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Aramis

Feliz Paulo com a comédia digestiva

Aos 63 anos e 35 de teatro Paulo Autran é um midas no palco. Afinal, três décadas e meia de um trabalho regular e coerente, ao qual somaram-se marcantes atuações em televisão e, embora raras, importantes participações em filmes (ainda há pouco, fez um bom papel em "O País dos Tenentes", de João Batista de Andrade, em fase de montagem), fazendo com que Autran tenha um público cativo e reconhecimento por alguns críticos como o de maior ator vivo do Brasil. Autran é, antes de tudo, também um homem esperto, que sabe aquilo que o público deseja. E por isto, ao lado de clássicos e textos importantes, vez por outra busca as comediotas capazes de satisfazerem a grande faixa que busca o teatro em busca do simples entretenimento. No ano passado, em São Paulo, Autran tentou uma fórmula salomônica, encenando simultaneamente "Tartufo", de Moliére - um clássico do repertório de grandes atores e a inconseqüênte "Feliz Páscoa", do também francês Jean Poiret. Para mambembar Brasil a fora, Autran optou pela comédia de Poiret, mais conhecido por sua "Gaiola das Loucas", uma comédia de tanto sucesso que já originou três versões cinematográficas e um musical de sucesso na Broadway e, no Brasil, permaneceu anos em cartaz. "Feliz Páscoa"é o tipo da comédia tamanho família. Não há palavrões, o cenário reproduz a sala de visita de um apartamento de alta classe média francesa - onde vive o bem-sucedido professor Margelle (Autran), as atrizes usam bonitos vestidos, a iluminação é perfeita, a trilha sonora ajustada, enfim tudo certinho. Não foi sem razão que a elétrica e incansável Alice Mesmair, comandante de obras filantrópicas da cidade, não teve dificuldades em promover uma sessão de estréia, quarta-feira, que lotou o autditório Bento Munhoz da Rocha Neto. Um público altamente colunável, a começar pelo próprio governador João Elísio, que ao lado da esposa Tina, era um dos que mais ria. A comédia de Jean Poiret é, como manda o figurino do teatro bem comportado. Um professor aproveitando a suposta viagem da esposa, traz para seu apartamento a amante (Mirian Lins) e é surpreendido com o retorno da cara-metade. Inventa uma mentira e a situação vai tomando caminhos inusitados, com entrada de outros personagens e algumas situações engraçadas. Entre o vaudeville e o "Pato com Laranja" - outra bobagem teatral que Autran montou no Brasil - a comédia conquista o público que pretende apenas diversão higienizada, sem palavrões, sem cacos (o que Autran jamais permite), tudo bonitinho. Para este público, esta peça funcionou - tanto é que encerrando agora sua temporada (hoje e amanhã, últimas apresentações) bate recordes de freqüência e engordou a conta de Autran em mais alguns milhões de cruzados, suficientes para permitir justas férias, que começarão na próxima semana no Pantanal, prosseguem num safári ao Quênia e terminam em Paris. Quem busca, entretanto, o teatro de idéias, espetáculos com força e vigor - e que admirou José Possi Neto por sua extraordinária direção em "De Braços Abertos", de Maria Adelaide (de longe, o mehor espetáculo apresentado este ano em Curitiba), vai se decepcionar. "Feliz Páscoa" é o exemplo da comediota que se esquece na manhã seguinte - e que se tem um humor limpo, asséptico, servido em embalagem sofisticada, nada oferece de mais substancioso. Há, é claro, o elenco. Autran é sempre o superastro, capaz de viver tão bem um dramático Loomis de "A Morte do Caixeiro Viajante" de Miller (que trouxe a Curitiba, em 1977), com o mais paspalho marido infiel, como o personagem desta comédia. Karin Rodrigues, elegante, conduz bem sua personagem enquanto que Mirian Lins, na personagem-chave de Júlia mostra uma bonita plástica. Mas é no elenco de apoio que está o melhor deste espetáculo. São pequenos papéis que atores competentes valorizam extraordinariamente. De longe, a figura mais histriônica no palco é Simon Khouri, que cria o notável mordomo Pompidou. Simon está engraçadíssimo, com uma atuação em que mostra sua força e garra, criativamente própria. Nos poucos momentos em que entra no palco conquista a platéia e diverte muito mais do que as vezes longos e chatos diálogos entre os personagens centrais. Uma ariz veterana dos palcos, vídeo e cinema, Yolanda Cardoso, num também curto papel - só aparecendo no segundo ato - é outro ponto alto. Sua "Marlene Chaitgneau" é delirante e se não fossem os cortes impostos em suas cenas origianais, bem como uma forçada contenção que Autran, rigoroso, obrigou, sua personagem cresceria ainda mais. É, entretanto, aquela atriz marcante, que tem um humor próprio e que apegando-se a um papel de composição realiza, entretanto, um grande momento - ela que tem em seu curriculum, alguns grandes momentos de nosso teatro (remember a inesquecível "Caixa de Sombras", que a trouxe a Curitiba há quase 10 anos passados). O jovem Emerson Caperbá, como o galã Frederico Walter tabém valoriza suas poucas falas, da mesma forma que a envolvente Agnes Fontoura (Madame Walter), ao lado do característico Arnaldo Dias (Senhor Walter). Enfim, um elenco altamente competente, capaz de compensar a fraqueza do texto e a mesmice de muitas situações - vistas e revistas em dezenas de outras comédias que partiram da mesma temática. Durante mais de um ano, "Feliz Páscoa" cumpriu sua obrigação: divertir o público menos exigente. E contribuiu para que Autran aumentasse seu patrimônio o suficiente para [que], se espera, produza e interprete, em breve, uma peça realmente à altura de seu indiscutível talento. Daquelas que fazem o espectador pensar em reter na memória muitos anos. Afinal, de Autran, quem se esquece daqueles momentos como "Morte e Vida Severina" ou "Depois da Queda"? Aquilo sim, é teatro.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
30/08/1986

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