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Aramis

"Eu", o Khouri requintado e com as mais belas mulheres

GRAMADO, ABRIL - Um dos mais habituais participantes do festival de cinema brasileiro que há 15 anos se realiza nesta paradisíaca cidade gaúcha é o cineasta Walter Hugo Khouri. Já houve época em que trazia seus filmes para a parte competitiva mas há muito preferiu optar em ser apenas um participante, assistir os filmes em competição, rever amigos e, olho clínico marcante, observar jovens atrizes que possam enfeitar seus filmes, ele que, como uma espécie de George Cukor brasileiro, é reconhecido (até pelos seus inimigos), como o melhor diretor de mulheres, obtendo o máximo de rendimento, mesmo daquelas que, normalmente, não teriam muitas chances dramáticas. Este ano, Khouri tem outras razões para vir a Gramado. Dois de seus novos filmes aqui estarão em exibição - embora não em competição: "Eu", seu 21º longa-metragem, terá uma apresentação amanhã à noite, no Cine Embaixador, após os dois longas em competição: "A Dança Dos Bonecos" do mineiro Helvécio Ratton e "Fonte Da Saudade", que o carioca Marcos Altberg rodou com base no romance de Helena Jobim, irmã de Antônio Carlos - autor da belíssima trilha sonora. "Eu" - estréia marcada em Curitiba, quinta-feira (Cines Itália e São João) estreou em março último em São Paulo, com simpática acolhida da crítica e espaços amplos para entrevistas com Khouri. No Rio, a recepção do público foi boa mas a crítica insiste em discriminá-lo: no conselho que o crítico Wilson Cunha, do "Jornal do Brasil", organiza nas edições de sexta-feira, teve unanimidade bolas pretas. Injustiça, mesmo para os que não se aliam integralmente entre seus fãs - mas sabem reconhecer a coerência, o estilo, o capricho e o talento deste paulista de excelente formação intelectual, elegante e que não demonstra os bem vividos 56 anos. O segundo filme de Khouri a ser exibido aqui em Gramado não é propriamente um filme seu: em "Mônica E A Sereia Do Rio", produção de Maurício de Souza, Khouri apenas dirigiu as seqüências com Tetê Espíndola, cantriz mato-grossense, três elepês solos gravados e vencedora do Festival dos Festivais com "Escrito Nas Estrelas". Pouco mais de 10 minutos, rodados na belíssima paisagem da Pousada do Rio Quente, em Goiás, onde o filme teve sua primeira exibição, em 19 de janeiro último. Como este ano o Festival de Gramado tem uma amostragem do cinema infantil, Maurício de Souza trouxe uma grande equipe para movimentar o Cine Embaixador à tarde, desfilar na praça com os bonecos de suas criações e até ensinar as crianças a desenharem as figuras que ele imortalizou. Não poderia, portanto, faltar "Mônica E A Sereia Do Rio", seu segundo filme, em capítulos, que há 4 meses está sendo projetado nas sessões Zig-Zag de cinemas em todas as capitais (em Curitiba, Cine Plaza). KHOURI, O ESTETA - Como sintetizou o jornalista Ricardo Soares, de "O Estado de São Paulo", em 35 anos de carreira, colecionou retumbantes fracassos de bilheteria ao lado de enormes sucessos. Ganhou prêmios no Brasil e no Exterior, e "montou sua obra como um caleidoscópio onde cada peçinha se encaixa para formar o desenho cinematográfico que pretende, quase um Proust de câmera na mão, seu personagem Marcelo o acompanha há muitos filmes". Em vários encontros com Khouri - em festivais de cinema e, em janeiro último, em Pousada do Rio Quente, ele nos falou com carinho de sua simpatia pelo Paraná. Afinal, foi em Curitiba, há 30 anos, que recebeu seu primeiro prêmio como diretor, numa edição única de um festival de cinema realizado no saudoso Cine Ópera, quando trouxe seu segundo longa-metragem, "Estranho Encontro". Conheceu em Curitiba a então repórter de "O Estado do Paraná", Edla Van Steem - hoje esposa de Sábato Magaldi (ex-secretário da Cultura de São Paulo), escritora e vivendo atualmente em Paris. Eva acabaria sendo lançada por Khouri como atriz em "Na Garganta Do Diabo", uma espécie de western das três fronteiras, rodado em Foz do Iguaçu e que até hoje é um filme no mínimo "diferente" em sua filmografia, quase toda introspectiva e cerebral. Esteta do maior refinamento, admirador declarado de Joseph Von Sternberg (1894/1969) - a quem aliás dedicou um de seus mais pessoais filmes ("Paixão E Sombras", 1976/77, sobre um diretor em crise de criação), Khouri há muito tem defensores extremados e críticos radicais. Explicando sua admiração por Sternberg, Khouri disse: - "Sternberg é o mais cinematográfico dos cineastas, um genial criador de espaços e atmosferas e uma das minhas maiores admirações. Invejo sua capacidade de se concentrar apenas no cinema. Sua profundidade vem da própria estrutura de sua forma, do universo físico que conseguiu criar". Apesar da admiração pelo diretor de "Marrocos", a acusação que Khouri sempre sofreu foi a de ser um imitador de Bergman. Há 4 anos, já explicava que isto se deve, ainda, ao fato de ter sido, quando crítico atuante do antigo "Suplemento Literário" de "O Estado de São Paulo", um dos primeiros - senão o primeiro ensaísta a reconhecer os méritos do cineasta sueco, até então ignorado mesmo na Europa e Estados Unidos. Enaltecendo o então jovem Bergman, por filmes como "Juventude" (Sommarlek, 1951), "Quando As Mulheres Esperam" (Kvinnors Vantan, 