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Aramis

Em uma centena de boletins, um pouco das memórias de Curitiba

Quando, em julho de 1974, então dividindo com o advogado Constantino Viaro e o arquiteto Alfredo Willer a direção da recém implantada Fundação Cultural de Curitiba, tivemos a idéia de criar uma publicação ágil, econômica e que pudesse divulgar diferentes textos ligados a Curitiba, Valêncio Xavier, homem de TV e pesquisador, que havia sido convidado para nos assessorar (*), trouxe uma idéia das mais oportunas: "Várias gerações de curitibanos colecionaram as figuras das Balas Zequinha mas nunca ninguém se preocupou em pesquisar quem criou o personagem, como ele surgiu". A Idéia de Valêncio era rica! Oferecia oportunidade de se levantar as primeiras informações em torno da mais curitibana das criações - numa espécie de "herói" de uma história em quadrinhos, exercendo as mais diferentes atividades, ao longo de 100 diferentes imagens, embrulhadas em balas (de medíocre qualidade) que entretanto vendiam quantidades enormes. Para quem conseguisse completar a coleção - inclusive a raríssima número 100 ("Zequinha Premiado") - a chance de um brinde maior: uma bicicleta reluzente. Todo um comportamento paralelo, remetendo a verdadeiros folguedos infantis - incluindo o jogo do bafo, nasceu do hábito de colecionar as balas Zequinha, cujo nome - entraria no "dicionário curitibano" como sinônimo de pessoa com pretensões de tudo fazer, tudo saber... Valêncio, com sua visão de produtor, se pôs a campo para buscar informações - aliás, uma deficiência que passadas quase duas décadas continua a existir em nossa cidade. Obteve, entretanto, referências mínimas, algumas ilustrações e em agosto de 1974 era lançado um folheto de pouco mais de 70 páginas com o feliz título de "Desembrulhando as Balas Zequinha", na época em que a FCC funcionava em sua modesta primeira sede, um casarão no alto da Rua Lisímaco Ferreira da Costa, 20 - derrubado 3 anos depois para ali ser construído, pela Farid Surugi S/A, o edifício residencial Porto Belo, com 20 andares. Algumas semanas depois, entrava na modesta sala da Diretoria Executiva, por mim exercida naquela época, um garoto gordo, falando como uma matraca e se identificando como neto "do pioneiro da pavimentação das ruas de Curitiba" e, descendente, pelo lado paterno, de uma das mais conservadoras famílias da cidade - os Macedo. Trazia um texto e uma coleção de fotos. Iniciando o curso de engenharia civil, se interessou pela história da família e havia escrito uma redação em estilo escolar. As fotos eram interessantes. Enfim, um material que, bem diagramado e com alguns cortes, poderia dar seqüência ao projeto dos "Boletins Informativos". Propus a sua publicação a Willer e Viaro e em outubro era lançado "Os Caminhos da Pavimentação em Curitiba", cuja modesta edição foi praticamente distribuída entre os familiares e amigos do autor. Filho de famílias ricas, sem qualquer ocupação que não fosse freqüentar o curso de engenharia da UFP, o garoto se entusiasmou e, poucos dias depois, voltava com outro texto: "Romário Martins, um punhado de terra natal", adaptado de leituras em vários livros que em dezembro sairia como volume 3. O jovem, em sua metralhadora verbal-tradicionalista-curitibana, já falava em outros temas para futuras publicações, mas por uma questão de bom senso, Valêncio e eu achamos que deveria haver trabalhos de outras pessoas, com maior solidez cultural e experiência. Assim, Valêncio convenceu o admirável Armando Ribeiro Pinto (**) a ceder três contos para o volume número quatro, ainda lançado em dezembro de 1974, enquanto a mais dedicada e admirável pesquisadora da música do Paraná, professora Roselys Velloso Roderjan, biógrafa de Bento Mossurunga (1879-1970), fazia uma síntese da vida do compositor castrense para o volume 5, lançado em janeiro de 1975 - mesmo mês em que o boletim nº6 publicava o texto teatral "Maria Bueno", peça escrita por Oraci Gemba - e montada na época - pelo grupo Escala. xxx Consolida-se, em menos de 5 meses, a idéia de, mesmo com os recursos mínimos que a Fundação dispunha, em valorizar temas e autores paranaenses. Valêncio voltaria a fazer um boletim, desta vez abordando "O lazer na Curitiba antiga", enquanto Rafael, aproveitando um tema que sugeri na ocasião - o desaparecimento dos tradicionais armazéns de secos e molhados, substituídos por supermercados (que começavam a se implantar na cidade), corria para, mesmo sem profundidade, preparar um texto a respeito que, por boa vontade acabou sendo publicado com o título de "Freguês de Caderno". Cláudio Lacerda, hoje advogado da Telepar, na época com uma produção regular de contos - mas que jamais pretendeu sequer publicá-los - foi convencido por mim e pelo Valêncio a ceder 3 contos, que sairiam no número 9, lançados quando a Fundação já tinha então se mudado para a Praça Garibaldi, 7 (onde se encontra até hoje), e da qual já havia me afastado por divergências ideológicas - culturais. xxx A mudança de diretores da Fundação - inicialmente Maria Eliza Ferraz (hoje Paciornik) na área executiva, a partir de 4/12/75 e, posteriormente, com a escolha de Ennio Marques Ferreira (presidência) e Lamartine Braitbach (administrativo/financeiro) e o jornalista Vinícius Coelho dos Santos (executivo), não interromperia o projeto, Rafael Greca de Macedo, já engenheiro civil acabaria assumindo a direção da Casa Romário Martins. Buscando a assessoria de uma jovem e competente jornalista, Maí Nascimento um "pé-de-boi" para o trabalho, Rafael passaria a assinar (creditando também alguns colaboradores) - dezenas de Boletins, a partir de maio de 1979, intercalando temas ligados a bairros, espaços e fatos da história de Curitiba, com sete "memórias de vida" - necrológicos-depoimentos sobre alguns curitibanos tradicionais - como o ex-prefeito Lineu Ferreira do Amaral (1897-1979), Accioly Filho (1920-1979), Carlos Heller (1892-1980), Raul de Azevedo Macedo (1891-1981), entre outros. No total, seu nome apareceria como autor em cerca de 20 volumes. xxx Notas (*) Valêncio Xavier, 59 anos, paulista de nascimento, tem exercido várias atividades, publicando livros (dois deles em colaboração com Poty) e foi idealizador, fundador e primeiro diretor da Cinemateca do Museu Guido Viaro, para o qual retornou, como consultor, para tentar desenvolver ali alguns projetos que os atuais "coordenadores", por incompetência, comprometeram.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
12/07/1992

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