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Aramis

As atrizes de Bergman

"Escrevi uma história sobre quatro mulheres que se encontram, durante alguns dias, em dramáticas circunstâncias. E chamei, então, para vivê-las, quatro magníficas, maravilhosas atrizes que são, também, amigas muito queridas: Harriet Anderson, Ingrid Thulin, Kari Sylwan e Liv Ullmann". (...) "Se me perguntarem se é um bom ou mau filme, terei de responder que não sei. Tudo que sei é que se trata de um filme muito chegado ao meu coração. Eis por que peço que o vejam. Quero muito que também gostem desta obra". (Ingmar Bergman, Estocolmo, 1973). As maravilhosas atrizes de que fala Bergman formam, de fato, um quarteto afiadíssimo em seu último filme, Gritos e Sussurros, que entra em cartaz hoje. Com exceção de Kari Sylwan, todas são, entretanto, antigas em sua entourage cinematográfica. São indissociáveis de seu universo torturado, provocador e profundamente poético e questionador. Como esquecer a Harriet Andersson de Mônica e o Desejo, um dos filmes mais ricos do primeiro estilo de Bergman"? ou a Ingrid Thulin de A Hora do Lobo, ou do admirável, inesquecível Morangos Silvestres. E Liv Ullmann, a mais recente musa do universo bergmaniano, que conhecemos desde Persona? A elas se reúne, agora, um rosto jovem e todo mistério numa doce figura matronal - Kari Sylwan. As quatro aprofundam em Gritos e Sussurros, a necessidade de Bergman de penetrar e compreender a alma humana através do eterno e inesgotável mistério da mulher. Harriet: Agnes Em Gritos e Sussurros, Harriet Andersson tem o papel de Agnes, uma mulher cujos últimos dolorosos instantes de vida acompanhamos quase tão sofridamente quanto [às] irmãs e a criada que a cercam. É uma interpretação intensa, um desempenho solicitante e corajoso a que empresta toda uma enorme gama de participação de identificação. Das quatro atrizes é a que tem presença mais antiga na filmografia germaniana. Harriet está com 42 anos. Estudou na academia de arte dramática de Kalle Flygare. Fez filmes publicitários e desempenhou pequenos papéis em teatro e cinema até conseguir um primeiro papel importante em Trots, de Gustav Molander. Em 1953, Bergman ofereceu-lhe o papel-título de Mônica e o Desejo (Sommarem med Monica), e, desde então, a Associação dos dois tem sido freqüente: Noite de Circo (Glycarnas Afton, 1.953); Uma Lição de Amor (En Lektion I Karlek, 1.954); Sonhos de Mulher (Kvinnodrom, 1.955); Sorrisos de Uma Noite de Amor (Sommarnant tens Leende, 1.955); Sason i en Spegel (Como num Espelho, inédito no Brasil, 1.960); For Att Int Tala Om Alla Dessa Kvinor (Se todas essas mulheres, inédito no Brasil, 1.964). Nesses filmes, Harriet foi, quase sempre, a mulher sensualidade, inconscientemente perversa, expansiva e espontânea, para a qual o realizador nada reservou daquele obsessivo mistério que acompanha insistentemente as personagens que Liv Ullmann, Ingrid Thulin ou a outra Anderson (Bibi) viveram nos filmes do cineasta sueco. A Agnes, de Gritos e Sussurros é uma novidade nesse quadro. Ela é ao mesmo tempo terna, meiga, feita de fé e esperança. Sua passagem e permanência na temática do filme fazem dessa nova obra de Bergman um de seus filmes menos desesperadores e mais abertos à esperança. Ingrid Thulin: Karin A mais velha das três irmãs que Bergman focaliza em seu último filme é interpretada por Ingrid Thulin. Ela é Karin, casada com um homem rico e bem mais velho, um diplomata formal e arrogante que lhe comunicou um desgosto desesperado de viver, traduzido numa cena forte e chocante de automutilação, indispensável, entretanto à compreensão da personagem. Ingrid, que como Harriet Andersson já visitou o Brasil, considera-se, entretanto, o oposto dessa personagem severa, frígida e fechada, que está longe, em sua opinião, de representar o que deve ser uma mulher. Aos 45 anos, de rosto belo e expressivo, um corpo de impecável harmonia (como revela o filme de Bergman), casada com o diretor do Instituto Nacional de filmes suecos, Ingrid afirma-se ainda como desportista. Natural de Solleftea, aos 16 anos Ingrid Thulin mudou-se para Estocolmo, onde tomou aulas de dança e declamação e ingressou na Escola Real de Arte Dramática, adquirindo notoriedade no palco ao interpretar uma peça de Anouilh. Estreou, no cinema, em 1.949 no filme Havest Son, de Rolf Husberg, se projetou em Karleken Segra, de Gustav