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Aramis

Cida e Teresa mostram as músicas de Bertold

Não deixa de ser uma (feliz) coincidência: neste ano em que transcorrem os 90 anos de nacimento de Bertold Brecht (Augusburg, 1898 - Berlim Oriental, 1956), vem acontecendo algumas experiências para tornar suas obra mais conhecida, ao menos em termos de parcerias musicais. Há dois meses, a gorda e afinada Cida Moreyra, paulista de raízes londrinenses, esteve no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto apresentando um espetáculo de músicas de Brecht-Kurt Weil, antecipando ao lançamento de seu disco (Continental, junho/88), exclusivamente com temas desta dupla. Anteriormente, num espetáculo pretensioso e que não encontrou a recepção que esperava, o paulista Denis Portugal, esteve também na cidade, dizendo textos e cantando algumas músicas criadas originalmente para peças do autor de "A Ópera dos Três Vinténs". Agora, paralelamente a edição do álbum de Cida Moreyra, produção cuidadosa de Chico Pardal, com interpretações de suas canções em inglês ("Benares Song", "Alabama Song") e, principalmente nas versões para o português (feitas por Cacá Rosset e Luiz Galizia), há também um outro álbum fundamental para entender a obra de Weill, nas associações com Brecht: "Stratas Sings Weil", com a cantora lírica Teresa Stratas (Nonesuch/WEA). Estas duas gravações, em edições nacionais, oferecem a oportunidade de se conhecer parte da obra musical criada em torno de peças de um dos gênios do teatro contemporâneo - mais citado do que montado (e portanto devidamente divulgado) entre nós. Kurt Weill (Dessau, Alemanha, 2/3/1900 - Nova Iorque, 3/4/1950), filho de um cantor judeu, teve uma boa formação musical, aproximando-se da ópera e do teatro musicado - mas encontrando em Brecht, com quem começou a trabalhar em 1927 ("Mahagony") o autor com quem faria os seus trabalhos mais conhecidos, a partir de 1928 com "A Ópera dos Três Vinténs" (no qual foi incluído o tema "MacKnife"), já com a fermentação social da Alemanha da época. A cantora Lotte Lenya, com quem Weil se casou em 1926, seria a grande intérprete das peças e canções - carreira que cresceria nos Estados Unidos, quando eles se trasferiram para a América em 1943 - após terem fugido da Alemanha nazista, em 1933 (como Brecht, Kurt e Lotta, antes de chegarem aos EUA, passaram por vários países). Embora normalmente associado a Brecht - pela colaboração desenvolvida em várias peças, Weill faria carreira isoladamente, musicando alguns filmes em Hollywood ("Blockade" e "And You and Me") , mas principalmente na Broadway, inclusive com Moss Hart e Ira Gershwin em "Lady In The Dark". Teresa Stratas (Toronto, 26/5/1938), 29 anos de carreira como soprano, em 1981, entusiasmada pela obra de Weill e admiradora de Lotte Lenya, gravou há 7 anos um disco chamado "The UnKnow Kurt Weill" (Nonesuch Records, inédito no Brasil), no qual há parcerias de Weill com Brecht, Oscar Hammerstein II e até o poeta (e cineasta) Jean Cocteau. A repercussão daquela gravação a levaria a fazer este "Stratas Sings Weill", no qual acompanhada pela Chamber Symphony, regida por Cerard Schwartz, reuniu novas peças de Kurt - não só de peças de Brecht ("Hapy End", "Mahagony"), mas também de trabalhos com outros autores - como Maxwell Andersen, Jacques Deval, Ira Gershwin, Ogden Nash e do poeta negro Langston Hughes. xxx Há 12 anos, o grupo Ornitorico, de São Paulo - na época tendo a curitibana Ileana Kwasinski como uma de suas atrizes e diretoras - fez uma montagem em torno de textos e canções de Brecht e Weill, com direção de Luiz Galizia (falecido no ano passado, vítima de AIDS), que, em 1982 teve uma remontagem - desta vez com a participação de Cida Moreira. Por seu volume de voz, Cida já vinha se identificando com os temas mais conhecidos de "Mahagony" (cuja primeira montagem no Brasil data de 1976), "Happy End" e, principalmente, "A Ópera dos Três Vinténs" (primeira montagem no Brasil em 1960, na Bahia: adaptada mais tarde por Chico Buarque, como "A Ópera do Malandro"), já incluia em seu repertório. Assim, a idéia de fazer um álbum exclusivamente com canções de Brecht/Weill há pelo menos cinco anos estava entre os projetos de Cida, finalmente agora concretizado - com excelente produção, bons arranjos e que oferecem a visão de uma cantora brasileira revendo canções criadas há mais de meio século - mas que permanecem com a mesma força e vigor, de quando foram criadas dentro de estruturas de espetáculos que também resistem ao tempo. Positivo que o interesse pela obra de Brecht - seja a montagem curitibana que Marcelo Marchioro agora faz da ópera "O Refletor", em que Kaplan inspirou-se no texto "Luz nas Trevas" - as gravações de Teresa Stratas e Cida Moreyra, estimulem outros projetos. Por exemplo, a (excelente) atriz Maria Alice Vergueiro, há três anos, em parceria com seu primo, o pianista Guilherme Vergueiro, montou um espetáculo com poemas e canções de Brecht ("Lira do Inferno"), que poderia ter se transformado num belo álbum - se, na época, o Goethe Institut - sempre tão generoso em suas subvenções - tivesse percebido a importância do mesmo e ajudado a realização do disco. Que acabou não acontecendo, perdendo-se, assim, uma excelente produção. "Lira do Inferno" foi apresentado há 4 anos por três noites no Paiol. Sabem quantas pessoas foram assistí-lo? 38. Exatamente! Apenas 38 espectadores souberam aplaudir um belo espetáculo mostrando justamente o lado mais comunicativo da obra do mais citado, discutido e - 32 anos após a sua morte - atualíssimo dramaturgo de nossa época.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
30/07/1988

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