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Aramis

Dois filmes importantes: Demência e O Sacrifício

Depois das inesperadas - e esplêndidas - estréias da semana passada - especialmente "O Sacrifício" de Andre Tarkovski (que continua no Ritz), "A Cor do Dinheiro" (também em 2ª semana, Condor) e "Sobre ontem à Noite..." (de Edward Zwick) - esta uma visão do amor dos jovens, que, infelizmente, ficou apenas sete dias no Astor - temos mais dois lançamentos. De princípio, o excelente "Filme Demência", de Carlos Reichenbach, o grande premiado em Gramado, no ano passado (melhor diretor; melhor ator coadjuvante - Emílio Di Biasi), no cine Groff, e "O Destemido Senhor da Guerra", de Clint Eastwood (cine Astor, 4 sessões). Dois dos melhores filmes do ano, recentemente estreados e que haviam permanecido apenas um semana em exibição retornam também - "Peggy Sue - Seu Passado à Espera", de Francis Coppola e o maravilhoso "Tangos - O Exílio de Gardel", de Fernando Solanas. Mais os filmes que continuam e temos um panorama diversificado do que pode haver de mais interessante em matéria de cinema. Filme Demência Carlos Reichenbach, 41 anos, gaúcho radicado em São Paulo, é hoje o diretor brasileiro em maior evidência. Nos últimos três anos representou o Brasil no Festival do Filme de Autor, em Roterdam e desde 1985 seus filmes vem sendo destaque em Gramado: em 1985, destaque do júri com "Extremos ao Prazer"; no ano passado, melhor diretor por "Filme Demência" e na última madrugada de sábado, 2, Carlão subiu, emocionado, ao palco do cine Embaixador para receber o Kikito de melhor diretor pelo seu belo e social "Anjos do Arrabalde - As Professoras". Enquanto "Anjos do Arrabalde" já pode ser visto em vídeo (lançamento da Transvídeo), mas não tem ainda data marcada para entrar no circuito comercial, finalmente seu "Filme Demência" chega a Curitiba (Groff, 5 sessões). Emílio Di Biasi, diretor de teatro conhecido em Curitiba pelos trabalhos que aqui realizou ("O Contestado", de Romario Borelli; a direção cênica do ballet "O Grande Circo Místico", de Chico/Edu), estreando como ator em "Filme Demência", num papel coringa (Mefisto, Traficante, Vampiro, Homem de Jales, Visionário da Galeria e a velha), recebeu o Kikito de melhor ator coadjuvante (dividindo o prêmio com Paulo São Thiago, ex-professor do curso de arte dramática do Guaíra, por " Fulaninha", de David Neves). "Filme Demência" valeu também o Kikito de melhor montagem para Eder Mazini. Na trilha sonora deste filme, Reichenbach lançou a dupla Manoel Paiva e Luiz Chagas, que voltou com força total, em duplo trabalho no festival de Gramado deste ano - trilhas dos filmes "Anjos do Arrabalde" e "Quincas Borba" (de Roberto Santos). No elenco, o principal papel é de Enio Gonçalves - recriando um Fausto moderno e dramático, mergulhado numa noite de desespero (o filme é uma livre inspiração de Fausto), ao lado de Imara Reis (belíssima), e aparecendo também Rosa Maria Pestana e Vanessa Alves (que, agora, por sua atuação em "Anjos do Arrabalde", foi premiada como melhor coadjuvante). "Filme Demência" é um filme profundo, sensível e que comprovou o talento de Reichenbach - um dos mais notáveis cineastas da nova safra do cinema brasileiro. O Sacrifício "O Sacrifício" foi o último filme do russo Andrei Tarkoviski, que viria a falecer em dezembro passado, vítima de câncer, em Paris, aos 54 anos. Reconhecido como um dos mais criativos cineastas soviéticos, Andrei está tendo agora seus filmes reprisados - e há poucas semanas o Groff relançou seu notável "Sloris" (Prêmio Especial do Júri, em Cannes, 1972), prometendo Chico Alves para breve também "Andrey Rublov" (1966) e "Stalker" (1979). Antes de "O Sacrifício", realizou, na Itália, em 1982, "Nostalgia", ainda inédito no Brasil. "O Sacrifício" não é um filme fácil. Lento, profundo, com muito simbolismo - como todas as obras de Tarkovski - tem, entretanto, aquele toque de genialidade, aquela profundidade que só em grandes mestres se encontra. Não foi sem razão que Ingmar Bergman foi um dos que mais auxiliou Tarkovski a realizá-la, cedendo seu fotógrafo favorito (Sven Nykviskt) e seu ator principal, Erland Josephson, para que esta coprodução sueco-francesa pudesse ser concluída a tempo - representando a França no último festival de Cannes. Numa entrevista, na ocasião, Andrei assim falou sobre "O Sacrifício": - "O assunto que abordo neste filme é, na minha opinião, o mais crucial: a ausência de espaço para a existência espiritual, em nossa cultura. Nós ampliamos a meta das nossas realizações materiais e conduzimos experiências materialistas sem levar em conta a ameaça que é privar o homem de sua dimensão espiritual. O homem está sofrendo, mas não sabe porque. Ele sente uma ausência de harmonia e procura a sua causa." "O Sacrifício" é uma parábola poética. Cada episódio pode ser interpretado de modo diferente. Disse Andrei: - "Eu sei bem que é um filme que diverge das idéias que prevalece em nosso tempo; ele navega contra a correnteza." Embora a disposição em vídeo, "O Sacrifício" deve ser apreciado na tela ampla. A fotografia de Nykviskt, a trilha sonora com temas de Bach e música folclórica sueca e japonesa e as interpretações de Erland Josephson, Susan Fleetwood, Valerie Mairesse, Allan Edwal e Gudrún Gilstadóttir tem que ser apreciadas com tranqüilidade. Tanto "Filme Demência" como "O Sacrifício" são difíceis e especiais - destinados a públicos que sabem amar o cinema. E não propostas digestivas, para serem curtidas em vídeo teipe por analfabetos cinematográficos... FOTO LEGENDA 1 - Andrei Tarkovski dirigindo "O Sacrifício", no cine Ritz. FOTO LEGENDA 2 - Emílio Di Biasi e Enio Gonçalves em "Filme Demência", de Carlos Reichenbach, em exibição no Groff.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Seção de Cinema
14
08/05/1987

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