Login do usuário

Aramis

Denise virá ao Guaíra estrear "Mary Stuart"

No mesmo dia em que Sônia Nolasco Ferreira, correspondente de "O Globo" em Nova Iorque, publicava uma reportagem de meia página ("Stocklos no poder"), falando do sucesso da mímica Denise Stocklos no Teatro La Mamma, a artista passava por Curitiba e acertava a estréia nacional do espetáculo que a lançou nos Estados Unidos: "Mary Stuart", terá sua primeira temporada brasileira no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, de 5 a 8 de maio (terça a sexta-feira). Posteriormente, Denise viaja a Londres - onde "Mary Stuart" terá apresentações dentro do programa dos 400 anos de sua morte (fevereiro de 1587) e Itália. Só depois, é que haverá temporadas em São Paulo e Rio de Janeiro. Paranaense de Irati, Denise decidiu dar a Curitiba a chance de assistir nacionalmente, em suas primeiras apresentações, este espetáculo-solo que ganhou elogios do "The New York Times", conforme aqui publicamos e valeu de Ellen Stewart, diretora do La Mamma Theatre, convite para voltar a Nova Iorque ainda este ano. xxx Há muito que Denise, 37 anos, 20 de vida teatral, é um nome nacional. No dia 1º de abril foi "O Globo" que lhe abriu meia página, com a reportagem que Sônia Nolasco enviou de Nova Iorque. Terça-feira, 7, Edmar Pereira, repórter especial do "Jornal da Tarde", especialista em cinema e teatro, também dedicou meia página a Denise, trazendo novas revelações. Por exemplo, Denise está com projetos de fazer para o palco, em mímica, "Orlando", romance de Virgínia Woolf, a partir de uma idéia de Caio Fernando Abreu e Roberto Galizia, ou "Madame Curie", "um projeto que me volta cada vez que estou longe do Brasil". Mas o projeto que Denise mais curte é extremamente paranaense: "Irati". - "Minha cidade do Paraná, minha experiência fundamental e primitiva, meu primeiro impulso, meu Minas não há mais". Se depender da vontade de Ellen Stewart, do La Mamma, ela fará um "Hamlet", com textos de Shakespeare, Heiner Muller e Giovanni Testori. xxx Descrevendo a encenação de "Mary Stuart", que assistiu numa das primeiras apresentações em Nova Iorque, Sônia Nolasco disse: "Denise entra no palco - vestida de malha preta e túnica cinza - e dá uma versão muito especial do drama de Mary Stuart, encarcerada durante 22 anos por sua prima, a Rainha Elizabeth I, da Inglaterra, até ser decapitada, em fevereiro de 1587. Denise representa a parada de forças entre as duas mulheres, com ênfase em Mary Stuart, aparentemente derrotada, e sugere à platéia que Elizabeth I não saiu vitoriosa deste incidente histórico (antes da execução, ela lava as mãos feito Pilatos), e, de certa forma, sofreu a prisão íntima de seus deveres para com o País (manteve-se "rainha virgem" por medo de uma aliança inconveniente para o trono), e da terrível solidão do poder. Para tanto, Denise usa mímica e a voz (a narrativa é em inglês), misturando, como fundo musical, Brahms, Villa-Lobos, Donizetti, Laurie Anderson, etc. No palco despojado e quase escuro, só uma cadeira, quando necessária. Numa cena, telefone e catálogo, meios de (in)comunicação com o mundo externo. Os objetos não são importantes. O que fascina o público é a presença magnética de Denise Stocklos, mímica extraordinária. Ela não tem o sentimentalismo chaplianiano de Marceau, nem o humor de Barrault, mas tem tudo dos dois numa colagem original cheia de agressividade. Seu estilo brechtiano, distante e irônico, ela quebra de forma irreverente com o que chama de "minha anarquia terceiro-mundista". - "Eu queria fazer uma análise do poder. Você tem aí duas mulheres envolvidas em circunstâncias que determinam o poder. É minha discussão: o que é soberano, que domina, dispõe, determina. Se há vencedores? O que vence é a possibilidade anárquica de falar nisso. Tem um rigor germânico no texto de "Mary Stuart" que é quebrado pela anarquia. Como a interpretação épica de Elis Regina e eu falar português, expor uma cultura que a platéia mal conhece. Neste rompimento está meu terceiro-mundismo bagunçando tudo. O público nota que estou falando em quebrar com o sistema". xxx Para Edmar Pereira, Denise lembrou o processo de criação de "Mary Stuart" - inicialmente concebida para quatro atrizes e depois reduzida para duas - que pensava, há um ano, fazer com Fernanda Montenegro. Chegou a propor a produção para o Guaíra, buscando auxílio do então secretário da Cultura. Claro que não mereceu sequer uma resposta atenciosa. Assim, sozinha, partiu para uma adaptação do texto da italiana Dacia Maraini, reduzindo toda a ação para uma única intérprete - ela própria. - "Mary Stuart" é quase um Macbeth feminino. Cortei, acrescentei, escrevi. E fui fazendo minha concepção da peça, horas e horas de ensaio, até encontrar a forma, em três níveis. Um nível histórico, o da memória consciente; um nível de arquétipos, duas apresentações régias, duas mulheres poderosas que não foram donas de seus destinos exatamente por causa do poder; um nível de contemporização, a visão anárquica de tudo, que extrapolasse época e espaço. Daí referências a Nelson Mandela e Wladmir Herzog, neon no cenário, "Aquarela do Brasil" na trilha sonora". Na estréia, dia 19 de fevereiro, havia poucos espectadores. Ellen, a proprietária do La Mamma, doente, só viria para o espetáculo no última dia, 10 de março. Lotou a partir do terceiro, com os elogios do "The New York Times". Todos os 150 ingressos do pequeno teatro foram vendidos com antecedência. Denise classifica o trabalho que faz agora de Teatro do Essencial. - "O teatro centrado na figura do que é humano no ator. Que é a força motriz para que aconteça a teatralidade. Sinto neste final de século apocalíptico a necessidade de voltar ao essencial. Fora do ator, tudo o mais no teatro é parasitário, o discurso, o cenário, a roupa. O Teatro do Essencial me torna capaz de acreditar que a clareza das relações é o único passaporte para o século XXI, que o egoísmo está em xeque. É a dúvida dos mitos, no consumo, da representatividade do sucesso". xxx Denise Stocklos sem se ligar a tribos feministas, está hoje mais consciente do que nunca da importância de seu trabalho, "da contribuição que eu posso dar", ao trabalho da mulher que neste momento explode em várias correntes da arte. E, falando a Edmar Pereira, Denise lembrou a genialidade de Pina Bausch, o humor específico de Laurie Anderson (que conheceu em novembro, em São Paulo, quando ela veio ao Brasil, participando do FestRio, com a exibição de seu filme "Home Of The Brave" e foi até a capital paulista), o lindo trabalho de mímica realizado por Victoria Chaplim (filha de Charles Chaplim) e seu marido - "que trabalham sempre sobre o erro, a insuficiência" - a inteligência de Susan Sontag ou da atriz Ibem Nagel, o artesanato teatral de Arianne Minouchkine. xxx Denise Stocklos, de Irati para o mundo. Hoje internacional, sem perder as origens e a prova disto é que na primeira semana de maio, aqui estará, fazendo a estréia nacional de sua versão de "Mary Stuart".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
11/04/1987

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br