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Aramis

ECM, mais belo som depois do silêncio

Manfred Eicher é um produtor muito especial. Busca sempre músicos criadores com uma obra extremamente renovadora, que não se limitam a rótulos e esquemas, assim é que apenas dois brasileiros - Egberto Gismonti e o percussionista Nana Vasconcelos, estão entre seus editados. O catálogo da ECM Records é precioso. Durante algum tempo foi editado no Brasil pela WEA. Hoje tem seus direitos em poder da Polygram, que faz lançamentos esporádicos. Com a crise da produção e como os discos da ECM não atingem vendagens imensas - ao contrário, chegam a um público específico, de alto nível, os dois últimos discos da ECM aqui lançados são difíceis de encontrar nas lojas: "Song for Everyone", terceiro disco do violinista indiano L. Shankar com as participações de Jan Garbarek (sax, soprano/tenor), Zaku Hussain (tabla, congas) e Trilok Gartu (percussão) e "It's Ok to Listen to the Gray Voice", 13º disco do saxofonista norueguês Jan Garbarek e seu grupo. Manfred Eicher chegou até a cunhar uma frase-lema para seus músicos: - "A ECM deve produzir o mais belo som depois do silêncio". Antônio Gonçalves Filho, da "Folha de São Paulo", lembrou em recente texto (10/10/86), que o chamado som ECM surgiu, na década de 70, como conseqüência do chamado "free jazz" (Ornette Coleman, Cecil Taylor, Eric Dolphy, Albert Ayker e outros), um movimento musical quase político, na medida em que o tratamento do material sonoro - improvisações, destruição da "decoupage" temática tradicional - tinha como meta enlouquecer a indústria fonográfica com a impossibilidade de rotular o que esses instrumentistas faziam. Assim, diz Gonçalves Filho, de um certo modo, a ECM aparece como um dos poucos selos a aceitar tal fluxo sonoro e a diversidade de um som alternativo que não despreza influências orientais, o amálgama das vanguardas ocidentais e certo tipo de experimentação eletrônica mais voltada para o estabelecimento de "climas musicais" do que propriamente preocupada como o "jazz". Enfim, diz Gonçalves Filho, o código não importa: o que está em jogo é a valorização do lúdico e a ruptura com a tradição. O álbum "It's Ok to Listen to the Gray Voice", com Barbarek e seu conjunto nem chegou nas lojas da cidade, enquanto que "Song for Everyone" ainda pode ser encontrado. E revela a música de Lakshiminarayana Shankar, 36 anos, um violinista indiano que chegou ao Ocidente, há 17 anos e em 1972 já estava tocando com o guitarrista John McLaghlin e o trompetista Clifford Thorton. Após freqüentar cursos musicais na Universidade de Wesleyan, Shankar fez concertos com músicos free como Ornette Coleman, Jimmy Garrison e Archie Sheep. Shankar - não confundir com Ravi Chankar, que via Beatles, se transformou no guitarrista mais conhecido no Ocidente nos anos 60 - desenvolveu um violino originalíssimo, construído pelo "luthier" Ken Parker. Trata-se de um instrumento de dez cordas, totalmente diferente do violino tradicional e que produz sons próximos a instrumentos orientais - inclusive a cítara - ou seja, diverso daqueles cuja Stephane Grappeli e Jean-Luc Ponty usam. Gravado com a participação do sax soprano Jan Garbarek, Zakir Hussain na tambla e congas e Trilok Gurtu na percussão (músico africano que já trabalhou com Airto Moreira, inclusive participando de sua "Missa", apresentada em Colonia, RFA, há 4 anos), este "Song for Everyone" é um disco que mistura as mais diferentes influências - da Índia à Europa, passando por jazz e até referências brasileiras - a cargo de Gurtu, com lembranças de seu trabalho com Airto. Garbarek, no sax soprano e tenor, passa um clima especial em suas notas - enquanto que Shankar mostra ser um instrumentista permeável às influências dos diversos sistemas musicais que estudou. É um disco de vanguarda mas não totalmente hermético - e que se ouve com prazer. Já "It's Ok to Listen to the Gray Voice" traz Jan Garbarek, 39 anos, com temas que parece fundir o impressionismo de Debussy com o minimalismo de Steve Reich. Quatro excelentes instrumentistas - Garbarek no sax; David Torn na guitarra-sintetizador; Eberhard Weber no baixo e Michael DiPasqua na percussão valorizam este elepê - inquisidor e renovador. Dois lançamentos classe A para quem gosta de música contemporânea.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
15/02/1987

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