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Aramis

Bom saldo no festival de Cinema de Brasília

Brasília "Não invejo o trabalho de vocês", dizia Pola Vartuk, uma das mais respeitadas críticas de cinema, há mais de 15 anos escrevendo no "O Estado de São Paulo", ao cineasta Sérgio Rezende, membro do júri de longa-metragem, na madrugada de segunda-feira - véspera do encerramento do XIX Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A experiente Pola, que, por várias vezes integrou o júri deste Festival ("aliás, é a primeira vez que eu venho apenas como jornalista") externava um fato: o bom nível dos filmes em competição. Independente de apreciações estéticas (e pessoais) dos curtas, médias e longas que pariticiparam deste evento promovido pela Fundação Cultural do Distrito Federal, o fato é que, cinematograficamente, o resultado foi dos mais positivos. Realmente, a Embrafilme foi fundamental para que o Festival de Brasília - nesta sua 19ª edição em 22 anos de existência - tivesse filmes de tamanho interesse e competência em disputa dos troféus "Candango" e Cz$ 500 mil em prêmios. Retrato do Brasil - coincidência ou não, os curtas e médias que foram apresentados definiram um autêntico, sincero e por vezes desagradável - mas verdadeiro - retrato do Brasil, em seus mais diferentes problemas. Sem a maquilagem da televisão - especialmente do "Globo Repórter" - com imagens muitas vezes pobres e primitivas, documentaristas voltaram os olhos para problemas do homem do campo - como o drama dos mutilados pelas máquinas de beneficiamento do sisal (um rami) no Interior da Bahia (em "Fibra", de Fernando Belens) - um problema também existente no Paraná (região de Uraí), ao mundo triste, cinzento e sem esperanças dos bóias-frias, apreciado nos dois últimos médias-metragens em competição: "A Classe que Sobra", 24 minutos de Peter Overbeck e "Mulheres da Terra", 35 minutos, da atriz e cineasta Marlene França, confirmando sua visão social e política, que, há 3 anos, a levou a realizar o emocionante curta "Frei Tito", sobre o dominicano Tito de Alencar Lima (1945-1974), vítima da ditadura militar e que se suicidou em Lyon, na França, há 12 anos - curta proibido no Brasil por dois anos e levado já em vários festivais internacionais. O drama dos índios ("Aos Ventos do Futuro", 50 minutos, de Hermano Alves), as crianças abandonadas no Rio de Janeiro ("Vam'Pra Disneylândia", 15 minutos, do ator Nelson Xavier), as comunidades de base ("Igreja da Libertação", 59 minutos, de Sílvio Da-Rin), o assassinato de líder sindical no Nordeste ("Quem Matou Elias Zi?", misto de filme de animação e documentário, de Murilo Santos) foram outros momentos importantes na documentação da realidade brasileira. Mesmo um longa-metragem aparentemente centrado na figura do pugilista Eder Jofre ("Quebrando a Cara", de Ugo Giorgetti) e médias-metragens sobre o arquiteto Gregori Warchavchik (1886-1972), realizado pelo paranaense Joatan Vilela Berbel e a visão da cultura e música dos anos 60 ("Infinita Tropicalia", de Adilson Ruiz), espelharam preocupações sociais em suas concepções. Só este aspecto já faria do Festival de Brasília um evento importante, que longe de estar condenado à morte - como foi, apressada e cretinamente anunciado em seu segundo dia, revigorou-se cultural e politicamente neste ano. Ao invés de estrelas, a seriedade - a piscina do Hotel São Marcos não teve estrelas do nosso cinema - e quem mais mergulhou na fria água foram só as crianças presentes ao Festival, trazidas por pais pouco famosos - mas ligados à administração e realização cinematográfica. Aliás, o clima deste Festival - ao contrário da mitologia que cercou, por anos, tais eventos, não poderia ter sido mais comportado e familiar. Basta dizer que o piano's bar do Hotel São Marcos só ficou aberto até a madrugada uma única noite, quando ali se apresentou uma afinada big band brasiliense, mas que às 2:30 horas encerrou as apresentações de seu repertório com standards de Glenn Miller e Tommy Dorsey. Em compensação, os debates no auditório do hotel, em que pese, nos 3 primeiros dias, as provocações e agressões do curta-metragista Sérgio Santeiro, foram bastante produtivos, com análises inteligentes em torno dos filmes em competição. Na segunda-feira, na Universidade de Brasília, os professores Geraldo de Moraes (realizador do longa "A Difícil Viagem", já visto há um ano, no Cine Groff, em Curitiba) e sua esposa Malu Moraes (também cantora, um elepê gravado na Continental há 10 anos) promoveram uma mesa-redonda sobre "Perspectivas Estéticas do Cinema Brasileiro", para marcar o lançamento do volume de 183 páginas (Editora da Universidade de Brasília/Embrafilme), contendo integrados profundos debates realizados há um ano (outubro/85), durante o XVIII Festival de Cinema em Brasília, com a participação de Denoy de Oliveira, Geraldo Moraes, Geraldo Veloso Simões, Ipojuca Pontes, Ismail Xavier, José Carlos Avellar, Pastor Vega (cineasta cubano, diretor do Festival de Havana e autor de "La Habanera", visto agora, na Mostra Informativa sobre cinema latino-americano), Sílvio Tendler, Walter Lima Jr. e Werner Schunemann. O Festival de Brasília, edição 86, mostrou que há bons filmes sendo realizados - com diferentes enfoques e propostas e que o "boom" experimentado neste ano, com salas lotadas em todo o País, deve repetir-se em 1987. Voltaremos ao assunto, com maiores detalhes nos próximos dias.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
06/11/1986

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