Login do usuário

Aramis

Em defesa do cinema de nosso continente

Se a Mostra Latino-Americana de Cinema (2 a 10 de outubro de 1987) não tivesse (como tantos outros eventos ocorridos no Paraná) ficado na primeira e única edição, hoje poderia estar a caminho de se tornar um acontecimento de importância no calendário de festivais cinematográficos. Principalmente porque agora, mais do que nunca, a Embrafilme / Concine estão preocupados em aproximar as cinematografias do continente, como ficou definido durante a primeira reunião preparatória do Foro de Integração Cinematográfica Latino-Americana, realizado paralelamente ao Festival de Gramado. Nos dias 14 e 15, executivos de instituições cinematográficas analisaram questões do mercado, os inimigos comuns (especialmente o cinema americano), a necessidade de fazer as cinematografias de cada país se tornarem mais conhecidas e, com isto, abrir espaços para cinemas cada vez mais asfixiados. Após as reuniões, Roberto Farias, vice-presidente do Concine e que há 11 anos, quando presidia a Embrafilme, já havia promovido em Brasília o I Encontro sobre Comercialização de Fala Espanhola e Portuguesa, mostrou em números a situação dos cinemas latino-americanos - irmanados por muitos problemas comuns. Por exemplo, embora hoje exista uma demanda anual de 64 mil produtos audiovisuais (ou seja, filmes, vídeos) para suprir uma média de 10 horas diárias de programação em 180 países, a presença das cinematografias latino-americanas é mínima. Obviamente, que a fatia maior vai para os Estados Unidos, embora na Europa exista uma defesa natural para a produção dos países da comunidade do Velho Mundo. xxx Francisco Gomes Ruiz (Pancho), diretor geral da Pelmex (Películas Mexicanas), revelou que hoje, de todos os países latino-americanos, o México tem o melhor desempenho: em 1988 foram ali produzidos 127 longa-metragens exibidos numa cadeia de 600 salas de propriedade da própria Pelmex. Em compensação, há mais de 10 anos que a Pelmex abandonou vários países - inclusive o Brasil - embora aqui, durante os anos 40/50, houvesse grandes aceitações pelos seus filmes. Júlio Sosa Pietri, cineasta e presidente do Fundo de Fomento Cinematográfico da Venezuela - ao lado de Maurício Walerstein, da junta diretora da Câmara Venezuelana de Produtores de Películas de Longa-Metragem, mostraram que apesar da prosperidade econômica daquele país, sua produção cinematográfica caiu de 8 longas em 1984 para apenas 4, no ano passado. Também na Argentina, com 30 longas em 1988, tem se observado uma queda de produção - idêntica à ocorrida na Colômbia (de oito longas em 1986 para 3 em 1988). Portanto, a situação brasileira não é única. Na Nicarágua foram produzidos até hoje apenas três longas e em Cuba (12 longas por ano) e Peru (8) a produção se mantém estável. xxx Homem prático, a quem o cinema brasileiro muito deve em sua ação na Embrafilme (que presidiu durante o período em que Ney Braga ocupou o Ministério da Educação e Cultura), Roberto Farias fez sugestões práticas para, evitando-se a burocracia, serem executadas a curtíssimo prazo. Uma delas: firmar convênios em que haja uma multinacionalidade das películas produzidas pelos países íbero-americanos. Assim, filmes dos países que firmarem acordo poderão ser exibidos no Brasil dentro dos 140 dias reservados a nossa produção. Há razões para isto e a fórmula pode funcionar. Outra proposta é a criação de uma distribuidora internacional de economia mista, com a participação dos países membros, e um acordo único de co-produção entre os países íbero-americanos, baseados no convênio já firmado entre o Brasil e a Venezuela. xxx Há razões sólidas para os países de organizarem nesta área. O mercado para filmes de língua portuguesa e espanhola é de mais de um bilhão de espectadores. Poderão ser atingidos também a Europa e países africanos de língua portuguesa, num mercado dos mais amplos. Mas para isto, há que se ter uma visão objetiva e eliminar-se entraves que dificultam atualmente a comercialização dos filmes. Ney Sroulevich, hoje na direção comercial da Embrafilme, mas há anos produtor e distribuidor - e principalmente como idealizador e diretor executivo do FestRio, tem exemplos pessoais de como é difícil fazer chegar ao mercado exibidor os filmes cubanos, mexicanos ou venezuelanos, que têm sido apresentados no FestRio e que, embora com seus direitos adquiridos, esbarram numa série de problemas. Por exemplo, "Frida", do mexicano Paul Delluc - biografia da notável artista plástica mexicana que foi amante de Leon Tostói (e sobre quem acaba de sair uma biografia no Brasil), permanece inédito entre nós, assim como "Se Permuta", deliciosa comédia cubana, capaz de conquistar o público pelo seu humor inteligente. Apenas dois exemplos, entre muitos que podem ser anotados. xxx Colonizados culturalmente pelo cinema americano, mesmo os cinéfilos brasileiros desconhecem a produção latino-americana. Raros filmes produzidos na Argentina, Venezuela ou México chegam aos nossos circuitos - e quando muito são vistos em mostras especiais. A experiência feita há dois anos, quando o governo Álvaro Dias patrocinou a exibição de alguns filmes latino-americanos pela Rede Globo, mostrou que há interesse por esta produção. Pena que a Mostra Latino-Americana, aqui realizada, não tivesse tido continuidade - entrando na relação de eventos culturais que ficam restritos a primeira e única edição. xxx Anunciando que novas reuniões acontecerão antes do Foro de Cinema Latino-Americano (9 a 11 de agosto/89, Caracas), quando serão examinados à luz de suas respectivas legislações, os aspectos que contemplam a criação de um Mercado Comum, Roberto Farias fez questão de salientar que no mundo de hoje, em que os grandes capitais internacionais no negócio de comunicação de massa juntam-se para garantir o domínio do mercado internacional, a produção cultural dos países do terceiro mundo tem que procurar meios de sobrevivência. - "A integração de cinema íbero-americano em um mercado comum, que já preconizávamos por documentos assinados em encontros realizados em Brasília (1977) e Espanha (83/84), torna-se cada vez mais urgente".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
24/06/1989

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br