A avalanche de (bons) discos lançados no final do ano traz, ao lado da natural preocupação mercadológica/comercial das gravadoras, material para diferentes enfoques. Pena que a redução constante dos espaços destinados aos registros culturais faça com que, mesmo na chamaada imprensa nacional, os discos com as produçòes mais recentes de tantos compositores e intérpretes (de Chico Buarque a Roberto Carlos) ganhem poucas linhas. Obviamante, que cabe aos ensaístas, no futuro, se debruçarem mais atemtyamente para as letras contidas agora em faixas que buscam apenas a divulgação imediata nas FMs para catipultuarem a vendagem dos discos - que representando investimentos de produção acima dos Cr$ 10 milhões e chegando a mais de Cr$ 12 mil a unidade, tem que emplacar a mínimas aceitação De qualquer forma, nota-se ao se ouvir - ainda que rapidamente - os novos discos de Caetano Veloso ("Velo", Polygram), Gilberto Gil ("Raça Humana", WEA), Fagner ("A Mesma Pessoa", CBS), Alceu Valença ("Mágico", Ariola), Roberto Carlos (CBS)e mesmo de intérpretes - como Gal Costa ("Profana" RCA) - o velho dilema: renovar ou repetir? É difícil para quem tem que decidir um negócio de milhões de cruzeiros - e o disco é uma indústria de muitos riscos - trocar o certo pelo duvidoso. Se assim não fosse, a CBS que tem em Roberto Carlos ainda a sua mais cacarejante galinha dos ovos-de-ouro, não manteria a mesma linha repetitiva que garante ao "Rei", a cada ano, aumentar ainda mais as vendas. Se o público de RC é conservador - embora, ironicamente tido como jovem - Gilberto Gil e Caetano, como expoentes maiores da chamada "linha baiana" sentem-se esmpre compungidos a proporem renovações temáticas e estilísticasem suas canções. Gil, por sua própria verbalização é o mais prolixo deles e a cada novo álbum-show, faz um verdadeiro manifesto (basta ver que acompanhando seu novo álbum, a WEA distribui duas fitas com o baiano explicando suas músicas). Mais contido - mas nem por isto menos verborrágico - Caetano esperou alguns meses, até consolidar sua nova Banda (seus antigos instrumentistas, como Vinícius Cantuária, preferiram lançarem-se em carreiras solos) antes de gravar seu novo elepê, finalmente agora nas lojas. Não se trata mais de apenas extrair poética e sonoramente da palavra a sua função. Nota-se em muitas letras a tentativa de trabalhar em visão caleidoscópica dos sentidos - capaz de fazer mil sugestões. Um exemplo disto é a faixa "Profana", de Caetano Veloso que dá título ao novo elepê de Gal Costa (seu 16o, o primeiro na RCA). Concluída em Barcelona, é uma música extensa que utiliza palavras, citações e nomes queexigem um glossário no encarte. Uma faixa propositadamente concebida para uma única intérprete e com imagens tão forte e audaciosas que teve sua divulgaçào vetada nas emissoras de rádio. O próprio Caetano, em seu novo disco, também faz experiências audaciosas. Por exemplo, em "Língua" constrói todo um universo de palavras dentro da curtição de imagens que tanto o seduz ("Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas/ E ofalso inglês relax dos surfistas/ Sejamos imperialistas/ Vamos no velô da dicção choo choo de Carmem Miranda/ e que o Chico Buarque de Holanda nos resgate"). Em outras faixas - "O Quereres" ou "Graffiti", também estão colocações sempre intelectualizadas de reflexos de todo um universo (a citação de Andy Warhol, por exemplo), que embora possa surpreender aos mais jovens, faz parte de uma realidade de Cae (em 1969, "Alegria, Alegria", já era um painel de imagens coloridas). Caetano é ágil e preciso, faz as palavras chibatarem - como em "Comeu", uma bem resolvida brincadeira que, anteriormente, já havia sido gravada por Erasmo Carlos em seu revigorante "Buraco Negro" (Polygram). Ela comeu meu coração/ Trincou/ Mordeu/ Mastigou Engoliu/ Comeu o meu/ "Velô", 23o elepê de Caetano em 17 anos de carreira, é daqueles discos que comportam amplas análises (como o ensaio que Affonso Romano Sant'Anna dedicou, em 1973, ao até hoje incompreendido "Araça Azul"). Torna-se curioso, agora, ouvir tanto "Profana" como "Velô" (o nome foi escolhido propositalmente, lembrando a palavra velocidade e a forma carinhosa de se chamar ao artista) e que nos remetem a imagem de quando Caetano e a então tímida Maria da Graça Costa Pena Burgos, estreavam um elepê, dividindo um elepê ("Domingo", Philips, 1967). Hoje, aos 39 anos, em seu 16o elepê, Gal está entre as cantoras de melhor vendagem ("Fantasia", já passou das 500 mil cópias) e que também sofre com a síndrome da renovação. Melhor do que ninguém, Tarik de Souza soube observar isto (JB 8/11/84) ao lembrar que após sua joãogilberto estréia ao lado de Caetano em "Domingo", ela foi Janis Joplin ("Meu nome é Gaal!"), lembrou Inhana, da dupla com Cascatinha, na sertaneja "Índia"; foi Dalva de Oliveira em "Olhos Verdes" e "Carmem Miranda" em "Aquarela do Brasil" - sem deixar de ser tropicalista ("Divino Maravilhoso") e hippie ("Vampor Barato"). No bem cuidado lançamento de seu elepê pela RCA, numa programação coordenada por Marília Ghiaroni, Gal falou bastante sobre suas sensações/emoções ao gravar este novo disco. Justificou a necessidade de uma constante mudança - mas, ironicamente, é também a fidelidade a certos totens que deram certo, que mais caracteriza "Profana". Se "Pegando Fogo" catipulou o sucesso em 82, porque abandonar o resgate de marchinhas de fácil assimilação e assim gravou "Onde Está o Dinheiro" (José Maria de Abreu/ Francisco Mattoso/ Paulo Barbosa, 1937), sucesso de Aurora Miranda no Carnaval de 1938. Se "Festa no Interior" mostrou a aceitação do frevo, porque não repetir o esquema, com "Atrás da Luminosidade" (Teca Calazans/ Luis Carlos Sá) e reforçar o "nordsom" com um pacote de baiões - "Cabeça Feita", "Tilintingo" e "Tem Pouca Diferença", está até com o dueto com o grande Luiz Gonzaga. Caetano, tantas vezes acusado de indiferente aos problemas sociais, dá o troco neste seu novo elepê, com uma das músicas mais intigantes: "Podres Poderes". Uma letra trabalhada, inteligente e que conforme já registramos, propõe idéias para terem discussão neste momento de tantas (vãs) esperanças numa Nova República. Tanto em "Velô" como "Profana", há muitas músicas ricas - em forma, conteúdo, com arranjos esmerados. Há um trabalho destinado a um público cada vez mais exigente. Entretanto, no final, lembro o que me dizia o grande João de Barro a alguns anos: - "Concordo que os novos compositores busquem novas formas de compor. Mas pergunto se os próprios intérpretes serão capazes de cantar as músicas que gravam, um mês depois, se não tiverem suas letras nas mãos?" Por isto mesmo é que Gal não deixou de incluir o oportuníssimo "Cadê o Dinheiro" neste seu novo disco. E a letra não poderia estar mais atualizada. LEGENDA FOTO - Caetano: de palavra em palavra.

Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:

Veiculo: Estado do Paraná

Caderno ou Suplemento: Nenhum

Coluna ou Seção: Tablóide

Página: 20

Data: 16/12/1984