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Denoy e as heranças do CPC no cinema popular

A coincidência de encontrar-se em Curitiba para o lançamento de "O Baiano Fantasma" (Cine Groff, 5 sessões), na última sexta-feira, levou Denoy de Oliveira a participar de mesa redonda sobre o cinema e o teatro nos tempos do CPC, promovido pelo CAHS. Ao lado de Eduardo Coutinho, diretor de "Cabra marcado para morrer", Walmor Marcelino, jornalista e dramaturgo, e Euclides Coelho, animador cultural, dirigente de teatro de bonecos e um dos responsáveis pelo núcleo do CPC-PR entre 1962/64, Denoy deu importante contribuição aos debates, coordenados por Carlos Fernando Mazza. A iniciativa do Centro Acadêmico Hugo Simas em promover um encontro sobre o Centro Popular de Cultura alcançou tanta repercussão que o projeto não se esgotou na retrospectiva de filmes políticos brasileiros e no debate da última semana. Ao contrário, novas palestras serão realizadas, com a participação de Ferreira Gullar e, possivelmente, de Manoel Berlinck, líder estudantil paulista nos anos 60 e que, em agosto do ano passado publicou um estudo crítico sobre o CPC (Editora Papirus, 120 páginas, Cr$ 5.400,), que passou, na ocasião, desapercebido. Sociólogo e psicanalista, 47 anos, Berlinck foi um dos líderes estudantis que, há 21 anos, ao ver a UNE em chamas, prisões e perseguições de estudantes, e o fim do sonho do CPC, prometeu: "Ainda vou registrar essa história". Com seu livro, oferece alguns elementos para o melhor entendimento desse período de alta ebulição e criatividade na cultura popular brasileira. xxx Tanto Denoy de Oliveira como Eduardo Coutinho participaram, ativamente, do CPC da UNE. Ainda em 1964, Denoy (ao lado de Ferreira Gullar, Teresa Aragão, João das Neves e outros intelectuais) foi um dos fundadores do Teatro Opinião, que ganhou esse nome devido ao show musical com Nara Leão (então iniciando a carreira), João do Valle e Zé Ketti que inaugurou aquele espaço na Rua Siqueira Campos, RJ, durante 20 [anos] identificado como ponto de resistência cultural ao arbítrio e à violência que agitaram o Brasil durante duas décadas. Como Lambusca, o personagem de "O Baiano Fantasma", Denoy veio do Norte. O pai, Francisco Xavier a quem dedicou o filme, era sapateiro e anarquista, em Belém do Pará, e procurou o Rio para tentar melhorar a vida. Denoy e os irmãos - o também cineasta Xavier de Oliveira e o artista gráfico Rui de Oliveira - sempre tiveram grande identificação com as origens. É o que transmite com muita força e sensibilidade, esse filme premiado com quatro troféus, em Gramado, há dois anos, e que se constitui num dos mais honestos exemplos de cinema popular e político. A idéia de "O Baiano Fantasma" nasceu quando Denoy fazia certo documentário, numa prisão, assunto, aliás, que o fascina (acaba de completar dois documentários a respeito), e procurou, através da trajetória de um "baiano fantasma", na verdade um paraibano (maganífica interpretação de José Dumont, ator já premiado nove vezes) projetar todo o drama de milhões de nordestinos que buscam, inutilmente, os falidos Eldorados do "Sul maravilha". xxx A preocupação pelo popular fez Denoy participar, ativamente do CPC, que classifica como "um divisor de águas". Recorda: "Quem participou dos anos 60, sabe que o CPC foi um dos responsáveis pela reposição do homem brasileiro no centro dos acontecimentos, através de manifestações culturais. Como nunca escondo a minha origem, toda vez que faço um filme comprometido com os operários, os párias, há uma visão preconceituosa de alguns críticos que logo rotulam o filme de "cepecista". Isso me honra, mas nem sempre é correto. Faltam pensadores no cinema brasileiro, especialmente se o filme rompe com os padrões da elite e assume postura popular. Via de regra, a "inteligência", quando não é exigida em seu culturalismo, se sente muito frustrada. E renega a paixão, a razão, os sentimentos primários. Engaja-sentimentos primários. Engaja-se na forma e não se. e o que flui dos personagens. É no embaralhar das cartas, nas regras do jogo, que está o prazer: oiflhar dos jogadores lhe é indiferente".xxxSobre um retorno do CPC, ou ao menos de sua filosofia, a posição de Denoy é muito lúcida:- "O massacre cultural de n mais agressivas e sofisticadas que o CPC. Esta é uma sociedade cada vez mais estanque. E isso é um projeto do sistema. Quem aglutina cultura, hoje, são as redes de televisão, que estão comprometidas com ele. Daí minha esperança no vídeo-cassete. Ele será como o gravador. Você mesmo gera o produto. Isso democratiza tudo. Sua associação com os circuitos fechados, no município, no bairro, no quarteirão, com emissões de difícil controle, poderá competir com as Tvs oficialescas". xxx "O Baiano Fantasma" é um filme que, pelo vigor e força, tem a dimensão de outros momentos maiores do cinema brasileiro recente - de "Eles Não Usam Black Tie", de Leon Hirzman, a "Cabra marcado para morrer", de Coutinho - aliás, ambos cepecistas. Um filme-Brasil, realidade, para ser visto e discutido. LEGENDA FOTO - José Dumont nas filmagens de "O Baiano Fantasma".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
18/06/1985

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