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Brasília conhecerá hoje o filme sobre Leminski

Brasília Enquanto Porto Alegre concorre na categoria de curtas-metragens com três trabalhos - "Memória", de Roberto Hankin (exibido ontem à noite), "Mazeltolve", de Jaime Lerner (homônimo do alcaide curitibano) e Flávia Selligman (programado para domingo) e "Festa de Casamento", de Sérgio Silva - e Florianópolis, que não conseguia realizar um filme em 35mm há 32 anos (desde a frustrada experiência de "O Preço da Ilusão"), entrou com "Manhã", dos jornalistas cineastas José Henrique Pires e Norberto de Pizolato, o Paraná está, mais uma vez, totalmente ausente deste festival de cinema brasileiro. A culpa não é dos nossos realizadores. Pelo menos quatro curtas arrastam-se há quase dois anos e só não foram concluídos porque a burocracia da Embrafilme (antes da extinção) e a falta de patrocínio privado e público de nosso Estado, fez com que os filmes estejam rodados, alguns em montagem prévia, mas sem condições de serem concluídos. "Lápis, de cor e salteado", de Nivaldo Lopes (Palito), sobre o compositor Palminor Rodrigues Ferreira (1943-1977), concluído primitivamente, foi inscrito ao festival de Gramado, mas a comissão de seleção o cortou - recomendando uma remontagem. Fernando Severo, que há dois anos, com seu elogiadíssimo "O Mundo Perdido de Kozak", conquistou a maioria dos prêmios na categoria de 16mm em todos os festivais que participou (RioCine, Gramado, Jornada da Bahia, Brasília) não pôde, apesar do curriculum adquirido, ainda concluir seu curta-ficção, com um único ator e rodado no Litoral paranaense. Fernando Morini, que fazendo das tripas coração vinha trabalhando em seu "A Loira Fantasma", cansou-se de mendigar recursos e colocou os negativos no freezer: passou os últimos meses equilibrando suas conturbadas finanças fazendo a campanha do empresário paranaense Henrique Almeida, que obteve uma cadeira ao Senado pela Rondônia. E o filme-de-animação dos irmãos Wagner - "A Flor", pelas próprias dificuldades de realização, também não está pronto. É triste que, mais uma vez, o Paraná fique ausente de um festival nacional, onde só o fato de um trabalho cinematográfico competir já garante boa mídia cultural. Trabalhos recém-concluídos, como "O Candidato", do estimado Bolinha (Altemir Silva) e o vídeo "De Bona - cara palavra", dos irmãos Werner e Willi Schulmann, devem concorrer ao RioCine Festival, que vai ocupar as datas anteriormente reservadas ao FestRio, este ano suspenso por falta de recursos. Entretanto, antes terão que passar por uma seleção, já que naquela mostra estarão disputando muitos curtas em 16/35mm e centenas de vídeos concluídos nos últimos dias. xxx Indiretamente, Curitiba poderia estar presente, dando uma demonstração concreta de prestigiamento ao seu poeta Paulo Leminski (1944-1989). Como aqui denunciamos há duas semanas, o cineasta Pedro Anisio, paraense de Belém do Pará, mas com ligações curitibanas - e aqui tendo residido por três anos - em 1984, quando veio contratado pela Secretaria da Comunicação Social do governo José Richa, aproximou-se de alguns núcleos de cinema. Leitor e admirador da obra de Leminski, tornou-se seu amigo e o convidou para um projeto que, pelo sentido de vanguarda, entusiasmou o autor de "Catatau": um curta inspirado em Oswald de Andrade (1890-1954), que o teria como ator principal - experiência que Paulo sempre desejava fazer, pois o cinema esteve sempre entre suas paixões, desde os tempos do pioneiro Cine Clube Pró-Arte, fundado por José Augusto Iwersen, e no qual o poeta se entusiasmava com obras de Godard, Truffaut, Eisenstein e outros cineastas - sobre os quais expunha teorias em longas discussões com seu grande amigo Lelio Sottomaior Jr. Numa manhã de domingo, Pedro Anisio foi a casa de Paulo Leminski na Cruz do Pilarzinho e, apesar da boemia noitada anterior, o poeta levantou, tomou banho e foi