Em "Lola", uma visão crítica da Alemanha
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de agosto de 1986
"Não sei narrar história alguma de modo não político, por mais engraçada que seja. Por princípio, eu recusaria isso para mim e meus filmes. Especialmente também para a época em que transcorre este filme. Foi uma época tremendamente política a era de Adenauer". (Werner Fassbinder, a propósito de "Lola".)
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Dentro de sua imensa, explosiva e às vezes complexa obra, "Lola" (Cine Luz, 5 sessões último dia em exibição) é um dos momentos mais significativos da visão que Fassbinder tinha de seu país. Realizado poucos meses antes de sua morte, vítima de uma overdose, em 1982, "Lola" tem uma relação direta com "O Casamento de Maria Braun" (agora disponível também em vídeo) e, na explicação do próprio realizador, os dois filmes faziam parte "de minha história atual da RFA":
- "Maria Braun" e "Lola" não são filmes sobre o país tal como é hoje. Para compreender o presente, o que um país se tornou ou ainda se tornará, é preciso compreender toda a história ou tê-la utilizado".
Estas duas citações de Werner Fassbinder auxiliam bastante o entendimento de "Lola", simples e objetivo em sua narrativa. A ação se passa entre 1955/57, no período da reconstrução da Alemanha Ocidental. Numa pequena cidade, em plena fase do chamado Milagre Alemão, um poderoso construtor, Schuckert (Mário Adorf), domina com corrupção e habilidade as autoridades e faz grandes negócios - enquanto à noite diverte-se com uma cantora-prostituta, Lola (Bárbara Sukowa), na Vila Fink, o cabaré da cidade. A vinda de um novo diretor de urbanismo, Von Bohn (Armin Mueller - Stahl), pode balançar os interesses de Schuckert e outros poderosos. Entretanto - e aí fica a ironia do Fassbinder - as coisas se ajustam para um final crítico e social.
A ação transcorre justamente a partir do segundo período administrativo de Konrad Adenauer (1876-1967) como chanceler, cargo que ocupou na República Federal da Alemanha entre 1949/63. O período de reconstrução, o chamado milagre econômico - conseqüência da aplicação dos milhões de dólares do Plano Marshal - tem, no microcosmo abordado por Fassbinder, uma análise crítica profunda. Não foi sem razão que inicialmente o projeto de Fassbinder era refilmar o clássico "O Anjo Azul" (Der Blaue Engel), 1930, de Josef von Sternberg (1894-1969). A personagem Lola-Lola (clássica criação de Marlene Dietrich, então com 28 anos, do romance de Heinrich Mann (1875-1950) oferecia elementos fascinantes, embora a Lola (na verdade Marie-Louise) desta Alemanha dos anos 50 tenha muito mais ternura e seja mais vítima do que a Lola-Lola dos anos 20 que enfeitiça o pobre professor Rath (Emil Jannings). Mas o clima de cabaré político, o sexo latente dos personagens e mesmo alguns diálogos aproximam ideologicamente os dois filmes. Politicamente, pela denúncia da especulação imobiliária, a visão de Fassbinder, lembra mais um contundente filme de Francesco Rosi, "La Mani Sulla Cità" (1963, nunca exibido no Brasil), no qual um tema que continua atualíssimo hoje como há 20 anos passados - era corajosamente denunciado: os interesses de empresários inescrupulosos que enriquecem desonestamente com construções.
Ao lado dos conflitos humanos - o triângulo entre Lola/Von Bohn/Schukert, os personagens marcantes como Esslin (Natthias Fuchs) e sra. Fink (Sonja Neudorfer) - espécies de consciências críticas - "Lola" é também, esteticamente, um filme perfeito. Trabalhando com dois de seus colaboradores habituais - o fotógrafo Xaver Schwarzenberger e o músico Peter Raben - Fassbinder realizou um filme que desliza suavemente ao longo de seus 119 minutos que, cremos, mereceria permanecer mais uma semana em cartaz - se não fosse a indesculpável pressa do bom Chico Alves, programador dos cinemas da Fundação, em substituí-lo por "Metrópolis" (1926, de Fritz Lang, em versão colorida por computador e musicada por George Moroder).
Entre tantos aspectos fascinantes, uma revelação: Bárbara Sukowa, 36 anos, intérprete da personagem-título, vindo do teatro alemão e trabalhando pela segunda vez com Fassbinder (anteriormente, havia aparecido em algumas seqüências de "Berlin Alexander Platz"), mostra extraordinária atuação - e se entende porque, no último festival de Cannes, o júri dividiu entre ela (por sua atuação em "Rosa de Luxemburgo", de Margareth von Trotta) e a carioca Fernanda Torres ("Eu Sei Que Vou Te Amar", de Arnaldo Jabor) o prêmio de melhor atriz.
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