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Aramis

Barulho, sexo e humor na pouca música do Rock-1986

No sábado passado, o consumo de energia cresceu durante algumas horas no Ginásio Almir de Almeida, o Tarumã e, horas depois no Clube Curitibano, grupos como Camisa de Vênus e Marca Registrada estouraram tímpanos ao som de suas guitarras e parafernália eletrônica - fazendo vibrar milhares de adolescentes. Nesta semana; outros conjuntos de rock estarão exibindo na cidade - em ginásios, clubes e mesmo teatros, já que pouco a pouco, todos os espaços vão sendo conquistados por esta garotada eletrificada. A tiragem de "Bizz", voltada exclusivamente ao mundo do rock, aumenta de número para número, enquanto mesmo o quarentão Maurício Kubrusly, editor da respeitável "Som Três", é obrigado não só a abrir mais espaço aos grupos de rock, como lançar edições-posters especiais que se esgotam nas bancas de revistas. Jornais nacionais também abrem espaços imensos aos roqueiros que se multiplicam como coelhos desde o "Rock In Rio" - hoje já passam de 100 conjuntos que, das mais diversas formas, chegaram ao disco. E pelo menos dois mil outros tentam, em duas cidades - das metrópoles a Barra do Jacaré ou Santo Antonio dos Palmares - também obterem seus espaços. Em Curitiba, há pelo menos 50 conjuntos de roqueiros - que, no asfixiante TUC ou agora no Teatro 13 de Maio, mostram o seu som barulhento. Neste final de semana, por exemplo, é o EXITÃO ESTÉREO que inunda o subterrâneo da galeria Júlio Moreira, com seu rock pauleira. Um, entre tantos grupos da cidade que busca a originalidade até o nome - mas cai no lugar comum de todos. CONSUMO AO INVÉS DE ESTÉTICA Tem razão os homens de marketing que orientam as gravadoras nacionais em classificarem a produção dos grupos de rock como "produtos". Realmente são produtos feitos para o consumo imediato, confirmando o que já dizia Andy Warhol: - "No futuro todos seremos famosos. Ao menos por 15 minutos". Afora as naturais brigas e divergências que fazem os conjuntos de adolescentes terem múltiplas substituições antes mesmo de conseguirem fama e fortuna, a própria velocidade do mercado, com novos "produtos" (leia-se conjuntos) a cada quinzena faz com que a rotatividade seja mais rápida do que o tráfego de casais no Rick's nas noites de sábado... Inútil querer apreciar o fenômeno do rock-consumo em termos estético-artístico. Com raras (e honrosas) exceções - que apenas confirmam a regra - 99% dos grupos que chegam ao disco (e dos inéditos, então nem é bom falar) não tem a menor condição. Fraquíssimos como instrumentistas, buscam suprir nos efeitos eletro-acústicos, na voltagem, nos decibéis a mais, a incompetência musical. As letras das músicas são ingênuas ou falsamente agressivas - buscando um humor que já cansou há muito. Em nome da juventude pode-se perdoar muitos pecados e a produção do rock se volta a um público-alvo que também não é exigente e pela sua própria transformação estará no próximo verão ou primavera, em outra faixa de preferência. O importante é o consumo. Rápido e agressivo. AS BOAS EMBALAGENS Reconheça-se, entretanto, que há competência na venda destes produtos. A WEA, dirigida por André Midani, um executivo com a eterna síndrome de Peter Pan, investe tanto no lixo-pop internacional, trazendo pacotes e pacotes de grupos de rock do Exterior, como também tentando encontrar no rock nacional um talento semelhante aquele que viu explodir na fase da Tropicália, quando então dirigia a Polygram - e os tempos musicais eram outros. Até um coroa é transformado em ídolo jovem - como o Kid Abelha [Vinil], enquanto do "Rock Voador" surgiram dezenas de conjuntos escalando o pau-de-sebo da eletrificação musical. A Odeon, na semana passada, deu uma prova de competência promocional ao divulgar, simultânea e nacionalmente, o novo lp do grupo "Paralamas do Sucesso" ("Selvagem?" abril/86), um dos conjuntos dos anos 80, e que em dois lps anteriores ("Cinema Mudo" e "O Passo do Lui"), já tinha mostrado alguma ironia em certas canções. Farto material publicitário e explicações mil de Herbert Viana, Bi Ribeiro e João Barone, os integrantes do