Molander, produzido no mesmo ano. Seu primeiro trabalho com Bergman foi em Morangos Silvestres (Smultronstaller, 1.957), seguindo-se No Limiar da Vida (Nara Livet, 1.958), Ansiktet (O Rosto, 1958), Nattavardsgaterna (Os Comungantes, inédito no Brasil, 1.962), O Silêncio (Tystnaden, 1.963). A Hora do Lobo (Vargtimen, 1967), Riterna (O rito, inédito no Brasil, 1.968). Sensível, culta, intensa e capaz de uma expressividade dramática incomum, Ingrid Thulin tem sido a escolha de inúmeros realizadores, na Suécia, como na Itália (já trabalhou em filmes de Visconti, Bolognini e Brunello Rondi), França (fez, para Resnais, A Guerra Acabou, em 1.965), Estados Unidos, Inglaterra e Espanha, para viver personagens inquietantes e atormentadas. Seu desempenho mais notável, em filmes de Bergman, terá sido o de Esther, mortalmente afligida na alma e no corpo na terra estranha de O Silêncio. Agora, em Gritos e Sussurros, Ingrid Thulin reencontra a dimensão deste personagem de 63. Liv Ullmann: Maria Recentemente, os americanos proclamaram que ela poderia vir a ser a substituta de Greta Garbo e Ingrid Bergman nas conveniências da indústria cinematográfica em projetar uma sueca de vez em quando, como definição de mulher absoluta e reveladora. Liv Ullmann não questiona esse papel que lhe reservou a máquina publicitária de Hollywood. E não renega - pelo menos diz que não o faz - coisas tão insignificantes que foi forçada a fazer, como 40 quilates (em que brilhava era Gene Kelly) ou o incrível horizonte perdido. Na tradição de Garbo, Liv vem por aí num filme sobre a rainha Christina da Suécia, mas já se comenta que é um filme cuidado e muito escrupuloso quanto à História. Seu papel, em Gritos e Sussurros, é algo de novo no seu trabalho com Bergman. Desde que se encontraram, em primeira vez, quando Liv passeava pelas ruas de Estocolmo - ela é norueguesa -, e Bergman provavelmente se encantou com seus olhos muito azuis. Liv Ullmann vem interpretando mulheres histéricas e neuróticas, em Persona (1.966), A Hora do Lobo (Vartimmen, 1.967), A Vergonha (Skammen, 1.968) ou Paixão de Ana (El Passion, 1.969). Sua Maria de Gritos e Sussurros é a mais nova das três irmãs, e é uma mulher bela, coquete e sedutora, e, talvez, também insensível, ou fraca e imediatista. Aos 34 anos, mãe da menina Linn (que teve de sua ligação com Bergman), Liv Ullmann tem diante de si uma carreira internacional, se o escasso sucesso dos filmes que até agora fez, em Hollywood, não comprometer o entusiasmo dos produtores americanos. Nesse momento acaba de estrear, nos Estados Unidos, seu último filme com Bergman, Cenas de Um Casamento, inicialmente destinado à televisão. Kari Sylwan: Anna Ela é uma presença transfiguradora, doce e terna na atmosfera de opressivos conflitos de Gritos e Sussurros. O rosto tem uma beleza jovem e ansiosa; o físico é amplo, matronal. Anna perdeu a filha menina e ainda guarda suas lembranças no quarto humilde de empregada, onde faz suas orações e roga a Deus que tenha a filhinha em sua paz. Anna sabe que se deve acompanhar as almas até a sua última porta. Ela desliza, rápida, silenciosamente pelo vermelho, o branco e o negro dessa mansão onde bem cedo a morte virá instalar-se. É ela quem consola o sofrimento de Agnnes, quem lhe oferece - mão visceral - o calor do seio no momento em que o sofrimento se torna insuportável para a fragilidade mortal de Agnnes. A serva e a moribunda inspiram a Bergman uma das imagens mais emocionantes do cinema contemporâneo: uma Pietá feita na doçura de Anna e da morte de Agnnes. Essa figura radiante em meio à pesada atmosfera da mansão do século XIX, Bergman foi buscar na atriz Kari Sylwan, um novo nome entre as suas intérpretes preferidas. Aos 33 anos, atriz do Real Teatro Sueco, ex-bailarina da Ópera de Estocolmo, Kari Sylwan estréia no cinema de Bergman com absoluta autoridade, e sustenta com trilho o duelo das presenças de Andersson, Thulin e Ullmann. Esportiva, entusiasta de pilotar seu barco em amistosa intimidade com os ventos do Mar do Norte, Kari também escreve para o teatro e faz principalmente peças infantis. Seu desempenho em Gritos e Sussurros tem a marca de uma aguda sensibilidade e a projetou de forma definitiva no cenário do cinema sueco.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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17/04/1974

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