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Aramis

Dos muitos Fagner, o brasileiro é melhor

Existem muitos Fagner. Há o Raimundo Fagner Cândido Lopes, cearense de Orós, nascido a 13 de outubro de 1950, caçula de uma família de cinco irmãos, que desde pequeno gostava de música e que aos 18 anos já vencia um festival de MPB do Ceará com "Nada Sou" e que, ao chegar ao Rio - após estudar algum tempo arquitetura em Brasília - ganharia o apoio de gente boa para o seu lançamento no Disco de Bolso, de Sérgio Ricardo, cantando "Mucuripe" (que Elis gravaria no mesmo ano). O Fagner do belíssimo "Penas do Tiê", recolhido do folclore cearense e pela qual Nara Leão se apaixonara (a música, bem entendido) e daria apoio ao jovem compositor - trazendo-o inclusive a Curitiba, num histórico show no Paiol, há 12 anos, com um grupo de suporte que hoje seria impossível reunir: Novelli no baixo, Chico Batera na bateria, Nana Vasconcelos na percussão e Wagner Tiso nos teclados (apesar disto, as 3 apresentações no Paiol tiveram reduzidíssimo público). Depois houve o Fagner raivoso, brabo - que logo após o seu primeiro lp feito na Philips ("Manera Fru-Fru, manera", 1973), romperia com a gravadora e passaria para a Continental, onde gravou "Ave Noturna". Logo depois viajaria pela primeira vez a Europa, conhecendo e se entusiasmando com o cantor espanhol Pepe de la Matrona e o guitarrista flamenco Pedro Soler. Surgiria então um outro Fagner - preocupado em estabelecer as relações entre o Nordeste e a Espanha, num trabalho vigoroso, que redundaria, no ano passado, num dos melhores elepês já produzidos - unindo vários talentos hispano-brasileiros ("Homenagem a Picasso", CBS). Na CBS, surgiria o Fagner revelador de talentos. Um excelente produtor, de sensibilidade para valorizar cantadores e poetas populares como Patativa do Assaré (que gravou dois históricos LPs) e, bom amigo, possibilitaria que toda uma geração de companheiros musicais do Nordeste - entre cearenses, pernambucanos e paraibanos, etc., também gravassem seus discos e partissem para carreiras solos. Um Fagner brigão, corajoso, capaz de assumir posições que mesmo antipáticas foram autênticas e que, sem falsa modéstia marcou os anos 70. Vários elepês gravados na CBS, alguns dos quais produzidos na Espanha ou Londres, como o seu mais recente ("A Mesma Pessoa"), uma personalidade rica, um compositor vigoroso - embora com uma voz dura, cortante, acre - difícil de ser aceita/entendida a primeira audição. Sim, há vários Fagners! Fagner produtor, Fagner compositor, Fagner cantor, Fagner brigão. Um artista capaz de surpreender sempre, que se volta ao romantismo como em seu elepê individual de 1984, com faixas como "Cartaz", "Sinal de Estrela", "Um Grande Amor", "A Mesma Pessoa", "Só Você" e "Me Leve". Mas há também este Fagner admirável que entende a cultura popular e teve a felicidade de possibilitar que Patativa do Assaré gravasse dois documentos de sua poética nordestina. Agora, depois de "A Mesma Pessoa" - um elepê cuidadosamente gravado em Londres, surge o aguardado encontro com Luiz Gonzaga. Aqui, numa produção bem descontraída, sem piruetas em arranjos, há a reunião do cearense Fagner com o pernambucano Luiz Gonzaga de Nascimento, 72 anos completados no último dia 13 de dezembro, glória maior da MPB. Nenhum artista brasileiro - nem mesmo Roberto Carlos - tem a força e o prestígio que o grande "Lua", pernambucano de Exu, conseguiu em 50 dignos anos de carreira, com seus baiões tão brasileiros. E neste encontro com Fagner, há momentos da maior beleza, em que em duo, o velho e o novo, numa entonação verde-amarelo, interpretam standards tão queridos do velho Lua e parceiros (Zé Dantas e Humberto Teixeira), ou composições de Klecius Caldas/Armando Cavalcanti ("Cigarro de Paia", "Boiadeiro"), Gordurinha ("Suplica Cearense"), Pedro Bandeira ("Corrida de Mourã"), Zé Dantas ("Acauã"). Enfim, um disco da maior brasilidade, mostrando que entre tantos vôos ibéricos e preocupações internacionais, Fagner realiza o melhor de seu trabalho ao se encontrar com o mestre dos mestres, este querido e eterno Luiz Gonzaga.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
25
10/02/1985

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