grupo. Por exemplo dizem que "Selvagem?" é um disco sem truques. - "Não estamos em busca de raízes ou conciliações. Estamos estimulados pela experiência de abrir uma porta e dar com uma sala maior que a que estávamos". E realmente, como vem sendo destacado pela crítica nacional, desta vez - sem abandonar descontração e o humor - os Paralamas chegam até o social, como em "Teerã" ("Por quanto tempo ainda vamos ver/fotografias pela manhã/imagens de dor/lições do passado/recentes demais para esquecer"). Uma afetuosa participação especial de Gilberto Gil ("A Novidade") bons instrumentistas para uma produção cuidadosa (Liminha, experiente na área), fazem com que Os Paralamas continuem no sucesso em sua estrada roqueira - ao menos enquanto tiverem combustível para isto. Mas se Os Paralamas do Sucesso já tem seu público seguro - e podem fazer shows cobrando até Cz$ 150 mil - há uma infinidade de novos conjuntos. Em março, a Odeon Lançou quatro grupos, dentro do projeto EP-Extended, com no máximo 8 faixas - numa fórmula que, há 5 anos, já havia sido tentada pela Polygram ("New Disc"), possibilitando oferecer o produto a um preço mais barato. Inicialmente, o projeto saiu com quatro grupos: Plebe Rude, de Brasília, "Lado B", do Rio de Janeiro, Zero e Muzak, de São Paulo. Como escreveu Tom Leão, especialista na área, o Zero em "Passos no Escuro" e o Muzak têm muito em comum, além do fato de serem paulistas - onde o movimento heavy é o mais forte (tanto é que a etiqueta alternativa "Baratos Afins" já fez dezenas de edições). Há dois anos estão batalhando e agora chegam ao disco. BRASÍLIA: CAPITAL DO ROCK Impressionante o número de bandas de rock que surgiram em Brasília nos últimos anos. Há as famosas, já consagradas - como Legião Urbana - e novas como a Plebe Rude, nascida em 81, de pedaços do Blitz e da Metralhas (nada em comum com o arqueológico conjunto de Paulo Hilário da Curitiba dos anos 60). A formação do Plebe Rude dura até agora: Guthie na bateria e vocais; André no baixo; Philippe na guitarra e vocais e Jander na guitarra base e vocais. Há 3 anos a Plebe Rude começou a fazer apresentações em São Paulo (bar Napalm) E Rio (Circo Voador), geralmente divididas com a Legião Urbana e Capital Inicial - também de Brasília. Agora, seguindo o caminho de vários outros conjuntos de Brasília, o Plebe Rude ganhou seu primeiro Eplay pela Odeon, com sete faixas: "Até Quando Esperar", "Proteção", "Johnny", "Minha Renda", "Sexo e Karatê", "Seu Jogo", e, naturalmente uma intitulada "Brasília". PAU DE SEBO Guti, (32 anos, diretor de produções da RCA, na fonografia desde os 17 anos, tem apostado na fórmula dos discos pau-de-sebo, ou seja, reunião de vários grupos para ver o que se destaca. Assim fez quando estava na WEA ("Circo Voador") e repete em outras gravadoras a RCA fez isto no Rio Grande do Sul, em "Rock Grande do Sul", numa reunião de vários conjuntos de Porto Alegre, como o Garotos de Rua que estourou um sucesso - "Sopa de Latinhas"; Engenheiros do Hawaí e, especialmente Os Replicantes, que pelo visto, com seu som ultra-ensurdecedor, agradou tanto que já ganhou até um lp próprio ("O Futuro é Vortex"), repleto de hard cores - ou seja, músicas proibidas para execução pública: "Mulher Enrustida", "E Porque Não" e "Choque". Também não é para menos, pois em "Mulher Enrustida" a apelação é grande. (...Não adianta só ficar se mostrando/Eu já me cansei de te ficar secando/Eu quero mais é que se vá chupando/Eu tô de saco cheio da mulher enrustida"). Numa prova de que a garotada dos Replicantes - o título foi inspirado no filme "Blade Runner" (EUA, 83, de Riddley Scott) não tem papas na língua, eis só uma frase de outra faixa proibida ("Porque Não"): Fui transar com uma mina/Que mordeu o meu pau duro. Referindo-se aos baianos, na mesma canção (sic), dizem: Já peguei no pé do Gil/Quero que o Caetano/Vá pra puta que o pariu. Outro pau-de-sebo reunindo roqueiros gaúchos é o "Rock Garagem", Produção de Ricardo Barão para a ACIT, etiqueta com sede em Caxias do Sul e cujos discos são distribuídos pela Polygram. No segundo volume de uma série que pretende trazer os roqueiros dos Pampas, foram reunidos