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Aramis

Escolas de samba sem dinheiro mas mordomias para "Municipal"

Na tarde de segunda-feira, 24, na sede da Associação das Escolas de Samba de Curitiba, houve uma reunião de contornos quase dramáticos entre diretores de algumas escolas. De um lado, o presidente Neil Hamilton, 59 anos, ex-dirigente da E. S. Colorado e que há quatro anos vem se dedicando à entidade que tenta reunir e fortalecer as agremiações carnavalescas da capital. De outro, dirigentes de algumas escolas - especialmente da Mocidade Azul -, expondo problemas que as mesmas estavam enfrentando nesta semana final e ligados à crise maior: a falta de recursos. Dos Cr$ 125 milhões que a prefeitura - via Fucucu - repassou para a Associação, apenas Cr$ 50 milhões foram distribuídos entre as 11 escolas que amanhã e domingo estarão desfilando na Avenida Marechal Deodoro. O que dá pouco mais de Cr$ 4 milhões às chamadas "grandes" e a metade para as do segundo grupo. O resto do dinheiro é para as despesas de infra-estrutura da festa, "que consome todos os recursos, pois os custos estão cada vez mais elevados", diz Hamilton. Ao contrário do que acontecia nos tempos em que o extinto Departamento de Relações Públicas e Promoções da Prefeitura organizava o carnaval - que passou a ter patrocínio oficial em 1952, por decisão do inesquecível prefeito Erasto Gaertner (1900-1953) - repassava a ajuda às escolas mas arcava com as despesas de montagem das arquibancadas na avenida (o que consome mais de 40% do orçamento), trajes e premiações da "Família Real" - Rei Momo e as duas princesas, jurados e outros gastos. Hoje, a Fucucu - apoiada em decisões tomadas por dirigentes da algumas escolas-de-samba (mas que não representaram, em absoluto a unanimidade dos participantes) ficou apenas com o filé mignon da promoção: patrocina generosamente o "Rancho das Flores" - que este ano deverá reunir cerca de 800 idosos acima dos 65 anos para um nostálgico desfile abrindo o carnaval; convida os 18 jurados - nove dos quais do Rio de Janeiro e promove outros eventos - como o Baile Municipal - que está sendo dos mais contestados pelos legítimos dirigentes carnavalescos. Charrão (José Santos Barbosa), 45 anos, carioca que desde 1963 reside em Curitiba, fundador e diretor da Mocidade Azul - ex-Dom Pedro II, não esconde suas críticas: - "O Baile Municipal é um gasto inútil, para quem não precisa de carnaval. Ao contrário, serve apenas para gastar recursos que poderiam ajudar as nossas pobres escolas". Vicente Roberto Mielle, 33 anos, também carioca, mas hoje radicado em Curitiba, presidente da Mocidade Azul - que tem 13 vitórias em 16 anos em que participa do carnaval de rua, tem idêntica posição. - "Não somos contra desfiles de fantasias de luxo, mas é uma promoção dispendiosa, que nada acrescenta ao legítimo carnaval. Além do mais fica restrito a uma minoria que vai ao clube e o povo não participa. Por isto, a Mocidade Azul vai destinar um de seus carros alegóricos e fantasias premiadas em anos anteriores, para que possam ser apreciados pelos que não dispõem de dinheiro para ir ao Baile Municipal". Delcy D'Avila, atriz e presidente da Escola de Samba Embaixadores da Alegria, campeã no ano passado (pela primeira vez em 43 anos de existência da escola fundada por José Cadilhe de Oliveira), também não esconde suas críticas ao desperdício que foi o Baile Municipal. Para ela, que vem há mais de 60 dias comandando um exército de costureiras para criar figurinos e adereços - disposta a repetir o campeonato com o enredo "Desembrulhando as Balas Zequinha", o que se gastou só em passagens com convidados da Fucucu para virem participar do júri das fantasias do Baile Municipal (realizado na última sexta-feira, no Círculo Militar, com ingressos a Cr$ 2 mil) daria para aumentar as subvenções às escolas. xxx Mais uma vez, a presidente da Fucucu, aproveitou um evento para convidar um grupo de amigas do Rio de Janeiro para integrar o júri do desfile de fantasias. Naturalmente, o primeiro nome foi da carnavalesca Rosa Maria Magalhães, que na atual administração lerneana, foi a profissional que mais faturou na execução de cenografias e cenários para "produções" realizadas em Curitiba. Acredita-se que Rosa Maria já esteve mais de 30 vezes em Curitiba, geralmente como convidada oficial - hospedada em hotel cinco estrelas, com todas as mordomias. Estranhou-se, até a ausência, no júri das fantasias, da atriz Clarice Dersier Luz, outra carioca que tem vindo quase que quinzenalmente a Curitiba. Talvez ela esteja entre os nove convidados do Rio de Janeiro - cada um ganhando um cachê de Cr$ 300 mil, passagens aéreas, hospedagem e alimentação - que estarão julgando no sábado e domingo as escolas de samba. Somadas aos nove outros jurados, "entre pessoas de Curitiba e também do Interior" - como diz o coordenador Nelson Santos - só no item do júri a Fucucu gastará mais de Cr$ 6 milhões. Charrão, em sua autenticidade de carnavalesco, sem compromissos de bajular os atuais dirigentes da festa em termos oficiais, esbraveja: - "Eu sempre fui contra os júris formados por pessoas de fora. Além de representar um custo que acaba saindo dos cofres oficiais, reduzindo a verba que deveria ir para as escolas, traz pessoas que, independente de seus curricula e conhecimentos, não sabem de nossa realidade e acabam fazendo julgamentos discutíveis. No ano passado, a Mocidade Azul perdeu o concurso pela falta de maior identificação ao nosso carnaval, com suas características, devido a presença de convidados de fora". Embora exista também quem defenda os jurados vindos do Rio de Janeiro - como Delcy D'Avila, satisfeita de ter visto, afinal premiada a Embaixadores (que sempre ficava em segundo lugar), o fato é que a comissão julgadora foi inchada na atual gestão de Jaime Lerner. De 3 a 4 convidados especiais, que vinham nos carnavais dos anos 70, hoje há mais de uma dezena de outras cidades. Muitos deles, aliás, desconhecem totalmente as características do carnaval que se faz em Curitiba, as dificuldades de nossas escolas e fazem julgamentos do ponto de vista das escolas do grupo especial do Rio de Janeiro, o que leva a injustiças" - repete Charrão. LEGENDA FOTO -Escola de Samba Embaixadores da Alegria, 43 anos, apenas um título de campeã, fundada por José Cadilhe de Oliveira (foto) e hoje presidida por Delcy D'Avila, quer ser bicampeã com um enredo bem curitibano: "Desembrulhando as balas Zequinha". O samba-de-enredo é de Carlos Eduardo Mattar.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
28/02/1992

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