às filmagens no Alto do São Francisco. Uma seqüência meio surrealista, com toques oníricos, na qual Paulo aparecia ao lado de mendigos, foi rodada com câmera de Jaime Brustolim, em 35mm, a cores. Seria uma das seqüências para o filme idealizado por Anisio - e que, obviamente, em seu desenvolvimento, teria a participação de Paulo também como co-roteirista. Infelizmente, como tem acontecido tantas vezes no cinema em todo o mundo, o projeto acabou ficando somente nestas filmagens. Problemas pessoais de Leminski - que logo depois iria morar em São Paulo e o retorno de Anisio a Brasília, fizeram o filme "ficar para o futuro que, infelizmente, não aconteceu", como diz o cineasta. Paulo acabaria morrendo no ano passado e o filme ficou incompleto. Durante o 22º Festival de Brasília, Pedro Anisio nos falou a respeito, quando publicamos em O Estado ampla notícia a respeito - "uma das razões que achei que deveria retomar o projeto". Na época, após a publicação de nossa notícia, a assistente social Celise Niero, que ocupa a direção de arte e programação da Fucucu, procurou Anisio e um de seus maiores amigos, o paranaense Carlos Homero Camargo Lima, fazendo promessas de que "a Fundação iria ajudar", como diz o cineasta. Ajuda que não se concretizou, muito pelo contrário. Apresentando, a pedido da assistente social Celise um orçamento para fazer um curta sobre Leminski, que seria enriquecido com filmagens em Curitiba, depoimentos de amigos - Gilberto Gil, Moraes Moreira, os irmãos Augusto e Haroldo Campos, Decio Pignatari e muitos outros - obviamente que a proposta implicou em uma soma para arcar com as despesas de produção, filmagem e finalização. Desprezando a proposta - sem sequer a educação de responder os telefonemas de Pedro Anisio (que gastou mais de Cr$ 15 mil em interurbano), a Fucucu simplesmente inviabilizou a chance de ser realizado o filme como Anisio pretendia - inclusive destacando Curitiba, tão amada pelo poeta em suas imagens. Assim, com recursos próprios, o cineasta decidiu fazer um "filme hai-kai", utilizando apenas as seqüências rodadas. Amigos de Brasília, admiradores de Leminski - músico Tom Capone, o jornalista Antonio Roberto Prates (que fez o roteiro), ator J. Pingo (irmão de Paulo Cesar Pereio), Denise Brand Anisio (arte dos créditos) se uniram para que fosse concluído. Roberto Pires, diretor de "Césio 137", cedeu alguns pés de filme para seqüências adicionais e o filme foi montado, da forma mais econômica, na Líder, em São Paulo. "Obviamente que o trabalho está longe do que pretendia, mas não poderia deixar inéditas estas imagens", comenta o cineasta, admitindo que o filme pode ainda vir a ter melhor aproveitamento - conforme o projeto apresentado na Fucucu (que, entretanto, nem sequer chegou a fazer uma contraproposta). Considerando que a Prefeitura de Curitiba, através de sua Secretaria de Cultura, tem investido somas vultuosas para "preservar e divulgar a obra de Leminski" - inclusive financiando temporadas de uma milionária cantora chamada Fortuna, em palcos do Rio e São Paulo - é de se indagar se não deveria apoiar este projeto. Além do mais, para uma instituição que vai gastar milhares de dólares para subsidiar uma discutível extensão da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo que, no final, será visto por uma minoria da população, não pode alegar "falta de recursos" para não participar deste projeto. Se o curta de Pedro Anisio - que hoje à noite, terá sua primeira exibição no Cine Brasília - fosse realizado com apoio do município, acompanhado de cartazes, material promocional, por certo que Curitiba teria, mesmo que indiretamente, boa mídia cultural no Distrito Federal - e em outras cidades onde seja exibido. LEGENDA FOTO - Paulo Leminski: um "Cine hai-kai" ilumina a tela no Festival de Brasília.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
12/10/1990

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