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Espaços alternativos e direitos humanos em discussão na Jornada

Salvador - O mais importante documentário realizado no Brasil nos últimos anos sobre a questão cultural, "Memória Viva", de Octávio Bezerra, premiado no IV FestRio, continua inédito quase um ano após ter sido aplaudido pelos que o assistiram na única exibição realizada no Hotel Nacional. Bezerra, 44 anos, mostra-se revoltado com a Embrafilme: - "Não existe o menor plano de lançamento para este filme, nem para tantos outros projetos especiais, que ficam bloqueados devido à incompetência da empresa em sua área de comercialização". A revolta de Bezerra não é um fato isolado: Tetê de Moraes, que com "Terra para Rose", obteve o prêmio máximo no último Festival de Havana, após ter levado os principais "Candangos" no Festival de Brasília-87, cansou-se de ouvir desculpas para a distribuição deste seu pungente documentário sobre os sem-terra no Rio Grande do Sul e retirou o filme da Embrafilme. Está armando um esquema de lançamento independente [e] aguardava, ansiosamente, a vinda de Francisco Alves dos Santos, diretor da área de cinema da Fundação Cultural de Curitiba, para programar a estréia de seu filme em nossa capital. Chico Alves - cuja presença chegou a ser confirmada na manhã de domingo, acabou não vindo porque a diretoria da FCC se recusou a lhe fornecer a passagem. Uma pena. A presença do bom Chico teria sido importantíssima no Encontro Nacional dos Espaços Cinematográficos, realizado na tarde de segunda-feira, dia 12, quando se discutiu uma questão crucial: a necessidade de se estabelecer um circuito paralelo para projeção de médias, curtas e longas, nacionais (e também estrangeiros) que não têm chances de serem absorvidos pelo circuito comercial, o que inviabiliza que obras de maior importância sejam vistas por amplas faixas de público. O Jornal da Jornada, 3 mil exemplares, editado pelo jornalista José Antônio Moreno, com uma completa cobertura de todos os eventos que compõem a programação da XVII Jornada Internacional de Cinema da Bahia, tem entre os apoios publicitários, um anúncio institucional de que em Curitiba a Prefeitura mantém não apenas uma, mas sim três salas de exibição (que, em breve, serão quatro, com a inauguração do Centro Cultural do Portão); assim, desfrutaríamos de uma situação privilegiada, para a programação de filmes importantes, não comerciais, que normalmente ficam restritos aos festivais e às salas de cultura do eixo São Paulo. Só que para acertar esta programação, seria indispensável a presença de Francisco (por sinal, membro do conselho diretor da Jornada, evento que acompanha há anos), aqui em Salvador - o que não aconteceu. Outro espaço alternativo Outro espaço alternativo, em Curitiba, que poderia também se beneficiar com a programação de filmes de arte, documentários e produções especiais, seria o auditório Brasílio Itiberê na Secretaria de Cultura. Infelizmente, há mais de seis meses o projeto de ali instalar uma cabine para projeção em 35mm/16mm esbarrou no Triângulo da Bermudas burocrático que faz com que as coisas andem em passo de tartaruga na área cultural do Paraná. Valêncio Xavier, ao assumir a direção do MIS-PR, o fez com planos de movimentar o auditório, mas para isto o mesmo tem que ter as mínimas condições. Os aparelhos de projeção existem: o de 35mm veio do Palácio Iguaçu (onde estava desativado há anos, jogado num depósito) e se encontra precariamente montado no auditório Paul Garfunkel da Biblioteca Pública. O de 16mm, de fabricação alemã, é excelente, e garante a máxima qualidade de projeção. Filmes para uma programação interessante existem. Os realizadores sonham em ver suas obras programadas. Só falta interesse e boa vontade para que Curitiba possa ver os melhores filmes, em várias bitolas e durações, que em eventos como nesta Jornada da Bahia, revelam a face do cinema como instrumento do real, trazendo temas como o racismo, dramas dos sem-terra, dívida externa, educação, o desaparecimento do patrimônio histórico e tantos outros em mais de 150 filmes (e vídeos) exibidos tanto nas mostras competitivas como nas informativas. Abrangendo também produções latino-americanas - especialmente curtas cubanos e curtas da Venezuela - além de alguns países africanos (Moçambique e Angola). A amostragem que Guido Araújo conseguiu reunir para este evento confirma sua seriedade e importância internacional. Octávio Bezerra, que concorre com grandes chances à premiação na categoria de longa com seu excelente "Memória Viva" (atualmente, começa a montar seu novo documentário, "Uma Avenida Chamada Brasil") é um entusiasta da Jornada. - "Em termos de cinema cultural, é a promoção mais importante do Brasil. Pena que haja um boicote tão grande em relação à sua divulgação". Bezerra teve seus curtas, "Resistência da Lua", sobre a cultura popular em Salvador, aqui premiado há dois anos - depois de ter também obtido uma premiação no Festival de Havana. Levado em 12 festivais internacionais, este curta continua inédito: - "É o reflexo da desorganização de qualquer programa do cinema cultural. Por isto mesmo, meu novo documentário, no qual abordo as favelas ao longo da Avenida Brasil - uma verdadeira guerra civil - não tem a participação da Embrafilme e sua distribuição será inédita. O cinema inédito Nos últimos três dias da Jornada, já se faziam, naturalmente, especulações dos filmes e vídeos que levarão os vários prêmios - desde o de melhor filme do evento, "Glauber Rocha" (no valor de Cz$ 300 mil) até os 15 Tatus (ouro, prata e bronze) nas diversas categorias. Entre os favoritos longas, "Terra para Rose" aparece, naturalmente, como um dos mais citados. Afinal, este documentário que a cineasta Tetê Moraes realizou no Rio Grande do Sul, a partir da invasão da fazenda Anoni, se constitui num verdadeiro libelo sobre a questão da reforma agrária no Brasil - e cuja importância insistimos em destacar desde sua primeira projeção, há um ano no Festival de Brasília. Ampliado para 35mm, "Terra para Rose" tem condições de chegar a um público interessado, desde que haja um bom lançamento. Na categoria dos curtas, dois candidatos fortes: "Um Quotidiano Perdido no Tempo", de Nirto Venâncio, de Brasília, mas rodado no Ceará, e " O Mundo Perdido de Kozák", de Fernando Severo - que já foi premiado em Gramado (Kikito de melhor roteiro) e no RioCine (melhor filme/direção, 16mm, troféu Macunaíma) e que, para orgulho do Paraná, mostra, afinal, um ótimo trabalho realizado pelo nosso Estado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
15/09/1988

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