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Aramis

Bergman, entre gritos & sussurros

Considerado pela crítica carioca como o melhor filme lançado no Brasil em 1974, premiado com o Oscar de melhor fotografia em 1973 e vários outros [prêmios] de críticos americanos, "Gritos e Sussurros" finalmente chega na cidade. Um filme de Bergman é, como sempre, um filme hermético e difícil. Por isso mesmo inquietante e desafiando o espectador que gosta de temas difíceis tratados com inteligência na tela. Uma obra polêmica que merece a atenção Um filme de Bergman não cabe num registro rápido e momentâneo de jornal. Exige, no mínimo, um ensaio. Afinal, não é por nada que o cineasta sueco é estudado e discutido por psiquiatras e psicólogos - tanto ou mais do que por críticos de cinema. No máximo, uma informação pode auxiliar ao espectador menos entrosado no labiríntico universo bergmaniano a encontrar caminhos que esclareçam, ou ajudem a esclarecer, as suas proposições. Com o intervalo de menos de uma semana, o público curitibano tem oportunidade de conhecer duas obras da importante filmografia germaniana: "O Sétimo Selo", de 1956, e "Gritos e Sussurros", de 1971-72, o primeiro exibido até domingo passado no cine Scala. O segundo, agora no cine Scala. Enquanto "O Sétimo Selo" só chegou ao Brasil braças ao grupo Cinema-1, que o importou no ano passado, junto com outro de seus filmes que permanecia inédito ("O Rosto", Ansiktet, 58), "Viskningar Och Rop" chega precedido de avais capazes de atrair uma faixa maior do que o reduzido público que soube compreender "O Sétimo Selo". "Gritos & Sussurros" concorreu ao Oscar, em várias categorias, em 1974, recebendo apenas um: o de fotografia, pelo trabalho perfeito de Sve Nykvist. A National Society of Films Critics o considerou como o filme de melhor roteiro e melhor fotografia entre as produções lançadas nos EUA em 1973. O New York Film Critics foi mais generoso: melhor filme, melhor roteiro, melhor atriz (Liv Ullmann) e melhor fotografia. No Festival de Cannes foi exibido "Hors Concours" e, para a crítica carioca, foi considerado o melhor filme exibido no Rio de Janeiro no ano passado: 167 pontos na votação dos críticos da Cinemateca do Museu de Arte Moderna, e 188 pontos no referendo organizado pelo Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. xxx Tantas referências elogiosas talvez auxiliem a carreira de "Gritos e Sussurros". Um filme que precisa realmente de uma atenção especial, pois se dirige a um público capaz de entender todo o complexo e demoníaco universo de Bergman - mas que é terrivelmente humanista em suas intenções. "Gritos e Sussurros", como "O Mensageiro" (The go Between, de Joseph Losey) é um filme com uma fotografia (de Nykvist) e cenografia (Marik Vos, com assistência de Ann-Christin Lobraten) tão perfeitas, que qualquer fotograma, se ampliado, transforma-se numa obra de arte independente. Raras vezes o vermelho foi tão constante na plasticidade de um filme - realizado quase que exclusivamente em interiores, com duas rápidas seqüências exteriores. Muitas imagens têm a força de telas de Munch na visão da doença e da morte, ou de Velazquez, no regime plástico. Para não falar na já famosa cena que lembra a Pietá, de Miguel [de Angelo], quando a empregada Anna (Kari Sylwan) coloca sobre o seu colo a personagem Agnes (Harriet Andersson). Da primeira à última seqüência de "Viskningar Och Rop", não há uma cena em que a concepção plástica não seja perfeita. Só isso já faz com que se veja o filme com redobrada atenção, exigida pela linguagem fragmentada em termos de cronologia, dentro de um desespero contido no huis clos de u'a mansão pesada, onde vivem - subvivem - os dramáticos personagens deste filme realizado por um cineasta que já marcou uma de suas fases com um chamado "cinema de câmara" (referente ao teatro de câmara de Strinbert, um dos autores que mais o influenciaram, como lembrou Ely Azevedo em sua crítica no JB - 8-10-74). Pelo tema - ou mesmo pelas intérpretes - "Gritos e Sussurros" pode lembrar outro famoso filme de Bergman - "O Silêncio" (Tyrstnaden, 63) ou mesmo "Persona" (1966), mas há, como em todos os seus filmes, uma linha muito própria de visão do subconsciente dos angustiados personagens - querendo libertar-se de um mundo fechado na memória/cérebro de cada um. Lembrando ainda o lúcido comentário de Azevedo: "Nesse filme estão todas as grandes linhas de pensamento e da arte bergamniana: as influências de gênios escandinavos, de Strindgerg a Dreyer; os reflexos da formação cristã (definitivamente encerrada com a trilogia em torno do Silêncio de Deus); o existencialismo, especialmente pela vertente de Kirkegaard (já que a essência do melhor do cineasta é cultivar com paixão religiosa a dúvida de toda certeza)". Sem dúvida, "Gritos e Sussurros" é um filme que o espectador não deixa na porta do cinema. Carrega as imagens belas e terríveis para a casa e muitas horas de reflexão e discussão. Se alguém pretende ver apenas um filme "para diversão", não procure, por favor, "Gritos e Sussurros". Mas se gosta de ver uma mostra de talento e inteligência, pode ir que não se arrependerá. Muito pelo contrário!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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17/04/1975

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