Deixa Ficar" e "Alguém Me Avisou") emolduram as 12 músicas gravadas por dona Yvonne, sem, em momento algum, tirarem o calor, o rítmo, a espontaneidade desta cantora das mais doces. As presenças carinhosa de Maria Bethania ("A Sereia Guiomar") e Jorge Bem ("Sorriso Negro") são demonstrações da admiração que Dona Yvonne merece. Com seu parceiro mais constante - Delcio Carvalho, ou com Jorge Aragão, dona Yvonne fala do quotidiano, do amor, do encontro mas é na parceria com Hermínio Bello de Carvalho ("Unhas") que esta o mais belo momento deste maravilhoso disco. Se Aluísio Falcão não tivesse recebido o troféu "Personalidade-80", no Júri Playboy da MPB, este ano seria novamente o produtor que mereceria o nosso voto. Afinal este pernambucano continua a resgatar os grandes ( e esquecidos) nomes da nossa PMB, através de cuidadosas produções feitas pelo Estúdio Eldorado - etiqueta que, em tão boa hora, veio dar continuidade ao heróico esforço empreendido por Marcos Pereira (1930-1981), que teve, aliás, em Aluísio, o seu primeiro grande diretor artístico. E entre as boas produções da Eldorado em 1981, se destaca o volume 5 da série "Evocação" dedicada a Geraldo Pereira (1918-1955), compositor da maior importância dentro do samba carioca e que, infelizmente, até agora era conhecido apenas como autor de "Bolinha de Papel", que João Gilberto, sempre atento ao que de melhor existiu na MPB, gravou há 22 anos passados. Com a produção do disco em homenagem a Geraldo Pereira, numa tarefa que Aluísio entregou a Homero Ferreira, com pesquisa de repertório do mais importante pesquisador da MPB em São Paulo, Miécio Caffé, temos um álbum documental, absolutamente indispensável em qualquer estudo que se faça sobre a música brasileira dos anos 40/50. Com diferentes intérpretes e músicos, em cuidadosas sessões, foram registrados jóias da obra de Geraldo Pereira, com diferentes parceiros: "Escurinha" (com Arnaldo Passos) na voz de João Nogueira; "Pisei Num Despacho" (com Elídio Viana) com Jackson do Pandeiro; "Pode Ser?" (com Marino Pinto) com Christina; "Ainda Sou Seu Amigo" com Elton Medeiros; "Até Hoje Não Voltou" (com J. Portela) com Nelson Sargento; "Bolinha de Papel", com grupo Tarsís; "Acabou a Sopa" (com Augusto Garcez) com Marçal; "Onde Está a Florisbela?" (com Ary Monteiro) com Batista de Souza; "Pedro do Pedrigulho" com Vânia Carvalho; "Ministério da Economia" ( com Arnaldo Passos) com Monarco; "Escurinho" com Roberto Silva; "mais Cedo ou mais Tarde" com Macalé e "Se Você Sair Chorando" (com Nelson Teixeira) com o coral formado por Bee, Bicho Louro, Heloísa, Maria Alice, Marçal, Elton Medeiros e Nelson Sargento. Observador do quotidiano, sociólogo espontâneo da vida brasileira, a obra de Geraldo Pereira é riquíssima. Ao produzir este elepê. O Estúdio Eldorado presta uma das maiores contribuições a nossa MPB. E como há muitas outras jóias na obra de Geraldo Pereira, espera-se um segundo volume em breve.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal da Música
25
31/08/1981

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