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Aramis

Com o tempo de Seo Celso, mais um capítulo da história de Londrina

Com toda razão, o jornalista, escritor e publicitário Domingos Pellegrini Júnior - hoje reconhecidamente o mais importante nome da literatura paranaense - estranhou que o seu último trabalho, "O Tempo de Seo Celso" não tivesse merecido, há alguns meses, quando de seu lançamento, a repercussão merecida. Afinal, com sua obra entre literatura infanto-juvenil e de ficção elogiada nacionalmente - e com um de seus melhores contos, "O Encalhe dos 300" transformado pelo cineasta paraense (radicado em São Paulo) Denoy de Oliveira no filme "Sete Dias de Agonia" (1979-82) - Pellegrini é um autor importante. Aliás, o grande escritor capaz de contar tanto em forma ficcional como jornalística, a saga da colonização do Norte do Paraná - filho que é de uma família que chegou na cidade de Londrina há mais de 40 anos. "O Tempo de Seo Celso" (Gráfica Ipê, 365 páginas, capa de José Carlos de Castro, 1990) representa uma mostra de que o Norte, seus pioneiros e a sua formação oferece material literário de primeira ordem. Pellegrini admite que inicialmente sentiu um preconceito em relação ao seu livro por imaginarem - quem não o leu - que estava fazendo uma "obra de encomenda da família" para endeusar um dos pioneiros do Norte que construiu um império econômico. Profissionalmente independente - se não fossem suas profundas convicções ético-político-intelectuais poderia estar hoje rico, como publicitário (é um dos redatores mais criativos da propaganda nacional), Pellegrini nada recebeu da família Garcia para durante mais de um ano trabalhar neste projeto. "Ao contrário, fiz viagens que foram por mim custeadas para encontrar dados importantes sobre a vida do meu personagem real", explica. Pellegrini teve poucos contatos pessoais com Celso Garcia Cid, que faleceu em Londrina, às vésperas (22) do Natal de 1972, 41 anos após ter chegado no Paraná, vindo da Espanha, onde nasceu numa pequena aldeia, Tamaguelos, na Galícia. Sentiu na vida do "Seo" Celso um personagem com toques daqueles que escritores como Edna Ferber colocaram em obras épicas sobre a formação de Estados americanos ("Palácio de Gelo", sobre o Alaska; "O Gigante", sobre o Texas). - "Foi um protótipo dos pioneiros do Norte do Paraná. E eu comecei a narrativa a partir da travessia da Balsa da Tibagi, por onde chegaram à região os primeiros colonos, quando ainda nem havia ponte e as estradas eram simples picadões na mata" - diz Pellegrini, colocando como ponto de partida uma foto (de fotógrafo desconhecido), que mostra "Seo" Celso saindo da balsa, tendo ao fundo o caminhão que viria a ser o primeiro ônibus da Viação Garcia depois de reformado. Assim, através da trajetória pessoal de "Seo" Celso, Pellegrini desvenda, em seu texto claro, delicioso, jornalístico - mas com a riqueza de um grande escritor - a civilização nascente do Norte do Paraná, até hoje com mínima bibliografia - e mesmo reduzida documentação. Para escrever este livro, Pellegrini fez 70 entrevistas e demoradas pesquisas - na Fazenda Cachoeira, imprensa e livros - montando um painel dos primórdios de Londrina. Do menino nascido em Tamaguelos e que vindo para o Brasil aqui foi garçon, motorista, mecânico - antes de se tornar o grande empresário e pecuarista inovador, inconformado com a burocracia do governo e os privilégios de grupos que foi buscar gado zebu na Índia, apesar da proibição do governo, a primeira parte do livro já vale como uma obra didática da própria história de Londrina e do Norte do Paraná. Na segunda parte, baseada nos diários de viagem do "Seo" Celso, Domingos descobriu um narrador nato, "apesar de ter feito apenas o curso primário da Espanha". A epopéia da primeira importação do gado zebu durou três anos, até que as 112 cabeças de gado pisaram em solo brasileiro, depois de uma luta política que contou com o apoio de Moyses Lupion, João Goulart e Juscelino Kubistchek - todos eles arriscando até seus mandatos para ajudar o espanhol teimoso de Londrina que "quase a todos convencia porque não lutava por motivação financeira, mas para revolucionar a pecuária brasileira e, por conseqüência, a alimentação nacional". - "Carne é proteína de pobre" - dizia - "e o zebu é a maior fonte de proteína para o mundo tropical". Os animais ficaram confinados primeiramente na Ilha de La Mére (Guiana Francesa) e depois na Ilha das Cobras, na Baía de Paranaguá, esperando autorização para entrar no Brasil - ou esperando a morte - pois a lei mandava que fossem mortos e enterrados. No final, Celso venceu, provando que o gado indiano - bem escolhido - não traria doenças bovinas para o Brasil. A terceira parte do livro mostra justamente o sucesso de suas teses e suas ações para revolucionar de vez nossa pecuária. Foi quem idealizou o "Plano Troca-Troca" - e que teve em Paulo Pimentel um grande apoio - através do qual a Secretaria da Agricultura trocou 5.400 touros Nelore - de graça! Jamais houve, no mundo uma revolução genética animal como a que Celso Garcia Cid propiciou para o Brasil. Ao morrer, há 19 anos, ele ainda intentava uma terceira importação (a segunda foi em 1962, dois anos após a primeira, já então com a participação de outros criadores e autorizadas pelo governo). Celso Garcia Cid pensava em escrever um livro sobre sua vida - ele que por anos manteve um diário atento. Coube a Pellegrini Júnior fazer esta obra que, mais do que um lançamento temporal, fica como um importante registro para a nossa bibliografia histórica. Pellegrini decidiu contar a história do cidadão, do homem, do pioneiro que aprendeu a ver como "um herói de comportamento clássico, numa das mais novas civilizações do mundo, o Norte do Paraná". Com a apurada técnica jornalística e literária, Pellegrini avançou pelo tempo na trilha do herói, iluminando suas ações com História, Zootecnia, Política, Antropologia e Filosofias da Índia. Confessa e que muitos momentos em que trabalhava na obra, recorreu a ensinamentos dos mestres do I Sing para encontrar as alternativas melhores para desenvolver a história. - "Não há civilização sem memória e o legado do Seo Celso, em afirmações proverbiais e ações exemplares, revelou-se profético e necessário para os dias atuais, de confusão de valores e falência das ideologias. Ele agia conforme valores ancestrais que estamos deixando morrer e assim podem nos matar". LEGENDA FOTO - Domingos Pellegrini Jr.: contando a saga do Norte do Paraná a partir da vida de um pioneiro: Celso Garcia Cid.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
10/11/1991

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