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Aramis

"Daniel", ou a revisão de uma "tragédia americana"

Desde que estreou na direção cinematográfica, em1957, fazendo a transposição da teleplay "Twelve Angry Men", do Reginald Rose (que anteriormente havia dirigido na televisão), Sidney Lumet sempre se mostrou um cineastra preocupado com temas sérios. Seja nas adaptações literárias ou em roteiros originais, sua filmografia - trinta e um longa-metragens em 27 anos - é das mais dignas. Assim não é de se surpreender que "Daniel"(cine Astro, hoje, último dia de exibição), seja um filme de tamanho impacto e seriedade, ao retrater um dos episódios mais nebulosos da (in) justiça americana: acomdenação do casal Julios (1918-1953) e Ethel Rosemberg (1915-1953), acusados de espionagem a favor da URSS. A época era da maior escalada na Guerra Fria, o macarthismo levava centenas de cidadãos norte-americanos aos tribunais e havia um clima de caça às bruxas - semelhante ao que o Brasil exerimentaria 15 anos depois. Assim, até hoje não se tem provas definitivas da culabilidade do casal Rodemberg. Assim como também não há provas de sua inocência. Mas os EUA viviam uma paranóia. Eisenhower acabava de ser espossado como presidente e J. Edgar Hovver estava no meio de seu longo reinado no FBI. O tebate sobre a culpa ou inocência dos Rosemberg jamais parou. "O Livro de Daniel", que Doctorow publicou em 1971 (a edição brasileira saiu há alguns meses, pela Record) é uma livre interpretação do caso Rosemberg, em forma de ficção, a partir da ótica de seus filhos - Daniel (Timothy Huttom) e Susam (Amanda Plummer), nos anos 60. Assim o verdadeiro sentido do livro (como do filme) é o efeito das pais sobre os filhos, das ideologias sobre a vida e da história sobre os indivíduos. Um crítico canadense, Jay Scott ("The Globe And Mail", 23/8/83), anotou que o filme é um [mosáico] de injustiças: de início há o horror insuportável da luta dos filhos Isaacsons (nome usado no romance) quando seus pais são presos. A visita [à] antiga casa, os tormentos no asilo e, depois com a irrascível tia - culminando numa das mais emocionantes cenas já feitas pelo cinema: a visita das creiaças aos pais na prisão. A câmera permanecce distante, aumentando a dor que toda a seqüência transmite. A dramaticidade sem melodrama, facilmente conquistado quando se coloca crianças sofrendo em cena. Doctorow / Lumet (poucas vezes um filme teve uma identificação tão grande entre roteirista/diretor) discutem a posição dos pais em relação ao que ocorreria futuramente aos filhos. Como dise Scott, não há aplausos, nem condenações. Os Isaacs são pessoas descontentes numa época em que havia muita razão de serem descontentes e se eles permitiram ser sugados pela política, o fizeram com a melhor das itenções. A ingenuidade da esquerda americana na década de 30, a questionável posição do PC dos EUA, que só imobilizou em favor do casal após sua condenação - e quando isso representou propaganda. O filme é político da primeira a última seqüência e termina com uma menssagem de otimismo e esperança, quando no funeral das idéias americanas Daniel escapa da jaula de leão do seu passado e sublima sua raiva tornando-se um cruzado contra a guerra do Vietnã. O filho pode ter se tornado um pai no sentido político, mas como agora sabemos, ele escolheu o lado vencedor: se seus filhos forem prejudicados por suas ações se'ra o prejuízo de se aborrecer pelas estórias legendária dos anos 60, quando o povo americano parou uma guerra estúpida (do Vietnã). É significante que "O Livro de Daniel" foi publicado em 1971, quando a guerra estava ainda em escalada e Doctorow não tinha como saber a última decisão de Daniel no sentido de ir contra a guerra (o livro, e si, e é uma afirmação política) e sua rejeição contra a versão do governo sobre os erros dos pais e seu abraço ao movomento antiguerra como um meio de levar para a frente sua luta. Essa foi a maneira de transformar a estória de Daniel numa metáfora acessível, talvez extrema, do ativismo da contracultura. O romance foi uma veersão da "Nova Esquerda" americana - hippie, judia - e uma tentativa como o título indica, da criação de um novo herói profético, uma dialética fato-ficção para um novo evangelio autocrítico. Sidney Lumet trabalhou com um orçamento apertado e assim não pode dispor de superstars. O que foi benéfico em termos de qualidade. Timolthy Hutton, a premiada-revelação de "Gente Como a Gente" (Ordinary People, 1980, de Robert Redford) - Oscar de melhor coadjuvante, insistiu para obter o papel-título, afimando-se num papel adulto. Paul Isaacson é feito por Mandy Pitinkin que foi o primeiro "Che" Guevara na produção de "Evita" na Broadway e há pouco foi visto contracenado com Barbra Streisand em "Yentl". Rochelli Isaacson é Lindsay Crousay que trabalhou em dois filmes de Lumet: "O Príncipe da cidade" e "O Veredicto". Ed Asner, faz o advogado de defesa Jacob Ascher - um personagem simpático e cativante. Tovah Feldsuh (que fez "Dona Flor" no musical da Broadway baseado no livro de Jorge Amado, fracasso de público) é Linda Mindish enquanto seu pai, Selig - (numa curta aparição), é interpretado por Joseph Leon. Como se vê um elenco de nomes desconhecidos - mas com impressionates atuações. A trilha sonora utilizou os negros spirituals com interpretações de Paul (Bustill) Robeson (1989-1976), um dos melhores cantores de todos os tempos e que teve grnde atuação política por 9 anos percorreu a Europa em concertos de fins partidários, foi um dos primeiros artistas a visitar a URSS e esteve na Guerra Civil Espanhola cantando para as brigadas internacionais. Sua voz emoldurando as imagens do fotógrafo Andrzej Bartkowiak complementam a beleza do filme. Aliás, Bartkowiak surge como uma revelação em matéria de imagens - ombreado-se ao sueco Svenski, a Nestor Almendros e ao legendário James Wong Howe. Por si só, a fotografia de "Daniel" já faria deste um filme imperdível. Um filme que nos remete a um fato coteporâneo mas pouco conhecido - afinal os Rosenberg foram os primeiros civis americanos a serem executados na cadeira elétrica no após-guerra - e que coloca em discussão um tema atual e dramático. Como disse o canadense Jay Scott[,] as emoções sumarizadas por este filme são profundas e tenazes. Somente uma ópera poderia englobar toda a história e fornecer ao público um exorcismo: o que eles querem é algo mais lento e menos dramático; eles estão a procura da cura depois que uma chaga foi aberta. Eles querem um ato de grandeza, mas não para uma juatiça específica. O mundo de Daniel não definido pela injustiça. O livro de Daniel - como o filme - é um livro de dor. Que faz pensar e refletir sobre a fragilidade do ser humano. LEGENDA FOTO - PAUL (MANDY PATINKIN) / ROCHELLE (LINDSAY CROUSE) EM "DANIEL" (CINE ASTOR, AINDA HOJE).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
8
08/08/1984

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