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Aramis

A espiral da boa música (I)

FORTALEZA, MAIO - Reunidos durante dois dias, coordenadores e professores do Projeto Espiral, implantado há 3 anos pelo Instituto Nacional da Música, concluíram com a aprovação de um documento afirmando da maior validade desta iniciativa desenvolvida na administração do maestro Marlos Nobre, na direção do INM, e que, como prioridade das metas estabelecidas desde o momento da criação deste organismo - quando ministro da Educação e Cultura, o hoje governador Ney Braga - era extremamente complexo em sua realização, mas simples e claros em seu objetivos. Ao reunir em Fortaleza representantes dos núcleos já implantados em 8 cidades - e mais observadores de 5 outros Estados - a Escola de Música e Belas Artes da Secretaria da Educação, de Curitiba, através da professora e violinista Eleni Zippin - o Instituto Nacional de Música pode provar que apesar de esperadas e inesperadas dificuldades surgidas no 3 últimos anos, o Projeto Espiral é totalmente válido, consistente e necessário de ter [seqüência], haja visto os bons resultados obtidos. Visando primordialmente dar condições para a formação de grande número de instrumentistas [cordas] brasileiros violinistas, cellistas, contrabaixistas e executantes de violas - o projeto foi concebido para atingir as faixas mais jovens e humildes da população, buscando, assim, [despertar] vocações capazes de suprir dentro de poucos anos a carência de instrumentistas de cordas existentes no Brasil. Mesmo ausente do encontro, o maestro Marlos Nobre - que no final de abril foi substituído pelo violonista Cussy de Almeida, ex-integrante do extinto Quarteto Guaíra, de Curitiba - mereceu as mais carinhosas referências e entusiásticos aplausos, nas várias vezes em que houve menção ao seu trabalho, à sua condição e ao esforço pessoal para que este projeto não se esvaziasse - e pudesse se consolidar ao ponto de se tornar irreversível, consenso ao qual chegaram todos os professores, coordenadores e jornalistas que estiveram reunidos no Colonial Praia Hotel. O novo diretor do INM, Gussy de Almeida, também não compareceu, sendo os trabalhos conduzidos pelo coordenador do Projeto, professor Gerson Pereira Valli, e pelo diretor administrativo do INM, Hamilton da Costa Soares. xxx Na noite de sábado, no amplo e confortável auditório do Sesi - uma das mais notáveis instalações deste organismo existente no País - a apresentação da [orquestra] formada por 22 violinistas, 6 violistas, 5 violoncelistas e 4 contrabaixistas, com um programa que incluiu peças de Corelli-Barbirolli, Vivaldi, J. Gotlieb Janitsch e Harold Genzmer, sob a supervisão do professor e maestro Vasquem Fernanian, coordenador do núcleo de Fortaleza, mostrou como é possível se formar bons instrumentistas, em aulas coletivas e num prazo relativamente curto. Hoje, esta orquestra de jovens com idade média de 13/17 anos, com mais de 70% filhos de operários, tem amplas condições [de] se profissionalizar - proposta alias exaustivamente debatida na sessões de encontro - e se tornar uma unidade regular na capital cearense, carente aliás de uma orquestra sinfônica. xxx Núcleo pioneiro do Projeto Espiral - nascido em decorrência do convênio entre o INM e a o Sesi, a experiência de Fortaleza resistiu a várias crises, inclusive quando da substituição do empresário Thomas de Sousa Pompeo Brasil na presidência da Confederação Nacional de Indústria, pelo sr. Domício Velloso - cuja filosofia de atuação é contrária à manutenção de programas na área cultural, nos moldes do Espiral. Se em Brasília, onde o projeto Espiral [também] havia sido iniciado em convênio com o Sesi, foi praticamente desativado, em Fortaleza a firmeza do diretor regional. José Flávio Costa Lima, possibilitou que não houvesse solução de continuidade. E graças a isto hoje há uma orquestra formada por jovens que até 1976 não tinham o menor conhecimento musical, a maioria vinda de famílias humildes, filhos de operários - e que mostram um nível artístico comparável a muitas formações