1952), "Mônika E O Desejo" (Sommaren Med Monika, 1952), "Noites De Circo" (Gycklarnas, 1953), e "Uma Lição De Amor" (En Lektkon I Karlek, 1954), seus primeiros filmes a terem distribuição no Brasil, Khouri passaria a ser identificado com o cineasta sueco, inclusive a ele dedicando uma monografia editada há mais de 30 anos pela Cinemateca Brasileira. Sincero, reconhece que como Bergman, Fellini ou Bunuel, sempre fez "o cinema que posso fazer". - "Não é uma escolha, um cálculo, uma decisão racional. É algo que vem de dentro, de forma automática. Não saberia fazer outro tipo de cinema e além do mais acho que hoje todos sabem que o engajamento forçado ou exigido acaba por corromper o talento, dificultar a expressão, amordaçar a criatividade. Nenhum artista verdadeiro se submete a isso. Além do que, a maior parte dos engajamentos são apenas pró-forma". A OBRA PESSOAL - Sem se afastar de uma linha de coerência e estilo, Khouri sempre marcou seus filmes. São densos, com personagens complexos, requinte visual máximo e roteiros estranhos. Seu entusiasmo pela beleza de Gramado, o levou a aqui rodar, há nove anos passados, um de seus mais belos filmes - "As Filhas Do Fogo". Um filme com toques espiritualistas, fantástico. Assim como em "O Anjo Da Noite", de 1974, que foi um de seus maiores fracassos de público, mas que valeu ao paranaense Mauro Alice, mestre da montagem, o troféu "Coruja de Ouro", quando o antigo Instituto Nacional do Cinema tinha aquela promoção. A obra pessoal de Khouri, seus filmes densos, profundos e polêmicos, comportam longas análises e assim como jamais se esgota o tema numa entrevista, também não é no despacho de uma matéria que se possa sintetizar este cineasta, merecedor de revisões de suas obras - possível agora, com o lançamento de vários de seus títulos em videocassete inclusive "Eu", que já está nas locadoras). Por exemplo, Khouri relembra um pouco de sua carreira: - "Nos anos 50, comecei a fazer cinema pela direção. Fiz três meses de assistência de escritório na Vera Cruz, mas comecei dirigindo mesmo "O Gigante De Pedra", filme semi-amador (perderam-se todas as cópias e o negativo). Depois fiz "Estranho Encontro", onde já havia o embrião do personagem Marcelo, que voltaria em tantos outros filmes, inclusive, naturalmente, em "Eu". Sobre Marcelo - personagem que foi adquirindo forma a partir de "Noite Vazia" (1964, um de seus maiores sucessos) é tema naturalmente para toda uma longa digressão. Sobre o "Marcelo" mais maduro - que foi visto em "Paixão E Sombras", "Eros" (recentemente reprisado, por 4 semanas, no Cine São João), Khouri admite que ele tem, naturalmente, muito de sua própria personalidade e vivência, mas é ficção. No Marcelo que Tarcísio Meira interpreta em "Eu" - rico, maduro, diferente do universitário pobre encarnado por Paulo José, em 1968, em "As Amorosas", o cineasta diz: - "Eu" é uma espécie de versão de Don Juan. Um Don Juan que envelheceu. Em quase todas as versões, ele morre e aqui não morreu. Simplesmente tem essa obsessão dos individualistas. Sempre sonha com aquilo que poderia ser uma solução, uma saída para ele. O grande amor, o grande êxtase. O Don Juan só tem sentido quando está em ação. E a falta de culpa no Marcelo é porque eu também sou assim". Falando ainda sobre o "Marcelo", de "Eu", Khouri diz: - "O Marcelo deste filme está com 50 anos e tem a sensação de que tudo está se "Acabando". Ele, o seu mundo. E talvez o resto do mundo também. Não se conforma com isso porém e sonha em recuperar "aquilo", um definível élan de vida e que vê fugir cada vez mais. Quer recuperar isso, enquanto pensa que ainda há tempo e, apesar de tudo, não perdeu a esperança de encontrar uma sublimação sensual-emocional-existencial numa só pessoa". É importante que o personagem seja explicado pelo autor. E Khouri lembra que Marcelo, perplexo, assustado com a velhice e o fim, "não é o "replay" mas sim uma continuação de um personagem que surgiu de forma espontânea nos filmes dos anos sessenta, sem que eu me desse conta de que passaria a ser uma espécie de porta-voz das minhas próprias perplexidades diante do mundo e cada vida". Da amálgama dos dois principais personagens masculinos de "Noite Vazia", há 23 anos, que se transformam no universitário anarquista, pobre, deprimido e destrutivo de "As Amorosas", três anos depois (por sua vez, um eco meio impreciso de personagem central de seu primeiro esboço de roteiro, em 1949). Em "O Último Êxtase" (1973), o protagonista era o adolescente angustiado. Em "O Desejo" (1975), um homem neurótico e depressivo, incapaz de ser fiel e corroído pela impossibilidade de se realizar. Foi o cineasta em crise de "Paixão E Sombras", há 10 anos, enquanto que em "O Prisioneiro" (1978) e "Convite Ao Prazer" (1979) já era o Marcelo maduro, enriquecido, desesperado e blasé, destruindo aos outros e a si próprio. Finalmente em "Eros" (1981, filmado com a câmera introspectiva, sem o personagem aparecer de frente), uma espécie de resumo de tudo isso, cínico, irreverente, infiel, apaixonado e destrutivo. - "Mas todos eles, independendo de idade e posição social, procuram sua catarse em torno do fato amoroso. Uma gnose do amor".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
15
28/04/1987

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