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Aramis

Chamamento Nativista (IV)

Pesquisador incansável e dos mais respeitáveis, J. C. Paixão cortes revelou nacionalmente o pioneirismo dos gaúchos na indústria fonográfica. Há dez anos, no I Encontro de Pesquisadores da Música Popular Brasileira (28 de fevereiro / 2 de março, auditório Salvador de Ferrante), que tivemos a felicidade de idealizar e promover, Paixão Cortes já trazia informações sobre o pioneirismo de Savério Leonetti, que em 1913, em Porto Alegre, instalava a "Elétrica", por onde faria pioneiras gravações - inclusive dos primeiros tangos que, ao contrário do que se supunha, não foram registrados em Buenos Aires, mas sim em Porto Alegre - embora por intérpretes porteños. Nos dois outros encontros de pesquisadores (Rio de Janeiro, em 1976 e 1982), Paixão Cortes levou novos documentos sobre suas pesquisas - parte indispensável de uma ansiosamente aguardada história da fonografia brasileira. Os resultados dos estudos de Paixão Cortes sobre a fonografia gaúcha foram, finalmente, reunidos num livro interessantíssimo - "Aspectos da Música e Fonografia Gaúchas" (edição do autor, 176 páginas, 1984), que prova - com extensa documentação - a fibra dos criadores do Sul - e os registros fonográficos do início do século. Passados mais de 70 anos dos pioneiros lançamentos de Savério Leonetti, com os selos "Elétrica" e "Gaúcho", o Rio Grande do Sul tem hoje uma presença das mais vigorosas no mercado fonográfico brasileiro. A partir do renascer nativista - representado pela criação da Califórnia da Canção, em Uruguaiana, em 1971, cresceram os lançamentos de discos. Não só todos os festivais nativistas (eles passam de 30, em todo o Estado), foram documentados em discos, como os inúmeros valores revelados nestes eventos - especialmente músicos e intérpretes - passaram a ter seus próprios discos, lançados por gravadoras nacionais, voltados ao esplêndido mercado do Sul, bem como etiquetas regionais. Não só no Rio Grande do Sul, mas em outros Estados onde é grande a presença dos gaúchos - como Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso e, hoje, também o Acre, Rondônia e até Amapá - absorvem a música gauchesca. No Paraná, apenas uma loja - a Discolândia em Cascavel - tem mais de 80% de suas vendas concentradas em discos gaúchos, a tal ponto que o proprietário, Edgar Bueno (presidente da Associação Comercial de Cascavel), não só está planejando realizar um festival de raízes nativistas naquela cidade, como, em associação com a Continental, promover a edição de alguns discos de artistas rurais, como a dupla Renato e Rodrigo, de Assis Chateaubriand, de quem lançou "Grito da Terra" há poucas semanas. A FORÇA NATIVISTA - Passam, [tranqüilamente], de 500 os discos de artistas gaúchos editados nos últimos dez anos. Só a Sigla/Som Livre, editou em 1985 nada menos do que quinze elepês de música do Sul, num trabalho que pode até duplicar no que depender dos esforços de Darcio Silva Castro e, especialmente, Ayrton dos Anjos ("Patinete"), o mais ativo produtor gaúcho, responsável pelo menos por 50% dos discos gravados no Rio Grande do Sul, a partir de 1970. Como todas as edições da Califórnia foram registradas em disco (inicialmente em produções independentes, gravadas com imensas dificuldades) agora a Sigla, que obteve o contrato para lançar o disco da 15ª edição (a se realizar a partir do próximo dia 10 de dezembro), vai também colocar no mercado, em abril/86, um disco contendo "as 12 mais", através da indicação de um júri nacional (do qual tivemos a honra de participar) que indicou as músicas mais significativas entre as 148 canções que, entre 1971/84, chegaram às finalíssimas. Mas não foi apenas o C.T.G.Sinuelo do Pago, promotor das Califórnias, que teve a saída preocupação de registrar em discos, os festivais nativistas. Praticamente meia centena de eventos realizados entre 1973/85, nos