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Aramis

Chamas levaram cinema que teve os seus dias gloriosos

Da sacada de seu apartamento, no 6o andar do edifício N.S. da Luz, na praça Tiradentes, o agente de viagens Jorge Barbosa Elias, 49 anos, filmou com sua Cannon, o incêndio do cine Glória. Com emoção, Elias, um dos pioneiros produtores na TV-Paranaense nos anos 60 e hoje próspero dono de agência de turismo Sete Mares, sentiu mais do que a destruição de um cinema que viu nascer: ali foi que, graças a orientação de seu guru cultural, o cinéfilo e escritor Cláudio Lacerda, Elias aprendeu a gostar de bons filmes. Se hoje, em suas viagens pelo mundo, reserva sempre tempo para acompanhar o que há de melhor na cinematografia, deve- e muito - aos filmes que, pelo menos durante dois anos, faziam sua cabeça e que eram lançados no então sofisticado cinema com entrada pela travessa Marumbi. Com Jorge Elias, uma geração que aprendeu a amar o cinema teve no glória, em seus primeiros anos, a oportunidade de assistir alguns dos melhores filmes dos anos 60. Uma listagem dos 10 melhores filmes de 1964 (só em 1965, O ESTADO passou a publicar regularmente este referendum) que fizemos para o então suplemento "Vanguarda", do "Diário da Tarde", tinha nos filmes exibidos no glória a sua maioria. Se em 1963, "Eva" de Joseph Losey, com seu clima noir e trazendo Jeanne Moreau no auge de uma interpretação como femme fatale, foi o grande destaque de sua programação, no ano de 1964, quando a política atingia os pontos mais incandescentes nas semanas pré-golpe, o que a inteligentza jovem da cidade discutia era os significados propostos por Michelangelo Antonioni na terceira parte de sua chamada trilogia da incomunicabilidade, "O Eclipse", que estreou no Glória em 29 de fevereiro - (pois 64 foi um ano bissexto). Uma produção marcante do chamado grupo angry young men - "Tudo começou num Sábado"(Saturday Night, Sunday Morning / 1960) de Karel Reisz chegava ali duas semanas depois e, em 4 de abril, muitos intelectuais de esquerda apesar de tensos (e assustados) com o golpe que havia derrubado Jango, foram assistir a versão que Orson Welles fez de "O Processo" de Franz Kafka. Mas o grande acontecimento cinematográfico do ano foi a 1o de agosto: "Oito e Meio" de Fellini explodia com toda a sua força em várias semanas de exibição. Em 1964, entre outros filmes marcantes que atraíram um público intelectualizado, por ali passaram "O Repouso do Guerreiro" (Roger Vadim), "Os Condenados de Altona" (de Vitória De Sica, baseado em Sature), "Fruem, Além da Alma" de John Huston, "O Leopardo" de Luchino Visconti, "Os Sete Pecados Capitais" (de vários diretores) e, incompreendido na época, "Uma Mulher para Dois" (Jule et Jim) , a obra prima de François Truffaut. Incompreendido também foi outro momento da nouvelle vague, "A Garota dos Olhos de Ouro" de Jean Gabriel Albicoco - com sua mulher (Marie Laforeet). Albicoco acabaria vindo morar no Brasil em 1971 e agora, como presidente da distribuidora Belas Artes deve voltar a Curitiba nas próximas semanas para aceitar a integração do cine Ritz no seu circuito de cinemas de arte - voltados e exibiu prioritariamente a nova produção européia. Em 1965, prosseguiam os grandes filmes no glória: "A Visita", que Bernard Wicki realizou inspirado em Durrenmatt; "O Grito" de Antonioni; "Com a Maldade na Alma" de Robert Aldrich; "A Fonte da Donzela" de Bergman. John Schelesinger, cineasta inglês hoje consagrado - mas que em 1963 havia vindo a Curitiba para fazer uma conferência na Cultura Inglesa aplaudida por apenas 15 pessoas (entre os quais este repórter), passava a ser mais considerado quando seu emocionante "Ainda Resta Uma Esperança" estreou em 25 de abril. Em 1966, com a Franco Brasileira passando a fazer lançamentos no Plaza (que havia sido inaugurado em 22 de dezembro de 1964), os filmes de arte deixaram de ser programados no cinema da travessa Marumbi. Uma das raras exceções foi a reprise de "O 3o Homem", de Carol Reed, ali lançado em 5 de março. Em 1967, do mesmo Antonioni que trocava o universo huis clos pela swinging London, de "Blow Up...Depois Daquele Beijo", chegava em 24 de outubro mas seria um dos últimos grandes filmes artísticos a ter exibição no Glória. Mudava-se a programação dos cinemas, tentava-se o esquema do Cinema I do Scala (*) e os tempos glorioso de qualidade começavam a dar lugar aos bang bang italianos e, logo depois, as pornoproduções. NOTA: (*) Inaugurado como um cinema de categoria (abriu com o musical "Oliver", 1968, de Carol Reed, que recebeu vários oscars), o Scala sediou uma experiência de trazer a Curitiba o projeto "Cinema I", que o crítico Alberto Shatoviski e Hanny Rocha desenvolveram com sucesso no rio de Janeiro. Entretanto, a sala não se ajustou e a tentativa de fazer um cinema de arte foi transferida para o então cine Excelsior, na Rua Saldanha Marinho, que passou a chamar Cinema I. LEGENDA FOTO: Construído pela empresa Cinematográfica Sul na travessa Marumbi, o cine Glória foi, no início dos anos 60, uma casa de exibição dos melhores filmes de arte. Depois que a entrada passou para a galeria na Praça Tiradentes, a sua programação caiu em qualidade.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
09/06/1991

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