semiprofissionais existentes no Brasil. A exibição da orquestra emocionou aos presentes e, por certo, merecerá [aplausos] de uma dezena de cidades onde ela se exibirá, ainda este ano, dentro da Rede Nacional da Música. xxx Em seus três anos de existência em Fortaleza, o Projeto Espiral viu passar cerca de 600 jovens - uma vez que, naturalmente houve desistências diversas, mas os resultados foram positivos desde o início: em 1977, já ocorriam 10 apresentações, número que no ano passado, com 112 inscritos e 230 ensaios, subiu para 15. Este ano, até o 5 de maio último, os 137 integrantes dos três grupos do Projeto Espiral haviam feito 48 ensaios e 4 apresentações. Divididos em três grupos - formação, intermediária e aperfeiçoamento - sob orientação de 5 professores de violinos, e dois (em cada instrumento) de viola, violoncelo e contrabaixo, as crianças e jovens, em aulas coletivas normalmente, encontraram na música um entusiasmo que chegou a emocionar a muitos. Iniciado com orientação do maestro Alberto Jaffé - que posteriormente passou por Brasília, mas afastou-se do projeto, encontrando-se hoje em São Paulo, o núcleo de Fortaleza teve em Vasquem Fernanien, 41 anos, um nordestino de bigodes sicilianos, voz de tenor, enérgico e suave ao mesmo tempo, o seu grande dirigente. A quantidade ponderável de alunos e a inexistência de professores da Universidade da Paraíba (1978) e Rio Grande do Norte (1979), que contribuíram, efetivamente, para o nível de formação dos estudantes - e cuja experiência foi trocada agora, neste 2º Encontro Nacional de Professores de Instrumentos de Cordas, que levantou idéias, propostas e, naturalmente, problemas, dos mais válidos - e cuja aplicação prática não se restringe apenas aos outros núcleos já estabelecidos - mas em cidades onde também se pretende estender o Espiral - incluindo Curitiba, cuja ausência, aliás, nesta fase inicial - ao contrário de Florianópolis e Porto Alegre , - constitui tema para um próximo comentário. xxx Numa primeira anotação, registrada rapidamente após se assistir ao concerto que uma orquestra de apenas 3 anos de existência, formada por jovens com menos de 18 anos, a maioria de famílias humildes, portanto sem qualquer formação musical erudita, fica a emoção e o entusiasmo por este feliz projeto que Marlos Nobre soube idealizar e coordenar - e que teve na Funarte, e no então ministro Ney Braga, da Educação e Cultura, um entusiástico apoio. Criado para, numa primeira etapa, formar instrumentistas de cordas e, em posteriormente de sopros e percussão, o INM lançava há 3 anos o slogam "O Brasil pode ser uma orquestra. Dê um instrumento a uma criança". Agora, quando aqui em Fortaleza, se avaliou os resultados obtidos -e, entre saldos positivos e negativos - se chegou a um denominador comum - qual seja, a extrema importância e validade do projeto - pode se garantir que mais do que uma afirmação entusiástica, ou um slogam publicitário, a frase tem sua validade. Ainda mais neste Ano Internacional da Criança.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
5
15/05/1979
Marlos Nobre, 1º diretor do Instituto Nacional de Música da Funarte teve entre suas primeiras iniciativas a criação deste extraordinário Projeto Espiral. Um projeto audacioso e temerário para a época em que foi criado. Ainda não estávamos no tempo da abertura política nem da anistia, isto é, estavamos em 1976. E Marlos Nobre teve a coragem absoluta de enfrentar tudo e todos: em plena época de exceção do regime militar, ele creiou este projeto, a que deu o nome de "Espiral", para ensinar instrumentos de cordas aos meninos e meninas filhos de operários. Conseguiu o apôio de SESI de Fortaleza, reuniu alguns músicos abnegados e instalou o primeiro núcleo com cerca de 600 crianças pobres, todos filhos de operários do Ceará. Contratou Alberto Jafé para morar em Fortaleza e instalar lá o método Jaffé derivado do projeto Suzuki, e em menos de 1 anos já tinha formado uma orquestra de crianças no Ceará. O sonho começava a se tornar realidade. Marlos Nobre, um visionário da música, sonhava