Login do usuário

Aramis

A cidade da ilusão

A noite, a visão da rua central de Cidade Puerto Stroessner é capaz de entusiasmar: meia centena de luminosos dando o colorido de uma grande metrópole, com seu burburinho de movimentado comércio. As lojas permanecem abertas até às 23, 24 horas, com um movimento que nos dias mais fracos é de fazer inveja a qualquer comerciante. A rigor, não há mais novidade no comércio internacional de Puerto Stroessner, cidade limítrofe de Foz do Iguaçu - e primeiro contato como Paraguai. O movimento de vendas, cresce, evidentemente, nas férias, por ocasião dos feriados prolongados e mesmo nos fins-de-semana. A clientela ? Brasileiros, é claro. MILHÕES POR DIA - Houve um dia - possivelmente na Semana da Pátria (no Brasil), que somente uma loja em Puerto Stroessner, - a Monalisa - vendeu em 18 horas nada menos que Cr$ 2 milhões, 90% à vista e 10% com cartões de crédito (brasileiros, aceitos com toda a segurança) e supercheques. Difícil saber os nomes dos proprietários das lojas, havendo uma natural desconfiança dos gerentes ao se fazer qualquer pergunta. Os árabes, que até há pouco dominavam o comércio da cidade, estão sendo, aos poucos, substituídos por empresários orientais - especialmente chineses. Eles chegam ao Paraguai, percorrendo caminhos muitas vezes complicados, compram os bons pontos comerciais na principal avenida de Puerto Stroessner e, em pouco tempo, estão com grandes lojas - que mesmo não tendo fachadas das mais sofisticadas, dispõem de imensos depósitos, oferecendo multiplicidade de ofertas. Apesar do calor, raras são as lojas que dispõem do conforto do ar condicionado: no máximo, velhos ventiladores que nem sempre funcionam - confundindo o suor das funcionárias, geralmente moças paraguaias, que já aprenderam a falar bem o português, com a transpiração dos compristas brasileiros. CONSUMISMO BRASILEÑO - Como na Zona Franca de Manaus - mas sem a multiplicidade de ofertas no campo eletrônico daquela cidade, Puerto Stroessner não deixa de ser um mini-paraíso para os compristas brasileiros. Só isso para justificar o faturamento extraordinário das lojas, cujas ofertas nem sempre primam pela qualidade. Na verdade, a oferta acompanha a procura: bebidas, especialmente scotch, há em profusão, de todas as marcas, qualidades, tamanhos - a preços que vão de Cr$ 130,00 (os de terceira linha, JB, Monk's etc.) até Cr$ 1.000,00, Cr$ 1.500,00 (os tamanhos gigantes, de Chivas Regal, Ballantine's etc.), que não deixam de tentar os consumidores: afinal, no Brasil, o custo seria no mínimo três vezes mais. A autenticidade escocesa? Bem, isto é outro problema, sujeito a chuvas e trovoadas. Se em bebidas as opções são imensas - há os conhaques, cada vez mais caros (o "Camus/Napoleon" está a Cr$ 600,00), os brandy, os vinhos alemães e franceses etc. - na área sonora, não se encontra muita diversificação: o esquema é dos conjuntos que integram gravadores minicassete, rádio AM/FM e toca-discos, de várias marcas, mas sem sofisticação. Aparelhos isolados, de alto nível - como se encontrava, há algum tempo, em Manaus, são raros. "Quando aparecem sempre encontram alguns compradores, mas o investimento não compensa" explica o gerente de uma loja. É bem verdade que os técnicos vindos de todo o Brasil, para trabalhar nas obras de Itaipu, principalmente na faixa dos 25/40 anos, são excelentes consumidores de som. Se houvesse em Puerto Stroessner uma casa especializada, capaz de oferecer a melhor aparelhagem internacional - importada da Europa, Estados Unidos e, principalmente Japão - por certo surgiria uma indústria paralela de montagem de mesas de som, capaz de fazer o carioca Josias (que já chegou a montar uma mesa de som no valor de Cr$ 5 milhões, no Rio) perder muito de sua clientela. Mas, por enquanto, não existe nada nesta faixa. Raros funcionários das lojas sabem sequer diferenciar a marca de um aparelho de som e a primeira resposta que se obtém é de que "não temos". Na verdade, as vezes até existe o aparelho, mas a falta de conhecimento dos vendedores é total. Em compensação, se há aparelhos para se ouvir disco e fitas, estes não existem. Apenas uma loja - a Ipacaray, que se localiza numa rua transversal, oferece um balcão de discos, onde se misturam medíocres gravações de música paraguaia (lps de péssima qualidade técnica, chiados, etc.), com uma ou outra gravação mais comercial argentina e, como expoente de nosso cos brasileiros, como expoente de nosso clube dos cafonas (Nelson Ned, Agnaldo Thimóteo, Lindomar Castilho, Sidney Magal, etc.). Além do mais, os discos são vendidos (média de Cr$ 120,00) sem proteção, sujos de poeira e geralmente com as capas rasgadas. CONCORRÊNCIA - Há 10 anos, a vitrina do mundo em termos de consumo que era Puerto Stroessner assustava o comércio de Foz do Iguaçu. A concorrência parecia ser brutal, inclusive em relação a própria população. Hoje, parece que os comerciantes brasileiros não têm do que se queixar: Puerto Stroessner definiu sua faixa de consumo, no supérfluo destinado especificamente aos milhares de turistas que mensalmente passam pela cidade, enquanto que o básico continua a ser fornecido pelas lojas brasileiras. "Inclusive são os paraguaios que vêm comprar em nossas lojas" comenta um empresário, sócio-gerente de um grande supermercado em Foz do Iguaçu. Mesmo no setor de roupas, não há concorrência capaz de alarmar os comerciantes brasileiros: além de poucas lojas de Puerto Stroessner oferecem peças de qualidade, existe um favor psicológico, ao menos entre as mulheres, nas classes A e B, em Foz do Iguaçu, conforme explicação de uma curitibana, há anos radicada ali e que sociologicamente observa: - Comprando em Puerto Stroessner, imediatamente se sabe o preço médio de uma peça de vestuário. E aqui (Foz), há ainda muita vaidade, muita vontade de ostentar um status, de forma que em termos de elegância feminina, se prefere a confecção brasileira, a execução exclusiva. Que pode ser até mais barata, mas publicamente, é apresentada como especial, cara. E não apenas o jean importado, o casaco feito em série. COMITÊ DE FRONTEIRAS - Na terça-feira, dia 3, uma reunião marcou a instalação do Comitê de Fronteiras Brasil-Paraguai. Um conselheiro do Ministério de Relações Exteriores, Élcio Pires Tavares, do setor de transportes, junto com outras autoridades federais - incluindo os engenheiros Luís Carlos Urquiza e Ivo Manarino, do setor de Transportes do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, os cônsules do Brasil em Puerto Stroessner, Carlos Alfredo, e do Paraguai, em Foz do Iguaçu, junto com representantes de vários organismos federais sediados nas duas cidades, prefeitura, etc. discutiram a ação do Comitê, que desenvolverá importantes funções dentro da total política de boa vizinhança entre o Brasil e Paraguai. Formada por um grupo permanente - e reunindo-se mensalmente, este Comitê vai tratar de aparar arestas e cuidar de que pequenos problemas e incidentes, ocorridos de parte a parte, não ganhem maior dimensão, sendo facilmente contornáveis. Há, afinal, toda a disposição de que mais do que simples palavras, o entendimento entre paraguaios e brasileiros se realize de fato.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
07/10/1978

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br