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Aramis

Cartas

Antônio Bittencourt Ferreira (Bela Vista do Paraíso) - "As crianças gritavam em coro: O vovô vai se aposentar. Viva. O vovô vai se aposentar. Comida e roupa, papai é quem dá. Mamãe fez sua parte cozendo e lavando. Papai e mamãe trabalham. O vovô está muito cansado e velhinho e a fim de passar o tempo cuida da horta. Todos gostam da roça. E` uma cerimônia religiosa o ver as plantas crescendo. Quando volta do trabalho, o pessoal se espalha pelo terreiro, deita na grama ou no chão bruto, vê estrelas, céu limpo e barulho estridente nas plantas. O mormaço foi substituído por uma temperatura amena e a terra empurra para o alto as hastes em direção ao crescimento. Dança. A viola chora. A Rosinha abraça o namorado e rodopia Outros entram no compasso. A Rosinha desapareceu entre os ciprestes e de longe ainda chegam, cada vez mais inaudíveis, choros de emoção e cochichos de amor. "Depois de uma noite úmida o milharal retém muitas gotículas de orvalho em suas folhas. As gotículas demoram para evaporar. Elas ficam grudadas nas folhas até o sol das nove horas. Os trabalhadores que passam ficam com as roupas molhadas como se tivessem apanhado chuva". "Da casa até a mina d` águas, onde as mulheres lavam roupa, existe um carregador. Depois que despachou a turma para o trabalho, mamãe desce o carreador com a trouxa de roupa na cabeça e vai até a mina, onde justamente com outras mulheres da redondesa lava a roupa da casa. O sabão de soda é uma bola. Arde a mão e fere. O pirulito, moleque peralta, tem vontade de chutar a bola de sabão e vê-la bater de cheio na cara da Laura. Ali é a falação da vida do próximo. O pirulito entra na conversa e ajuda. Todo mundo é ruim. Queria um vestido, estava guardando dinheiro e meu marido gastou-o em pinga. O meu gastou em jogo. O meu, em farra. O marido de fulana é que é homem etc. Mamãe ficou calada e fez que não ouviu. Mamãe sofre com o trabalho e com a maledicência. Mamãe é cristã. As vezes ela ouve coisas piores. A Laura disse que ia pular cerca para castigar o marido. Mamãe chorou. "Vovô está em casa. Ele espera a aposentadoria. O que vai fazer com o dinheiro? A netinha pediu uma boneca. O netinho um velocípede Dinheiro de vovô é para comprar brinquedo de criança. Vovô encaminhou os papéis no Funrural. Muita gente encaminhou. Os papéis voltaram. Precisava que alguém atestasse sob pena de criminalidade. Devolver a um velho um pouco pelo muito que fez e sofreu pode dar cadeia. Vovô fez outra papelada e está aguardando o dinheiro. Vai ser uma festa quando chegar o dinheiro do vovô. Só o Funrural poderá estragar a alegria. Alegria das crianças. Alegria do vovô.".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Panorama
1
12/04/1973

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