alto e criou o slogan "O Brasil pode ser uma Orquestra". Muitos não acreditavam e muitos foram os que criticavam acerbamente o Maestro Marlos Nobre. Ele seguia em seu sonho, alheio a tudo e somente acreditando no seu sonho. Ora, praticamente na mesma época e sem Marlos saber, um projeto similar acontecia na Venezuela, liderado por outro maestro, José Antonio Abreu. A mesma idéia: conseguir através do ensino da música, dos instrumentos de cordas, tirar os meninos e crianças das ruas, das drogas, da desesperança, da falta de perspectivas. Começado em 1976 o Projeto Espiral de Marlos Nobre, logo 6 meses depois um especial da TV Globo mostrava os frutos: crianças pobres, descalças, tocando violinos, violas, violoncelos e contrabaixos em estado de êxtase. Porque através da música o maestro Marlos Nobre lhes indicava uma saída para a miséria, dando uma perspectiva de trabalho futuro, um lugar numa das orquestra sinfônicas do Brasil. Durou três anos o Projeto Espiral: ao sair do Instituto de Música em 1979, Marlos Nobre pediu que não acabassem com o projeto: seu pedido caiu no vazio e o aconteceu já se sabe: sem a presença de Nobre os vândalos da música partiram para os mesmos projetos de sempre, ou seja, de apresentarem recitais deles próprios e de seus apadrinhados, Num gesto de suicídio artístico acabaram com o que foi o maior projeto musical realizado no Brasil em sua história. Ao ouvir algumas crianças lhe dizerem "Maestro, o que vou fazer sem meu violino"?, Marlos Nobre quase chorou: não podia dar-lhes mais esperanças. Tudo ruiu, tudo acabou. Mas algo ficou: alguns remanescentes continuaram seus estudos e Marlos encontrou-os muitos anos depois nos Estados Unidos, na Polônia, na Inglaterra. Eram os mais talentosos, os mais tenazes, aqueles que a inércia dos vândalos não conseguiu desanimar. Um deles, tornou-se depois o diretor titular de Orquestra Sinfônica de Poznán na Polônia e logo o Regente titular da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo hoje: é o Maestro José Maria Florencio, um dos mais talentosos alunos do Projeto Espiral em 1976. E ao dar uma master-classe na Juilliard School em Nova York, aproximou-se de Marlos Nobre um jovem que cursava o doutorado lá: era outro egresso da primeira turma do Projeto Espiral de 1976, um jovem violista. Mas isso era pouco para o que sonhava Marlos Nobre: caso não tivessem destruído o Projeto Espiral, logo que saiu do Instituto de Música, a pergunta que não pode calar e não deve calar é: o que seria do Brasil, hoje, se não tivessem simplesmente destruído o Projeto? O exemplo está na Venezuela: hoje a Venezuela é admirado por Claudio Abbado, por Simon Rattle e tem no seu jovem Gustavo Dudamel, a maior estrêla da regência mundial, dirigindo as grandes orquestras da Europa. Este seria o destino do Brasil que seria hoje, facilmente, uma das maiores potências musicais do mundo. O sonho de Marlos Nobre apesar de tudo, frutificou em alguns casos excepcionais. Mas os milhões de brasileiros que foram privados de um destino musical maravilhoso, estes não poderão perdoar a inércia, a vergonha nacional que foi a simples destruição deste Projeto Espiral, fruto da mente visionária e criadora de Marlos Nobre. Pena para nós, pena para o Brasil. Marlos Nobre seguiu em frente com sua carreira triunfante de compositor, sendo considerado hoje universalmente como o maior compositor de toda a Iberoamérica, como atestam os jurados que lhe outorgaram o grande Prêmio Tomás Luis de Victoria 2005, por unanimidade, pelo conjunto de sua obra. Na entrega do prêmio em junho de 2006 o maior crítico e musicólgo da Espanha, Tomás Marco declarou: "para mim, Marlo Nobre é o maior compositor em atividade, hoje, de toda Ibero-América". Os filhos dos operários do Ceará, Pernambuco, Brasília, Rio Grande do Norte, Paraíba, entretanto não puderam realizar seus destinos : em sua maciça maioria ficaram pelo caminho e isto os detratores e destruidores deste sonho Espiral de Marlos Nobre, ficam definitivamente devendo ao Brasil.

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