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As bruxas macarthistas chegam no Guaíra dia 27

Reconhecido como um dos mais importantes textos do teatro contemporâneo, "As Feiticeiras de Salém", de Arthur Miller (auditório Salvador de Ferrante, 16 de setembro a 27 de novembro) será não apenas a última grande encenação deste ano mas poderá significar a última produção do Teatro de Comédia do Paraná a curto prazo. Como se desconhecem os projetos culturais efetivos dos candidatos ao governo especialmente em relação à política teatral, poucos são os que apostam que, nos primeiros meses da próxima administração, aconteçam grandes produções. Para Marcelo Marchioro, 38 anos, 18 de teatro - dos quais os últimos 5 em tempo integral -, a encenação do texto de Arthur Miller representa um projeto carinhosamente curtido há muitos anos, desde quando, ainda adolescente, tomou conhecimento da peça que trata de um fato real acontecido na comunidade de Salem, Massachussets, em 1692, quando 20 pessoas (e até dois cachorros) foram enforcados, acusados de bruxaria. Uma histórica trágica em si mas com conotações políticas: em 1952, quando Miller decidiu escrevê-la, o comitê presidido pelo senador Joseph Raymond McCarthy (1908-1957) incrementava as perseguições a todos os suspeitos de "atividades anti-americanas". Milhares de pessoas - entre os quais centenas de atores, cineastas, produtores, escritores etc. (e o próprio Arthur Miller) - sofreram a chamada "caça às bruxas". Portanto, "The Crucible" não poderia ser mais atual e simbólico. A coragem de Miller custou caro: além de ter ampliado sua ficha negra no FBI, a primeira temporada da peça no Martin Beck Theatre, em Nova York - onde estreou a 22 de janeiro de 1953 -, não teve sucesso. A produção de Kermit Bloomgarden foi dirigida por um encenador que embora com um passado de sucessos se encontrava em baixa, Jed Harris. A primeira montagem reuniu em seu elenco o então jovem Arthur Kennedy (1914-1990), com 27 anos, como John Proctor, principal vítima do processo, ao lado de Walter Hempden, então com 80 anos, como Danforth e Joseph Sweeny, como Giles Corey. Dois artistas viriam a se tornar - como Kennedy - conhecidos através do cinema: E.G. Marshall e Beatriz Straight - que como Elisabeth ganhou o Tony de melhor atriz coadjuvante (três outros troféus seriam dados à montagem: melhor texto, autor e espetáculo). A primeira apresentação de "The Crucible" não foi, entretanto, em Nova York, mas sim em Wilmington, Delaware, sede do império da Du Pont. Elia Kazan, que era grande amigo de Miller e tinha dirigido seus dois primeiros sucessos - "All is My Sons" e "A Morte do Caixeiro Viajante" nem chegou a ser cogitado para a encenação: dois meses antes, ao depor perante o comitê de McCarthy, denunciou vários colegas integrantes do Partido Comunista, numa posição que marcou toda sua vida - mesmo tendo feito excelentes obras posteriormente, inclusive algumas de cunho social, como "Sindicato dos Ladrões" (1954). xxx A curta temporada de "The Crucible" no Martin Beck Theatre, teve substituições quando Arthur Kennedy e Beatrice Straight foram filmar em Los Angeles - substituídos por Maureen Stapleton e E.G. Marshall. Dois anos depois, um nova encenação: que o próprio Miller descreve em seu livro de memórias "Uma Vida" (Editora Guanabara, 1987, tradução de Raul de Sá Barbosa, 556 páginas). "Em menos de dois anos, como sempre nos Estados Unidos, muita coisa mudaria. O macarthismo entrou em decadência, embora vitimasse muita gente e, em versão nova, de Paul Libin, "The Crucible" foi levada em uma das primeiras produções off-Broadway na história de New York - num teatro do Martinique Hotel. Era uma produção de jovens. Muitos dos atores neófitos, não tinham a experiência do cast original. Mas desta vez a peça foi representada como estava escrita, desesperada e ardente, e ficou em cartaz quase dois anos. Alguns dos críticos inevitavelmente concluíram que eu havia revisto o texto, mas, na verdade, nem uma só palavra fora alterada, embora o tempo tivesse mudado, e era possível sentir agora algum remorso pelo que tinham feito a nós mesmo no começo daqueles anos de caça aos vermelhos. A metáfora das imortais forças subjacentes, que podem sempre vir à tona um dia, era agora coisa que cabia à imprensa considerar admissível". "Com o tempo, "The Crucible" se tornou, sem comparação, a mais representada de minhas peças, tanto no Exterior quanto nos Estados Unidos. Seu sentido muda, de certo modo, com o lugar e a ocasião. "Eu posso quase sempre saber qual é a situação política de um país quando a peça se converte subitamente num grande êxito, servindo de advertência a uma tirania nascente ou lembrando uma tirania que acabou de terminar". "Ainda no inverno de 1986, a Royal Shakespeare Company, depois de levar "The Crucible" em catedrais e praças da Inglaterra, encenou-a em inglês durante uma semana em duas cidades da Polônia. Havia algumas importantes figuras do governo na platéia, reforçando com sua presença a mensagem da peça, de resistência a uma tirania que eles eram forçados a servir. Em 1980, valeu como metáfora à vida do tempo de Mao e da Revolução Culturaal, décadas em que a denúncia e a culpa forçada dominaram na China e quase destruiram ali os últimos sinais de vida inteligente". xxx Em 1958, o diretor Raymond Rouleau fez na França uma versão cinematográfica, com Simone Signoret e Yves Montand (ambos, então, membros do partido comunista). Nos EUA, mesmo com todo liberalismo, até hoje nenhum produtor pretendeu filmá-la. A versão cinematográfica foi classificada de "tocante" por Miller, mas que faz restrições ao roteiro de Sartre: "O script de Sartre, ao meu ver, lançou uma arbitrária rede Marxista sobre a história, o que levou a alguns absurdos. Sartre atribuiu o surto de feitiçaria a uma luta entre camponeses ricos e pobres, mas na realidade vítimas como Rebeca Nurse, que pertencia à classe dos grandes proprietários de terra, e os Proctors, como os demais, não eram, de maneira alguma, pobres. Divertiu-me ver, nas paredes da sede da fazenda, crucifixos que seriam de esperar de lares católicos franceses mas nunca numa casa de puritanos. Apesar disso, Simone Signoret esteve muitíssimo comovente, e o filme tinha uma nobre grandeza". O filme "As Feiticeiras de Salém" teve modesta carreira no Brasil. Em Curitiba, foi exibido no antigo cine Arlequim (Largo Frederico Faria de Oliveira) em 1961, apenas durante uma semana e mesmo os intelectuais da cidade lhe deram pouca atenção. LEGENDA FOTO 1 - Christiane de Macedo, rostinho bonito, esforça-se para mostrar talento num papel difícil sob direção de Marchioro. LEGENDA FOTO 2 - Silvia Natureza, uma nova atriz ganhando papel de destaque em "As Feiticeiras de Salém". LEGENDA FOTO 3 - Marcelo Marchioro: exorcizando as bruxas macarthistas num espetáculo atual.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
18/11/1990
Como eu encontro o texto original de The Crucible?

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