diferentes municípios gaúchos, estão perpetuados em discos - quase todos em catálogo e possíveis de serem encontrados ao menos nas lojas das cidades onde os mesmos são promovidos. A BOA SEARA - Criado por iniciativa do publicitário Aylton Magalhães e do jornalista, cantor e animador cultural Edson Otto, diretor do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, a Seara da Canção Gaúcha chegou à sua 5ª edição - realizada no último fim de semana, em Carazinho - consagrada como um dos cinco mais importantes festivais nativistas do Rio Grande do Sul. Antes mesmo de encerrar o evento, a produtora Janine Rocha Fraga, dos discos Continental, em Porto Alegre, com o equipamento do Bobby Som (unidade volante que acompanha os festivais) já havia registrado cinco das 12 finalistas, completando agora, nos estúdios da Isaec, em Porto Alegre, os registros e a mixagem, para que nos primeiros dias de dezembro, o LP já esteja nas lojas. A agilização nos lançamentos dos discos nativistas é um dos fatores para garantir a boa comercialização destas produções - que vendem de 20 a 80 mil exemplares, conforme a sua importância. A primeira Seara teve o disco editado pela Copacabana, mas nos anos d e1983/1984, coube a uma produtora independente, a Pialo, dirigida por uma ex-balconista de loja de discos, Bia (Vera Beatriz Bohrer), fazer as gravações (em 1983, aliás, foram editados dois LPs, com 24 músicas que concorreram a semifinal, numa proposta avançada. A Vindima da Canção Popular, em Flores da Cunha, chegou este ano (19 a 21 de julho), à sua XI edição e o disco com as 12 finalistas está nas lojas, trazendo belíssimas músicas como artistas consagrados no movimento nativista - como Luiz Carlos Borges (que organiza em Santa Rosa, o Musicanto), ao lado de novos talentos como Denise Tonon, - Uma bela garota que, em Cascavel, no Fercapo, foi premiada como a melhor intérprete. Em Cruz Alta, que tem no prefeito José Westphalen Correa, 54 anos, paranaense da Lapa, mas médico há 30 [anos] residente naquela cidade, um dos maiores entusiastas pela Coxilha Nativista, realizou-se também em julho último a 5ª edição deste evento. No ano passado, David Menezes Jr., e o grupo Os Incompreendidos ali havia apresentado (e sido premiados) com a mais machista das composições - "Morocha", que provocou polêmicas intensas. Este ano, Menezes e os Incompreendidos repetiram a dose: com "Bugio do Comunismo", obtiveram o 2º lugar - e o troféu Érico Veríssimo - mas ganharam o ódio das mulheres brasileiras - e até um processo patrocinado pela vereadora Teresinha Triches, de Porto Alegre. Afinal, os autores deste bugio (único gênero musical basicamente gaúcho) - Mauro Raimundo e Roberto Ferreira, dizem a certa altura: Té acho que é comunismo / Essa espécie de apatia: Essas vacas feministas / Já não querem pegar cria A grande vitoriosa do Coxilha foi, entretanto, "Digo Antes da Morte", de Luiz Carlos Borges e Luiz Sérgio Metz (Sérgio Jacaré), ambos conhecidíssimos por terem vencido inúmeros festivais gaúchos. Eracy Rocha, forte voz nativista, defendeu em Cruz Alta o "Vento Norte" (Dirceu Alves Adrianos / Ayrton Pimentel), enquanto Leopoldo Rassier, 50 anos, cantor afinadíssimo, interpretando "Prelúdio de Fé no Trigo", ficou em 4º lugar. Aliás, canções falando da terra, da agricultura - trigais, soja, centeio - e analisando também o problema dos sem-terra e do êxodo rural, tem aparecido com destaque nos festivais nativistas. Na Seara, das 30 finalistas, nada menos que dez tinham esta temática - estimulada, também pelo troféu "O Grito do Campo", instituído pelo jornal "O Interior", e que premiou a belíssima "O Grito" (Edson Vieira / Cláudio Amaro / Sérgio Napp), interpretada por um afinado grupo vocal - o Status, também destacado como o melhor grupo vocal do festival.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
17/11/1985

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