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Aramis

Cenas de sexo em Nova York e na Califórnia

Coincidentemente duas recentíssimas produções americanas trazem um olhar cínico, debochado mas atual sobre relações conjugais e sexuais entre pessoas das classes mais abastadas da paradisíaca Califórnia. "Cenas em um shopping" (exibido no Bristol na semana passada: breve edição em vídeo) e "Luta de classes em Beverly Hills" (cine Groff, somente hoje) tem muitas similitudes, além de realizadores identificados em suas visões de um tranqüilo american way of life distante do ordinary people em suas realidades econômicas. Estes dois filmes - como outras produções recentes - o sensível "Loucos de Paixão"(White Palace, de Luiz Madoki, exibido por três semanas nos cines Condor/LidoII), "A Fogueira das Vaidades" (cine Astor) e "Simplesmente Alice" (de Woody Allen, apresentado já em pré-estréia e com lançamento previsto para agosto no Ritz) - trazem claramente, sem sofismas, reflexos de uma nova moral americana, nos jogos do sexo, relações conjugais e, especialmente, extra-conjugais. Seja nos californianos "Scenes from a mail" e "Scenes from the Class Struggle", nos novaiorquinos "The Bonfire of The Vanities" (de Brian DePalma) e "Alice" (de Woody Allen) ou em "White Palace", ambientado em Saint Louis (com direito a final novaiorquino) os diários debochados, encontros & desencontros colocam por terra velhos tabus sexuais. Pelo menos em três destes filmes ("Luta de Classes...", "Loucos de Paixão" e "A fogueira das Vaidades") as personagens femininas falam repeditas vezes sobre os prazeres do sexo oral (em "Scenes from The Class Struggle" o atrevimento é maior: uma seqüência mostra uma cena explícita, assim como em "Loucos de Paixão" a coisa fica bem clara). Esta nova moral - capaz de arrepiar as senhoras de Santana e Adjacências, é encarada com a maior normalidade por um público, especialmente jovem - já que chegam com censura livre. Para uma geração que aprendeu a derrubar preconceitos de ordem sexual, aquilo que é falado, sugerido e mostrado não causa nem sequer mais excitação - provocando, talvez, muito mais aos adultos - ainda com suas cargas de repressão e problemas sexuais resolvidos. Alice (Mia Farrow) numa fábula sensibilíssima que Allen realizou com toda ternura e emoção (lembrando mesmo "A rosa Púrpura do Cairo") é uma esposa fiel, casada há 16 anos, que sente-se atraída por um músico (Joe Mantegna) mas cujo relacionamento torna-se difícil. As infelicidades e traições da bem sucedida psicóloga Déborah (Betty Midler) e do próspero advogado Nick Fifer (Woody Allen) em "Cenas em um Shopping" - claramente inspirado em Ingmar Bergman ("Cenas de um Casamento"), com musicais citações fellinianas e até uma homenagem a Índia, tem explosões num templo de consumismo - o Beverly Hills Town, entre agressões dirigidas de "Quem tem Medo de Virgínia Wolf?", mas com um final conformista. Mais sarcástico, quase como um Luis Buñuel (1900-1983) californiano em alguns momentos, o irreverente Paul Bartel, 53 anos, é cruel com os personagens de "Scenes from the class Struggle". As relações de dois serviçais - o chicano Juan (Robert Beltran) e o americano Frank (Ray Sharkey) com duas exemplares frangas solitárias ocasionalmente - a viúva Claire Lipkin (Jacqueline Bisset) e a recém-divorciada Lisabeth (Mary Woronov), durante um fim-de-semana em que integram-se outros personagens num clima beirando entre o vaudeville à sugestões de "Sonhos de Uma Noite de Verão" com entrecruzamentos sexuais, muitas discussões e um final em que todo parecem encontrar o seu caminho. Tanto Paul Mazursky em "Cenas num Shopping", como Bartel neste "Lutas de classes em Beverly Hills" trabalharam em poucos cenários, quase numa sugestão teatral...Mazursky - que como ator, aparece tanto em seu filme como no do amigo Bartel (ele é Sidney, o marido recém falecido de Clara, que insiste em permanecer ao lado da esposa em suas "cenas de um shopping" trabalhou com menos personagens, concentrando a ação entre Nick e Deborah - cansando até pelo excesso de diálogos. Bartel, cineasta que teve um aprendizado na Itália e fez muitos documentários antes de chegar a ficção, ao contrário, desenvolveu o roteiro de forma em que os outros personagens ganhassem destaque. Assim um frustrado dramaturgo, Peter Hepburn (Ed Begley Jr. ), chegando para uma visita a irmã Lizabeth, com uma nova esposa, a crioula Tobel (Arnetia Walquer, uma revelação), ajuda a desencadear toda uma série de confusões na mansão da vizinha Claire - onde todos passam o fim-de-semana (enquanto a casa de Lisabeth é detetizada). Um médico dentista, Mon Van de Kamp (o próprio Paul Bartel);,o ex-marido de Lisabeth Howard (Wallace Shawn). Seu filho, o adolescente Willie (Barret Oliver) e a empregada chicana, Rosa (Edith Diaz) entram numa roda-viva em que certeiros dardos críticos são jogados, provocando um humor inteligente mas incapaz de levar o espectador a gargalhada, exigindo inclusive alguma informação sobre a "cultura" de consumo americano (muitos nomes citados de personagens reais não chegam a ser entendidos em sua sátira pelos espectadores). Bartel, cujo humor causticante já havia lhe valido elogios por "Eating Raul" - e que há dois anos, tivemos o prazer de conhecer quando trouxe pessoalmente este "Scenes from the class struggle..." ao último FestRio (que aconteceu em Fortaleza, novembro/89) é um cineasta inteligente. Sem a leveza e poesia de Woody Allen, mas mais profundo que seu amigo Mazursky, propõe um painel contemporâneo de uma sociedade próspera financeiramente mas esgotada afetivamente - e imitadas, em seus vícios (e virtudes?) por novos ricos de países tupiniquins (o comportamento de certas peruas curitibanas, conhecidas freqüentadoras das colunas sociais, não difere muito do que fazem Claire Lipkin e Lisabeth Hepburn-Saravian, no filme). Claro que não há a incisão profunda que o bisturi-câmera do velho bruxo Buñuel sabia fazer ao ironizar a burguesia, nem o simbolismo que Felline transmite em sua "Doce Vida" - longe também da psicologia Bermaniana - mas assiste-se "Lutas de classes em Beverly Hills" com um imenso prazer. Especialmente porque além de tudo - a exemplo de "Cenas de um shopping" e "Simplesmente Alice" a trilha sonora é excelente: Stanley Myers montou a sound-track com temas que vão do "The Children's Corner Suite" de Debussy a "Let's Misbhave" (Cole Porter), passando por "These Foolish Things" (Jack Stracey/Harry Link) e até "Happy Birthday to You". NOTA: (*) Em "simplesmente Alice" também um personagem morto - ex-amante de Alice - reaparece com insistência, provocando uma das seqüências mais belas: um v6oo do casal sobre Nova York - ao estilo Superman. LEGENDA FOTO: Mary Woronov, uma atriz que chega do teatro, ainda desconhecida no Brasil, é uma presença agradável em "Luta de Classes em Beverly Hills" (hoje, último dia de exibição no Groff).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
27/06/1991

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