conjuntos que se chamam Os Eles, Spartacus, Câmbio Negro, Prize, Os Bonitos, Banda de Banda, Projeto Urbano e Atahualpa Y Os Panques - maldade que se faz com o nome e imagem do grande guitarrista folclórico argentino Atahualpa Yupanqui, há tantos anos radicado em Paris. FOGO NO EDIFÍCIO A quantidade de conjuntos é tamanha que mesmo os mais jovens e interessados nesta faixa devem ter dificuldade de acompanhar as ofertas. Por exemplo, em São Paulo, a RGE lança um grupo chamado 14º Andar ("Diversão do Mundo"). Ouve-se o disco e se tem que com o lúcido Maurício Kubrusly: "Eles repetem o já feito dezenas de vezes, sem qualquer lasca de originalidade que cintile. As letras são tão grandes que muito político por aí pode se sentir ameaçado. Ainda mais quando perceber que a quilometragem dos versos acena com um tipo de crítica que já virou bagaço, de tanto que foi mastigada por gerações and generations". Qual a razão do título escolhido pelo grupo? Na faixa "Do 14º Andar", talvez inspirados pelas tragédias dos edifícios Joelma, Andraus e Andorinha, descrevem (sic) o drama de um grupo de pessoas isoladas no 14º andar de um prédio em chamas: Talvez pular seja a salvação/Viver sua última emoção Devagar vai chegando até você/Não adianta descer Não há salvação/Esperar por socorro é se iludir Isso não é filme nem sonho/Daqui você não vai sair Com vida você não vai sair/Do 14º andar. O gaúcho Teixerinha, por muito menos, em 1963, com seu "Coração de Luto", ficou conhecido como o autor de "Churrasquinho de Mãe". E os roqueiros? Se não abandonam, totalmente, a busca do humor, os garotos do Biquini Cavadão (Bruno/Miguel/Sheik/Álvaro/Coelho), em seu segundo lp ("Cidade em Torrente", Polygram), trazem ao lado de duas faixas já catapultadas devidamente ("No Mundo da Lua" e "Tédio"), três surpresas instrumentais: "Teu Barato", e "O Drama II" com solos de Miguel Flores da Cunha nos teclados; já o guitarrista Carlos Coelho exibe méritos em "A Grande Surda". Não chegam a serem virtuoses, mas considerando que integram esta geração elétrica surpreendem agradavelmente. Em compensação há bobagens como "Cadela Pornográfica", composição coletiva, com uma letra das mais indigentes - indigna até de um conjunto de escola de excepcionais ("Se uma cadela passasse por aqui/E me desse uma lambida na perna/Eu soltava "Um tapa... na cabeça dela/Eu não quero/Carinho de ninguém"). BLUES & LULU Como o trabalho dos roqueiros é em conjunto - e raros são os que possuem maior base - não é comum haver destaques que permitam vôos solos. Mas vez por outra isto acontece. Por exemplo, o guitarrista Celso Fonseca, co-autor (com Ronaldo Bastos) de "Sorte" (gravada por Gal e Caetano) chegou a um lp ("Minha Cara", WEA), no qual mostra méritos - e o que deveriam a levar a estudar mais a sério o violão e deixar de tentar ser cantor e compositor. Pode vencer, como guitarrista. Já Celso Blues Boy, bem sucedido em seu primeiro lp, chegou agora a uma produção mais sofisticada ("Marginal Blues"), cuidadosa realização, bons arranjos, méritos na guitarra, instrumentista de competência acompanhados de um repertório interessante - tudo ele próprio. Por suas influências jazzísticas - a partir do próprio nome adotado, um jovem que se destaca entre tantos e que pode (e deve) merecer atenção especial. Finalmente, Lulu Santos, o mais badalado cantor-compositor guitarrista, deixando a WEA - onde fez vários LPs - e estreando agora na RCA, tem um disco mix para catituar seu elepê na nova gravadora. E, dentro de sua linha de otimismo, não deixou por menos: a faixa de trabalho para aparecer chama-se "Tudo Bem". Vamos aguardar o lp, com as outras músicas, para ver se o seu otimismo azul se confirma. LEGENDA FOTO 1 - Plebe Rude: o rock de Brasília LEGENDA FOTO 2 - Os Paralamas do Sucesso: vida inteligente nas letras? LEGENDA FOTO 3 - Lulu Santos: otimista, como sempre LEGENDA FOTO 4 - Celso Blues Boy: guitarra com imaginação LEGENDA FOTO 5 - 14º Andar: Churrasquinho de roqueiro
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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18/05/1986

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