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Aramis

Depois do Carnaval

Mais uma vez o carnavalesco Chocolate (Mansuedem dos Santos), 49 anos, 33 de folia, não conseguiu ter o seu Ideais do Ritmo - classificado em primeiro lugar no grupo das pequenas escolas. Com 147 pontos perdeu para o Garotos Unidos, o que fez Chocolate dar seus gritos de protesto, durante a contagem dos votos, realizada sob forte esquema militar, no centenário hall do Instituto de Educação, no início da madrugada da quarta-feira de Cinzas. Mais uma vez Chocolate deu [o] toque irônico ao pobre carnaval curitibano, brindo o desfile, no sábado, com um imenso retrato do ex-prefeito Jaime Lerner, a frente de sua escola, que astutamente aproveitou como tema "Cidade Industrial" - o que lhe valeu, no mínimo, a doação dos tecidos da Gronau para a confecção dos trajes, executados por dona Hilda, companheira de Chocolate, para os 90 integrantes. XXX No outro extremo, a Escola de Samba Mocidade Azul, com 945 integrantes - "e só não saímos com mil porque faltou fantasia" explicava o presidente Afunfa (Osvaldo de Souza, 35 anos) - com um orçamento de mais de Cr$ 300 mil, acabou vencendo, pela segunda vez, o concurso - com 302 pontos. Como sempre houve reclamações e protestos, pois sem isso o Carnaval não se justifica. Afunfa, simpático corretor zoológico que na melhor tradição investe grande parte de seus imensos lucros na manutenção de uma escola de samba (que, na opinião de muita gente, já poderia disputar o bloco 3, no Rio de janeiro), é acusado pelos dirigentes das outras agremiações, de inflacionar a festa. Contrata figurinistas e coreógrafos profissionais, compra o passe dos melhores passistas e ritmistas das outras escolas e este ano pagou mais de Cr$ 15 mil para quatro mulatas do Sargentelli [desfilarem], no sábado, num dos carros alegóricos da Escola. Afunfa não discute as acusações. Para ele, o mais importante é vencer e o grito que deu, no portão do Instituto de Educação, ao ser proclamada a vitória de sua escola, ecoou pela Rua Emiliano Perneta, mais do que um berro de Tarzam em plena selva. XXX Houve surpresas neste Carnaval de rua. A Escola de Samba Não Agite, que há anos vinha num vermelho gráfico de decadência, esquecendo-se da fase de glórias e títulos dos anos 50, reagiu de forma vigorosa. Escolhendo um tema afro-brasileiro - "Templo dos Orixás", com menos de um mês de ensaios, pouco mais de Cr$ 45 mil, obteve um total de 257 pontos e ficou em honroso terceiro lugar. Glauco Souza Lobo, 38 anos, double de empresário e político emedebista, dirigente da Escola, estava tão satisfeito como se tivesse conseguido o primeiro lugar. Após as lamentáveis atuações dos anos anteriores, foi praticamente um renascimento do Não Agite. Seu samba-enredo, composição do inspirado Cândido dos Santos, na opinião de muitos observadores - inclusive o jornalista Jorge Narozniack, autor de uma história do carnaval curitibano, imerecidamente teve apenas 25 pontos, o que justificou muitas e fundamentadas críticas aos dois senhores que julgaram este quesito. "Eles devem entender de rock, pop, e discotheque, mas não de música carnavalesca", reclamava Glauco. XXX Outro que se achou injustiçado foi Maé da Cuica (Ismael Cordeiro), 50 anos, 35 de carnaval, o mais velho dirigente da escola de samba, cuja bateria do Colorado é imbatível. Apesar da nota máxima nesta categoria - 100, perdeu por 17 pontos para a Mocidade Azul, ficando em segundo lugar - posição que em, mantendo há uma década de rivalidade com a rica escola de Afunfa. Na hora da contagem dos votos, Maé, a exemplo de Chocolate, também deu seus gritos de protesto, mas, bom crioulo, acabou, esportivamente, aceitando o resultado e abraçando Afunfa. No caso do Colorado - cujo belo samba-enredo, de autoria de Homero Benito Ribeiro, obteve nota máxima (40 pontos), a injustiça, segundo Maé, foi o item harmonia: os 56 pontos em relação aos 72 da Mocidade Azul causaram a derrota. XXX Amais nove escola da cidade, a Unidos do Boqueirão, dirigida por Líbero de Souza, 50 anos, três enfartes, modesto pintor de paredes apaixonado por Carnaval, conseguiu em apenas dois anos subir do grupo dois para o primeiro. Pobre mas com boa bateria, mesmo ficando em último lugar, mereceu discretos aplausos. Assim como Chocolate homenageou Jaime Lerner, os sambistas do Boqueirão reverenciaram o ex-governador Bento Munhoz da Rocha Neto, com uma grande foto colocada no carro alegórico da Escola. Muitos dos mais jovens integrantes da Escola nem saberiam dizer quem foi Bento, mas a homenagem foi simpática. XXX O advogado José Cadilhe de Oliveira, fundador há 31 anos passados da Escola de Samba Embaixadores da Alegria - e da qual se afastou e, 1971 - apareceu na Avenida Marechal Deodoro e, na noite de terça-feira, não resistiu. Além de auxiliar a Comel na locução, acabou, na hora em que sua escola desfilou, apanhando o apito e dirigindo, por breves minutos, a esforçada bateria da escola. Dentro do carnaval curitibano, Cadilhe de Oliveira - um dos mais conhecidos advogados da cidade, veterano dirigente esportivo - é uma personalidade do maior respeito, pois durante os 27 anos que dirigiu a Embaixadores da Alegria esforçou-se sempre em fazer o melhor espetáculo, mas, infelizmente, sua agremiação nunca passou do segundo lugar. XXX Apenas a modesta Rádio Tapajós, de São José dos Pinhais, de propriedade do comerciante Afonso Moletta, transmitiu flashes gravados do carnaval curitibano. As emissoras de Curitiba, que tradicionalmente ofereciam cobertura do carnaval de rua e de clubes, desinteressaram-se completamente - impedindo assim que os ouvintes tivessem qualquer informação de como ocorria a festa. A Tapajós, que teve um modesto e único patrocinador, o cabeleireiro Fabiano, atuou com uma equipe de locutores-repórteres voluntários, coordenada pelo jovem Vinicius Grossmann, 20 anos, colunista social do semanário "Objetivo", que os Srs. Alceu Machado (gerente do Banestado) e Elon Bonin, estão editando em São José dos Pinhais. XXX A Escola de Samba Acadêmicos da Sapolândia mais uma vez saiu às ruas com garra e disposição, mas não passou do quarto lugar, com 245 pontos. Um de seus destaques em termos de aplausos, foi a passista Noêmia, agora com 11 anos - mas que desde 1972 sai a frente da escola, encantando o público com sua [espontânea] coreografia. Julinho (Júlio Cesar de Souza) 29 anos, fundador e dirigente da Sapolândia (8 anos), ao ver os resultados - em que a sua escola empatou com a rica Mocidade Azul, no item harmonia, não se conteve e soltou uma frase que merece ficar: O Afunfa gastou Cr$ 20 mil para trazer as mulatas do Rio e não conseguiu vencer a coreografia de nossas mulatas, da beira do Rio Belém.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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09/02/1978

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