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Aramis

Dizzy, uma história de muito profissionalismo

Os que aguardam, com ansiedade, a única apresentação do pistonista Dizzy Gillespie (auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, 22, 21 horas), podem estar certos de que só algo de muito grave impedirá que o espetáculo aconteça. Isto porque, há seis anos passados, "Dizzy" - um dos últimos grandes nomes da velha escola do jazz - deu no mesmo auditório, uma prova maior de responsabilidade e dignidade profissional, que deveria servir de exemplo a tantos medíocres (vide Roberto Carlos et caterva) que, sob as mais diversas alegações (falta de público, "condições técnicas" etc.) acabam cancelando seus espetáculos em cima da hora, para frustração de público e prejuízos aos promotores. Em 1979, o produtor de shows Willi Butika, entusiasmado com êxito de temporada internacional que reunindo Egberto Gismonti e o inglês John McLaughlin lotou teatros no Brasil e Buenos Aires, decidiu ampliar o chamado Projeto Arco Íris, somando, então, os talentos de Gillespie e seu grupo com o do brasileiro Hermeto Paschoal - ambos instrumentistas da maior voltagem. O roteiro começaria em Buenos Aires, no dia 4 de dezembro e, após uma apresentação no Gigantinho, em Porto Alegre, chegaria ao Guaíra no dia 10 de dezembro, daqui subindo para São Paulo (12-16), Rio de Janeiro (17), Belo Horizonte (19), Brasília (20), Goiânia (21) e encerrando em Salvador, a 23 de dezembro. xxx Problema de infra-estrutura e de recursos financeiros fizeram com que a temporada começasse de forma atrapalhadíssima já em Buenos Aires, com a necessidade de intervenção da Embaixada dos Estados Unidos para liberar Gillespie e seu grupo das despesas de hotel - que não chegaram a ser saldadas. Em Porto Alegre, a situação se complicou ainda mais: além dos problemas artísticos, um dos músicos que participava do show, o percussionista brasileiro Laudir de Oliveira (na época residindo nos EUA), ao fazer compras numa joalheria foi acusado de se apropriar de uma valiosa jóia, a qual teria engolido. Conduzido à polícia, ficou detido por várias horas, obrigado a tomar laxantes para, por via anal, "devolver" a gema. O fato foi notícia nacional e em conseqüência também prejudicou a apresentação que os grupos de Gillespie e Paschoal fariam para os gaúchos. Nesta altura, em seu temperamento inflamado, Hermeto e seus músicos decidiram voltar para São Paulo e abandonar o projeto. Em Curitiba, os organizadores locais, de cabelos-em-pé, não sabiam como proceder: suspender o show? Anunciar apenas Gillespie, que nestas alturas desejava cumprir a sua parte do contrato? Finalmente, na tarde de 10 de dezembro, desembarcavam no aeroporto Afonso Pena o grande Dizzy e seus músicos que, naturalmente mal-humorados e preocupados, mas com um senso profissional incrível, horas depois (com um atraso de 100 minutos, mas não por culpa deles), deram um dos mais belos espetáculos jazzísticos já vistos pelo público curitibano. Gillespie, com seu estilo personalíssimo, que o faz há 52 anos ser dos mestres do pistão (dos quais utiliza um modelo original), compositor de inúmeros clássicos do jazz e "leader" de orquestras e grupos pelos quais passaram pelo menos 60% dos grandes instrumentistas americanos a partir dos anos 40, exibiu-se, assim, com toda sua tranqüilidade e segurança. Um espetáculo rico de improvisos, gags musicais e no qual, em momento algum, transmitiu o clima de tensão que estava marcando a excursão. Obviamente, que não estava disposto a entrevistas, a bate-papos ou convites para esticadas mas aqui fez o que havia sido programado: um concerto maravilhoso. Praticamente compensou a ausência de Hermeto Paschoal e seu grupo que, nestas alturas, fazendo mil e uma denúncias em relação ao produtor Willi Butika, abandonaram a temporada. Em São Paulo, apesar das tentativas, o show não aconteceu - pois então Gillespie, também aborrecido com as trapalhadas do empresário brasileiro, decidiu retornar aos Estados Unidos. xxx Agora, com empresariamento de Manoel Poladiam, de São Paulo, Gillespie faz nova temporada no Brasil - País ao qual, imaginava-se, jamais voltaria - e, por certo, encantando o público interessado com uma rara chance de se ouvir o melhor jazz. Pena que, até ontem, a produção do show não soubesse informar nada em relação aos músicos que o acompanham ao Brasil, repertório etc. Mas isto, afinal, pouco importa: só a respeitabilidade que cerca John Briks Gillespie, este americano de Cheraw, nascido a 21 de outubro de 1917 e na estrada musical desde os 14 anos, o faz um dos gênios do jazz contemporâneo. Merecedor de todos os aplausos na noite da próxima quinta-feira. xxx A questão agora é saber se com ingressos a Cz$ 300,00 (platéia), Cz$ 250,00 (1º balcão) e Cz$ 150,00 (2º balcão) haverá público para aplaudir o grande espetáculo. LEGENDA FOTO - Gillespie: exemplo de profissionalismo, em única apresentação no Guaíra. Dia 23.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
20/05/1986

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