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Aramis

Discos do Ano

Às vésperas do vigésimo aniversário da gravação de "Canção do Amor Demais" (Discos Festa, 1958), onde a cantora Elizete Cardoso lançava, entre 12 outras músicas de Vinicius de Moraes-Antonio Carlos Jobim, a histórica "Chega de Saudade" - que, em 1959, na voz e violão de João Gilberto deflagraria o movimento da Bossa Nova - a conclusão é uma só: em termos de qualidade, de renovação nada de mais importante do que a Bossa Nova ocorreu no Brasil - em que pese todas as correntes, discussões e milhares de gravações. A prova está nas lojas, em dois elepes que, com toda certeza, estarão nas listas dos 10 melhores do ano: "Amoroso", com João Gilberto (WEA Discos Warner Records, 36.022, junho-77) e Miucha & Antonio Caros Jobim (RCA Victor, 103.0213, junho-77). Uma série de (coincidências( aproximam estes dois elepes que, pelas vendas que estão alcançando, mostram que o público, ao menos numa faixa sabe o que quer. Antonio Carlos Jobim, foi, sem dúvida, a maior influência na carreira de João do Praso Pereira de Oliveira (Joazeiro, Bahia, 10-6-1931), que no Rio a partir de 1949, após integrar grupos vocais (Namorados da Lua, Garotos da Lua), com sua voz diferente e batida nova ao violão, a partir da primeira gravação (um 78 rpm na Odeon, com "Chega de Saudade/Brigas Nunca Mais", setembro/59), modificaria toda a MPB, numa influência que permanece até hoje - fazendo-o em seu exílio americano - a partir de 1962 ser cada vez mais uma presença mitológica. Assim, um novo disco de João Gilberto é acontecimento capaz de motivar atenção mesmo de seus mais figadais inimigos - enquanto que o próprio João é tema para um ensaio, que aliás há muito já deveria ter sido escrito. "Amoroso", gravado nos estudios da Capital, em Hollywood, de 3 a 7 de janeiro deste ano, e que teve algumas sessões no Rosebud Studios, de 17 a 19 de novembro do ano passado, é um disco em que João Gilberto não se afasta em nada de sua linha que o fez o cantor de maior personalidade e, particularmente a nós, maior significado na MPB dos anos 60 para cá. João Gilberto não se preocupa com novidades, não quer saber de modismo e canta apenas aquilo que curte. Isso explica que seus discos feitos esparsamente a partir de 1966, tragam sempre regravações, muitas vezes de músicas por ele mesmo lançadas. Neste "Amoroso", dedicou todo o lado dois a Antonio Carlos Jobim, dele gravando, com títulos originais "Wawe" (depois "Vou Te Contar"), "Caminhos Cruzados" (parecia com Newton Mendonça), "Triste" e "Zingaro" (depois "Retrato em Branco e Preto", parceria com Chico Buarque). No lado A, João canta em inglês ("S Wonderful", Geoge-Ira Gerhswin), italiano ("Estate", Bruno Martino/Bruno Brighetti) e espanhol & Besame Mucho" (Consuelo Velaquez), incluindo ainda o nostálgico "Tim Tim Por Tin Tin" (Haroldo Barbosa/Geraldo Jaques). O maestro Claus Ogerman fez os arranjos para a grande orquestra - e com os destaques aos teclados de Ralph Crierson, bateria de Grady Tate e Joe Correro e o baixo de Jim Hughart. "Amoroso" mereceria, espaço houvesse, toda uma página. Mas basta o recado: para nós um dos melhores discos do ano - pois João é como o vinho: cada vez melhor! E se Astrud Gilberto, ex-mulher de Gilberto, cantando por brincadeira "Garota de Ipanema", em 1963, no primeiro disco que ele fez nos EUA (acabou se tornando uma das grandes vocalistas americanas, sua segunda esposa, Miúcha (Heloisa Maria Buarque de Holanda) também acabaria profissionalizando-se. Demorou mas aconteceu: uma participação em algumas faixas no disco que João fez no ano passado na CBS ("The Best of Two Words", com Stan Getz, lançado no Brasil em outubro/76), um compacto duplo que a (Phillips( editou mas não promoveu e acabou retirando de catálogo. Este ano, finalmente, Miucha fez um disco a altura de seu talento: Aloysio de Oliveira, a respeito de quem não se precisa falar, reuniu no estudio Antonio Carlos Jobim, que, de tão feliz, fez arranjos, regenciais, tocou piano, flauta e acabou cantando em várias faixas, com Miúcha, mas músicos excelentes, um repertório de primeira - e o resultado foi esse disco maravilhoso que, felizmente, teve duas faixas aproveitadas na trilha sonora de "O Espelho Mágico" - "Vai Levando" (Chico Buarque de Hollanda/Caetano Veloso) e "Maninha" (Chico), suficiente para ajudar a colocar o disco nas paradas. Mas independente do sucesso comercial - justo e merecido - o evento que reúne Tom & Miúcha, numa produção de Aloysio de Oliveira, com Chico Buarque, dando uma força a maninha; cantando em 3 faixas ("Vai Levando"), na belíssima valsa "Maninha" e "Sei Lá", de Vinicius e Toquinho) é daqueles fatos muito especiais no ano musical. Miúcha e Tom cantam juntos em várias faixas, num tal encontro que animou o maestro-compositor, tão inimigo dos palcos, a fazer uma temporada com Miúcha). O repertório não poderia ser melhor: além das inéditas "Vai Levando", "Maninha", "Tiro Cruzado" (Nélson Angelo/Márcio Borges) e "Choro de Nada" (Edgardo Souto/Geraldo Eduardo Carneiro), temos regravações de antológicas composições, de diferentes fases da MPB: "Comigo é Assim" (Luiz Bittencourt/José Menezes), "Na Batacuda da Vida" (Ary Barroso/Luiz Peixoto), "Sei Lá" (Vinicius/Toquinho), "Olhos nos Olhos" (Chico), "Pela Luz dos Olhos Teus" (Vinicius), "Samba do Avião" (Tom) "Saia do Caminho" (Custódio Mesquita-Evaldo Ruy) e "É Preciso Dizer Adeus" (Antonio Carlos Jobim/Vinicius). Se costumassemos atribuir notas aos discos registrados colocaríamos 100. E ainda ficaria faltando, pois "Miúcha & Antonio Carlos Jobim" - como "Amoroso" é um dos melhores discos destes últimos anos. Para quem, evidentemente, sabe amar a MPB a partir da Bossa Nova. Uma dica: a Continental está reeditando o catálogo da CTI Records e graça a isso está na praça, em terceira edição, "Stone Flower" que Antonio Carlos Jobim gravou há 8 anos nos EUA, para Creed Taylos. São 11 temas instrumentais, extraordinários, com a participação de Deodato, Ron Carter (baixo), João Palma, Airto e Everaldo Ferreira (percussão), Urbie Green (trombone), Joe Farrel (sax), Humbert Laws (flauta). Os arranjos são de Eumir, que não faz apenas diluições sonoras para ganhar dinheiro.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música
27
14/08/1977

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