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Aramis

Edgar fala das estrelas...

Um dos mais respeitados sociólogos franceses, Edgar Morin, voltou-se para o cinema há muitos anos e, em colaboração com o antropólogo-cineasta Jean Rouch, 73 anos, desenvolveu o chamado cinema verité, em documentários nos quais mostrou sua preocupação com grupos étnicos e problemas raciais. Doutor em literatura, engenheiro civil, etnólogo, Rouch - muitas vezes em colaboração com Morin - realizou a partir de 1947 importantíssimos filmes na Nigéria, Mali, Alto Volta, Costa do Marfim e outros países africanos. Esteve também no Brasil, influenciando vários diretores do Cinema Novo, embora seus filmes nunca tivessem lançamento comercial. Edgar Morin, grego de Salonica mas naturalizado francês, 69 anos, jornalista (foi editor da famosa "Arguments"), autor de vários livros, foi diretor da Central Nacional de Investigação Cinematográfica e exerceu a crítica cinematográfica, resultando livros como "O Cinema e o Homem Imaginário" (1956) e uma primeira versão de "Les Stars" (1957). Dos filmes que fez com Rouch, o mais famoso foi "Chronique d'un éte", 1961, considerado obra marco do cinema-verdade. "Les Stars", que teve uma edição ampliada em 1972, e que ganhou novos capítulos em 1984, chega agora ao Brasil em cuidadosa tradução de Luciano Trigo, com assistência de Carlos Alberto de Mattos, presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Rio de Janeiro: "As Estrelas - Mito e Sedução no Cinema". Trata-se de uma obra fascinante pois, passados 33 anos, continua praticamente única na abordagem que Morin, em sua dupla condição de cinéfilo e cientista social, soube fazer do "Star System". A visão crítica, sociológica, do mito estrela/astro que fez a magia do cinema especialmente americano, mas igualmente difundida por outras cinematografias, tem neste livro uma apreciação que atenta às categorias marxistas de interpretação do real e aos imperativos da lógica capitalista da produção (que, por exemplo, promoveram num determinado momento a fabricação de toda uma cultura para as novas camadas sociais), também opera com o lúdico e o mítico, instrumentos indispensáveis para o deciframento desta outra economia, informal, subterrânea - economia de trocas simbólicas, se quisermos usar o conceito de outro sociólogo francês, Pierre Bourdieu - que se efetua no escurinho do cinema, entre estrelas e público. Assim, é interessantíssimo entender o processo que desde o nascimento do cinema até os nossos dias, fez muito com Louise Brooks, Greta Garbo, Marlene Dietrich, Marilyn Monroe, Rita Hayworth e centenas de outras estrelas - ou de astros - de Rodolfo Valentino a James Dean - serem vistos como "ídolos" e "mercadorias", divinas(os) e mortais, com uma vida pública-privada que se confunde com a de seus personagens, mulheres totais que podem ser amadas como uma irmã e desejadas como uma amante (o mesmo valendo aos homens, para o público feminino), as estrelas (e astros) do cinema "dizem muito sobre a nossa sociedade e nosso tempo", como diz, com lucidez, o tradutor Luciano Trigo. Ao final do livro - que justifica também futuras apreciações mais aprofundadas - há uma cronologia do cinema-mito, a partir de seu nascimento (1895), com datas fundamentais - em termos de cinema, gêneros, modismos e, especialmente, as stars. Por exemplo, entre 1918/26, o apogeu do "Star System" hollywoodiano - Rodolfo Valentino, Fairbanks, Lon Chaney, John Gilbert, Wallace Reid, Mary Pickford, Gloria Swanson, Norman Talmadge, Clara Bown, Pola Negri, Greta Garbo. Depois, as diferentes stars que surgiram - seja Rita Hayworth ("Gilda", 1946) em Hollywood, Michele Morgan na França ("Cais das Sombras", 1938), Anna Magnani na Itália ("Amore", 1948), passando para Ava Gardner (a partir de 1951, "Pandorra"), Audrey Hepburn ("A Princesa e o Plebeu", 1953), Grace Kelly ("Ladrão de Casaca"), James Dean ("Vidas Amargas", 1955), Marilyn Monroe - até chegar nos anos 60/70, quando uma nova fase se iniciou. Enfim, toda uma constelação de nomes-mitos, vistos numa obra profunda, crítica e reveladora - mostrando os bastidores do "build up" com que é construído um star.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
07/04/1990

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