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Aramis

Chorinhos, fracassos & passarinhos

"Caros Amigos", o chorinho que Chico Buarque de Hollanda gravou como música-título de seu último lp (novembro/76) - e que por sua comunicabilidade é uma das faixas mais executadas atualmente, tendo inclusive sido a música escolhida para encerrar as transmissões da Rádio Iguaçu, na semana passada, quando a mesma saiu do ar, na verdade tem apenas letra de Chico. A música - deliciosa e vibrante - é do pianista Francis Hime e foi feita especialmente para a trilha sonora do filme "Um Homem Célebre", em 1974, onde é a primeira composição feita pelo personagem Padilha (Walmor Chagas), que a intitula "Pingos de Sol" - nome recusado pelo editor, que prefere outro, "mais comercial": "Ar do seu balaio". Poucas - muitas poucas - pessoas, entretanto viram essa história, pois "Um Homem Célebre" inclui-se entre os maiores fracassos de bilheteria já registrados em Curitiba: a renda de menos de Cr$ 3 mil, em toda uma semana, inferior até o custo da publicidade feita nos jornais, é motivo para reflexão a quem se interessa pelo estudo da relação cinema-público. Por que um filme de bom acabamento artesanal, nomes conhecidos no elenco (Walmor Chagas, Darlene Glória, Bibi Wogel ), baseado num conto de um dos mestres da literatura nacional (Machado de Assis), encontra um fracasso tão grande? Realmente, há muito tempo que um filme nacional não dava renda tão negativa. A trilha sonora que Francis Hime criou para "Um Homem Célebre", na base de chorinhos, xotis, valsas e outros ritmos característicos do final do século passado (época em que a estória é ambientada) é das mais belas, justificando inclusive a sua edição em lp, talvez junto a outros belos temas que Hime tem feito para recentes filmes. A inclusão de várias sequências eróticas - em especial com Darlene Glória e Bibi Vogel - também poderiam atrair um público mais expressivo, embora, em absoluto, este filme de Miguel Faria. Jr, não seja uma pornochancada. O esvaziamento do Cinema 1, durante a semana foi tão grande que em nenhum dia o antecioso sr. Otávio do Amaral, gerente da casa, pode realizar as segundas sessões da tarde e da noite. *** Revisto agora, 14 anos após a sua realização, "Os Pássaros" (The Birds, 1963) é uma comprovação de que os bons filmes não envelhecem. As inúmeras reprises - inclusive pela televisão só tem confirmado o vigor deste filme que o mestre Alfred Hitchcock realizou inspirado num curtíssimo conto de Duphahe Du Maurier, com um tema aparentemente surrealista, mas que pode adquirir cada vez maior significado (recentemente, jornais noticiaram o fato de pássaros terem atacado os moradores de uma cidadezinha do Interior nos EUA). É difícil dizer o que seja mais admirável em "The Virds": se o preciso roteiro de Evan Hunter, a segurança do velho Hitch em criar as situações precisas, a montagem nervosa ou a trilha sonora - uma das primeiras a utilizar sons computadores, além de um elenco coeso, em que foi lançada a glacialmente suave tippi Hadren - que, em 14 anos de cinema, não se tornou uma Grace Kelly, embora tivesse condições para tanto. Rever "Os Pássaros" é um prazer muito grande, ao constatar que tal como o bom vinho, os grandes filmes o tempo só engrandece. ______________________ A uma das assembléias de estudantes realizada no pátio da Reitoria da Universidade Federal do Paraná, um estudante estranhou o entusiasmo com que um fotógrafo procurou closes dos presentes, batendo centenas de fotos em poucos minutos. Impressionado com tal fervor documental o estudante aproximou-se e procurou saber qual o veículo de divulgação que o mesmo representava. Um pouco surpreendido com a indagação, o fotógrafo balbuciou: - Revista "O Cruzeiro". - Que ótimo, respondeu o estudante. Isso quer dizer que em breve "O Cruzeiro" volta as bancas?! São tão raras as chances de se ouvir bom jazz em Curitiba que um concerto como que Victor Assis Brasil fará hoje é um programa indispensável a quem se interessa em conhecer a música de nossos dias. Aos 33 anos, quase 20 de vida musical - começou no jardim da infância, tocando gaitinha de boca - Victor Assis Brasil é o exemplo da perseverança e entusiasmo, idealisticamente decidido a não se afastar do gênero que abraçou: o jazz. Seu irmão, João Carlos, pianista, que, em 1963/64, também ensaiou alguns passos na linha jazzistica acabou optando pelo clássico - campo, no qual hoje é um nome de grande prestígio. Victor preferiu o mais difícil: o jazz. *** A vida de Victor Assis Brasil a partir de 1965, desde quando o então influente Clube do Jazz e da Bossa, no Rio, conseguiu que ele participasse do Festival de Jazz em Viena - tem sido alternada entre o Brasil-Europa- Estados Unidos. Não encontrando condições de aqui desenvolver seus estudos em nosso país, obteve uma bolsa na "Berkeley School of Music", em Boston, onde acabou passando 6 anos. Neste período, chegou a trabalhar ocasionalmente com músicos influentes, viajou, esteve em competições jazzísticas e obteve premiações . Ao contrário de tantos instrumentistas brasileiros - Sérgio Mendes, Deodato, Laurindo Almeida, Guimorvan Moreira, Dom Um Romão etc. - Victor não se deixou seduzir pelos dólares, e, assim, mesmo com poucas condições de trabalho, tem insistido em desenvolver sua música em nosso (e seu) país. Há algum tempo, em uma de suas entrevistas, mostrava até um certo otimismo: "Pela primeira vez, nossa potencialidade está começando a ser usada, está sendo empurrada pela máquina promocional com a qual temos que conviver". No Rio, suas temporadas na sala Corpo/Som do Museu de Arte Moderna ou no Teatro da Galeria, tiveram um público jovem e muito interessado. Para Victor, este sucesso traduz uma receptividade idêntica à que tem encontrado no Exterior: "Em cada país onde estive, existe meia dúzia de pessoas que formam uma espécie de comunidade musical seriamente preocupada em transmitir. Rio, Viena, Praga, Milão, Roma, Nova Iorque, o mundo é pequeno demais para o grande negócio que queremos fazer". *** No capítulo das gravações de Victor Assis Brasil, mais uma comprovação de que é difícil fazer boa música no Brasil. Em 1966, ainda no inicio de sua carreira, o produtor Roberto Quartim financiou o álbum "Desenhos", luxuosa edição (capa dupla), mas que teve precaríssima distribuição. Dois anos depois, na Equipe, etiqueta hoje desaparecida, gravou "Trajeto", outro elepe de clandestina distribuição. Quartim produziu em 1970 o "Victor de Assis Brasil toca Tom Jobim" que ficou seis anos inédito, até que a Continental adquiriu o tape e o lançou no mercado do ano passado. Em fins de 74, com o sucesso de uma temporada no Rio, a CID animou-se a produzir um elepe, gravado ao vivo. E só, pois no mais as fábricas estão preocupadas com as músicas das trilhas sonoras de telenovelas e o som discoteque. *** Por estas e outras, chances de ouvir músicos como Victor Assis Brasil - mais Hélio Delmiro (guitarra), Paulo Russo (baixo) e Paulo Lajão (bateria), que o acompanham, são raras. E hoje à noite eles tocam no Guaíra.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
03/06/1977

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