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Aramis

A crise da Embrafilme e de nossos cineclubes

A televisão acabou como assunto central dos debates, na mesa redonda da XVIII Jornada Nacional de Cineclubes, que tinha por temática "Cinema e realidade cultural". Embora, obviamente, aspectos da realidade do mercado cinematográfico fossem levantados, a disputa do vídeo, em sua conquista cada vez de maiores recursostecnológicos para o seu aprimoramento - em contradição ao esvaziamento das salas cinematográficas foi levantado pelo estudioso José Teixeira Coelho Neto e cineasta Leon Hirzman e Denoy de Oliveira. O jovem e barbudo Coelho Neto, professor da Universidade de São Paulo e autor de três livros lançados pela Brasiliense - "O que é Utopia", "O que é Indústria Cultural"e "Fliperama sem Creme"- fez colocações do lado teórico, enquanto o cineasta Leon Hirzman, com muita garra e uma incrível verbalização não teve meias-palavras: para ele, o governo federal só fez estimular um monopólio cada vez mais poderoso da televisão (leia-se Rede Globo) em prejuizo de outras manifestações e formas de expressão cultural. Assim chegou a lembrar que enquanto há o fechamento de uma média de 4 conemas por semana (soma que, obviamente, é um pouco exagerada) a televisão se torna cada vez mais forte - num processo que liquidará, a curto prazo, o mercado de exibição comercial. Esta é uma das causas do empobrecimento da Embrafilmes, "que nunca consumiu verbas do governo, mas sempre conseguiu seus recursos da própria indústria cinematográfica". Entretanto, hoje a situação da Embrafilmes - na opinião de Hirzmen - é desesperadora, correndo o risco da mesma encerrar suas atividades em 30 dias. Sergio Oliveira, presidente do Conselho Nacional de Cinema, no domingo, extra-oficialmente, também definiu como "seriamente preocupante"a crise financeira em que se debate a estatal cinematográfica. Basta dizer que de uma previsão de Cr$ 21 bilhões - da soma de varias arrecadações - a empresa difcilmente atingira Cr4 11 milhões, o que coloca em risco até a sua folha de pagamento. As voltas com tão se'rios problemas, o presidente da Embrafilmes, Roberto Parreira, não pôde aceitar o convite para ir na abertura da XVIII Jornada Nacional de Cineclubes. xxx Curiosamente, Curitiba que hospeda pela segunda vez uma jornada nacional de cineclubes (em 1974, a oitava edição aconteceu no Teatro do Paiol) nunca teve um movimento regular de cineclubismo. Enquanto em Maringá, o cineclube local foi reestruturado há dois anos e, com forte apoio da prefeitura e do comércio local, além de promover conferências, ciclos e exibições, parte agora para a realização de dois curtas-metragens (um deles com depoimentos dos pioneiros da cidade) e a edição de um jornal cultural, em nossa Capital preticamente o movimento cineclubista é nulo. Mesmo no passado, as tentativas de organizar os apaixonados por cinema em entidades atuantes sempre foram ocasionais e sem continuidade. Um cineclube que chegou a funcionar por alguns meses na Biblioteca Pública do Paraná, em 1962, provocou debates tão apaixonados - e extracinematográficos - que encerrou suas atividades após uma inflamada sessão na qual o ex-deputado Edgar Távora, homem conversador em suas posições, e Agliberto Azevedo, dirigente do núcleo local do Partido Comunista Brasileiro, chegaram ao desforço físico. Mais tarde, um grupo de jovens alunos do Colégio Santa Maria, liderados por José Augusto Iwersen(hoje, após ter abandonado a vida religiosa, dedicando-se a produção de fotonovela eróticas) e Faruk El Khatib (atual editor do "Correio de Noticias") fundaram o cineclube Pró Arte, que teve uma boa fase de atividades - sucedido depois pelo cine de arte Ribalta, do próprio Iwersen - que funcionava no auditório do Colégio Santa Maria. xxx Nos últimos 20 anos vária outras tentativas de fundar cineclubes em Curitiba (bem como em cidades do Interior) tiveram lugar, mas pela própria ritatividade dos idealistas que ficam na frente deste movimento raros foram os que tiveram continuidade, podendo, assim, desenvolver um trabalho mais regular - a exemplo das dezenas de instituições atuantes, muitas criados há mais de 20 anos (como o Clube de Cinema de Porto Alegre, fundado por JF. Gastal) em outros Estados. Atualmente, há um cineclube bastante original que funciona às sextas-feiras, na sala da gerência do cine Morgenau (Praça Rui Barbosa). Tendo "Anibal Requião" como patrono, esta instituição criada pelo veterano exibidor Jorge Santos reúne uma dezena de associados, todos na faixa etária acima dos 40 anos, que curtem especialmente o western e os dramas americanos dos anos 30 a 40, além de uma confessada paixão por seriados e produções classe "b", de estudios menores como a Republic. No futuro, uma sala mais ampla -mas assim mesmo com um maximo de 30 lugares - será reservada as sessões, deste clube de cinema nostálgico, com velhos cinemaníacos que cresceram vendo o cinema americano e que, em absoluto, incluem discussões de ordem política em suas preocupações. Desejam, simplesmente, rever os filmes marcantes, desde que consigam cópias em 16mm. xxx Já a mentalidade dos dirigentes cineclubistas que até amanhã estarão em Curitiba, participando de acaloradas discussões, montando esquemas para as eleições de Conselho Nacional e discutindo inclusive a próxima participação do Brasil no encontro da Federação Internacional de Cineclubes, em Havana, é basicamente política. Representantes de cineclubes e da Cinemateca do Uruguai e da Argentina vieram observar a Jornada, na discussão de uma política de integração cultural dos países do Cone Sul. Hoje, pela manhã, as comissões técnicas que analisaram as relações cineclubista com a Dinafilmes (empresa que tem uma linha não comercial, no fornecimento de filmes de arte), a Embrafilmes e análise da censura, legislação e regulamentação, deverá apresentar dados para a sessão plenária de aprovação do documento final da Jornada. xxx O sentido intercionalmente do cineclubismo se reflete também na programação de hoje a noite, na quarta sessão da mostra do cinema independente, na Cinemateca do Museu Guido Viaro. Serão exibidos "A Perseguição de Pancho Vila", um desenho mexicano de longa-metragem; "Vamos Pátria A Meia-Noite", filme de animação de Flávio del Carlo sobre os efeitos de uma guerra nuclear no Brasil e, finalmente, "Pena Brasil", de Sandra Werneck, sobre um presídio feminino no Rio. No cine Groff, às 20 e 22 horas, pré-estréia de "Diacuí. A virgem de Volta", de Ivan Kurdna.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
26/07/1984

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